O QUE É UMA VIDA
A manhã estava fria e o céu ainda escuro, quando aquele menino iniciou sua jornada.
Tudo a sua volta lhe era estranho e desconhecido. Aquelas árvores enormes, grandes, imensas, que se erguiam para o alto, o mais alto, buscando o além, faziam-no sentir-se fraco, pequenino e muito, muito só!...
O menino olhou para a extensão que se abria ante seus olhos e o caminho escabroso. Foi então que sentiu medo e pela primeira vez, chorou!... Neste instante, mãos carinhosas e suaves tomaram-no ao colo e enxugaram suas lágrimas medrosas. Mãos fortes e amorosas que seguraram firmemente sua frágil mãozinha e ajudaram-no a dar os primeiros passos na senda da vida...
Foi então que ele sentiu que não estava sozinho mas, que a seu lado, todo o tempo seus dois amigos o estiveram observando para auxiliá-lo no momento preciso. Seus dois companheiros, passo a passo, o acompanharam sorridentes na jornada, abrindo-lhe os olhos para a beleza da vida...
Com eles, nesse dia, bem cedo ainda, seus joelhos dobraram-se, reverentes, pela primeira vez, para conversar intimamente com aquele que rege o mundo da vida. Foi nesses primeiros minutos em que, auxiliado pelos seus colegas, ele aprendeu a doçura e a grandeza do amor! Havia tantas coisas para amar! Tantos que ansiavam por amor! Tantos que desejavam ardentemente ver o seu sorriso amoroso! Tantos... Tantas...
Os caminhos que se estendiam eram vários, mas seus amigos ajudaram-no a escolher aquele que era o melhor. Quando por vezes ele tentava se desviar, seus dois amados protetores o reconduziam de volta.
E, neste caminho, ele conheceu outros, muitos outros companheiros de jornada. E vagarosamente o menino aprendeu a querer-lhes bem, a estender-lhes as mãos após as caídas, a correr-lhes ao encontro quando chamado insistentemente, enquanto que seus companheiros de sempre o seguiam, sorrindo, porque ele já aprendera a amar e a servir.
Houve momentos em que, esquecidos de tudo, os três perdiam-se numa gostosa brincadeira, onde só o grande Amor reinava. Havia também instantes em que os caminhos tornavam-se difíceis, terríveis, com o sol causticante queimando-lhes o corpo.
O menino sentia-se fraquejar, o sorriso desaparecia e o cansaço e a dor eram imensos. Suas perninhas frágeis sofriam com a jornada, mas as mãos amigas sempre estavam presentes para o impulsionamento de seguir para a frente, encorajando-o para o além...
As horas passavam céleres, horas aproveitadas no contemplamento das belezas do mundo, instantes de tranquilidade, de paz, de alegria, de aprendizado, de amor, de serviço... Horas de uma vida... únicas... aproveitadas ou perdidas para sempre...
Mas, eis que o dia se finda, o sol outrora brilhante e radioso esconde-se, fazendo baixar a calma e serena noite. Os três alcançaram a maior colina, a mais alta...
Chega a hora da separação. Lentamente o menino desce, sozinho, o caminho íngreme do outro lado... Seus olhinhos inquietos buscam o ideal, o amanhã... Para trás seus dois velhos companheiros permanecem mudos, seguindo-o com o olhar cheio de amor...
E enquanto seus olhares o acompanham, eles pensam no que aprenderam juntos, e sabem que para a frente, além, muito além do que seus olhos podem alcançar, estão vidas a sua espera, vidas frágeis e como a dele, no começo, vidas tristes e desoladas, que não tiveram amigos tão leais como os seus para as guiarem, vidas inúteis que não compreenderam ainda o seu valor e a sua importância, vidas cansadas que necessitam de ajuda e que anseiam por amor e carinho, vidas ainda expiradoras que o encorajarão através do caminho...
Eles sabem que nem todos os dias serão serenos e alegres, mas estão certos que além, do outro lado da noite escura e tempestuosa haverá luz a sua espera, luz brilhante que emana da vida do passado.
Dermeval Pereira Neves
Rio Claro, 27 de maio de 1971