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GOTAS DE REFLEXÃO - EVANGELHO DOMINICAL

 

Índice desta página:
Nota: Cada seção contém Comentário, Leituras, Homilia do Diácono José da Cruz e Homilias e Comentário Exegético (Estudo Bíblico) extraído do site Presbíteros.com
. Evangelho de 28/02/2010 - II Domingo da Quaresma
. Evangelho de 21/02/2010 - I Domingo da Quaresma


Acostume-se a ler a Bíblia! Pegue-a agora para ver os trechos citados. Se você não sabe interpretar os livros, capítulos e versículos, acesse a página "A BÍBLIA COMENTADA" no menu ao lado.

Aqui nesta página, você pode ver as Leituras da Liturgia dos Domingos, colocando o cursor sobre os textos em azul. A Liturgia Diária está na página EVANGELHO DO DIA no menu ao lado.
BOA LEITURA! FIQUE COM DEUS!

28.02.2010
II Domingo da Quaresma - ANO C - Roxo

__ “Deus se faz ALIADO do homem” __

Comentário: Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! Um rito sacrifical sela o pacto entre Deus e Abraão, na mesma linha dos ritos que toda religião realiza como expressão de suas relações com a divindade. A iniciativa vem de Deus, sua é a escolha de Abraão, sua é a promessa de uma terra e uma descendência que ultrapassa toda esperança. Cristo se apresenta como a aliança definitiva entre Deus e o seu povo. Também para ele a aliança se faz através de um êxodo (no evangelho, Moisé e Elias falam do seu êxodo, sua morte) e de um ingresso - a face do Cristo muda de aspecto e suas vestes fulgurantes indicam a ressurreição. Os apóstolos não compreenderam, no momento, o episódio da transfiguração, mas quando o Espírito desce sobre eles, tornam-se as testemunhas do fato decisivo da cruz e da ressurreição. A eles e a toda a comunidade suscitada por seu testemunho é confiado o memorial da nova aliança, selado não com o sangue de animais imolados, mas com o sangue do próprio Cristo, para remissão dos pecados. Jubilosamente, entoemos cânticos. Jubilosamente, entoemos cânticos ao Senhor!

(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)

PRIMEIRA LEITURA (Gn 15,5-12.17-18): - "Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz!"

SALMO RESPONSORIAL (Sl 26): - "O Senhor é minha luz e salvação!"

SEGUNDA LEITURA (Fl 3,17— 4,1): - "Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso"

EVANGELHO (Lc 9,28b-36): - "Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!"



- “TRANSFIGURAÇÃO”
    Reflexão do Evangelho por Diácono José da Cruz

Eu estava empolgadíssimo ouvindo o relato sobre um filme, assistido por um amigo meu, que voltou cheio de entusiasmo falando maravilhas do mesmo e narrando com precisão o início, quando toda a história começa a se desenvolver, mas, porém, ao chegar na parte principal, quando todo o mistério seria revelado, bastante sem graça ele confessou-me que só se lembrava do final porque, dominado pelo sono acabou dormindo no melhor da história, que raiva que me deu! Com Pedro, Tiago e João aconteceu à mesma coisa no alto daquele monte onde Jesus havia subido para rezar, como frisa o evangelista, e justamente na hora em que Moisés e Elias, personagens importantes do Antigo Testamento, conversavam com Jesus sobre o seu “Êxodo”, os discípulos nada viram e nem ouviram, simplesmente porque pegaram no sono.

Esse “dormir” teológico sempre aparece na Escritura Sagrada para mostrar como o homem é pequeno diante do grandioso mistério de Deus, no paraíso o homem dormia quando Deus tirou uma de suas costelas para fazer a mulher, no Horto da Oliveira à cena se repetirá, quando os discípulos dormem em um momento em que Jesus vive a sua angústia. Quando dormimos não sabemos nada do que se passa ao nosso redor, portanto, na vida de fé, dormir é não perceber a ação de Deus em nossa vida.

Ainda bem que eles tiveram bom censo e diferente do meu amigo, decidiram não contarem nada a ninguém sobre tudo o que tinha acontecido no alto da montanha – afirma o evangelho em seu final – e particularmente acho que fizeram muitíssimo bem porque se saíssem falando, não iriam dizer coisa com coisa, pois no fundo não haviam compreendido nada daquelas coisas que estavam acontecendo com o Mestre. Ao anunciarmos Jesus e falarmos do seu evangelho, devemos fazer com muita clareza e convicção, caso contrário corremos sempre o risco de ficarmos fantasiando o Cristo do evangelho.

Subir em uma montanha não é tarefa das mais fáceis, requer esforço, concentração e muita atenção, pois qualquer escorregão, além de poder ser fatal, a gente ainda perde todo o esforço do trabalho já feito. Jesus havia subido á montanha para rezar e nós também “subimos”, isso é, fazemos a nossa ascese quando nos entregamos à verdadeira oração, aquela onde Deus nos envolve na sua vida de comunhão, como aquela nuvem envolveu os discípulos, e revela-nos quem somos e qual a nossa missão.

Essa experiência nós a podemos fazer na oração pessoal, ou quando nos reunimos na comunidade, em torno da Palavra e da Eucaristia, onde celebramos a paixão, morte e ressurreição de Jesus, isso é, celebramos as dores e os fracassos, o amargor do cálice da derrota, mas também a glória da ressurreição, que marcou o seu êxodo, tema da conversa entre os dois personagens e Jesus.

Mas sempre há os cristãos-soneca, que também dormem o tempo todo, isso é, participam de todo este mistério sem compreendê-lo e vivenciá-lo em seu dia a dia e daí, como o apóstolo Pedro, acordam assustados, com a vontade de armarem as tendas do comodismo, fechando-se em seu grupo ou em sua comunidade, para fugir dos desafios que missão certamente lhes trará, são aqueles cristãos que só querem sombra e água fresca.

Para compreender todo o mistério, uma só coisa é necessária; ouvir com atenção as palavras de Jesus o Filho de Deus! “Escutai o que ele diz...”, dia a voz que sai do meio da nuvem, sigam pelo caminho que ele indicar, vivam do modo como ele viveu, ponham o evangelho no coração, e teremos enfim o Reino dentro de nós, irradiando muita vida e esperança, pois a transfiguração mostra-nos a glória na qual seremos envolvidos, porém, também lembra-nos que há todo um êxodo a ser percorrido, um caminho que não será dos mais fáceis, mas somente nele é que encontraremos as pegadas Daquele que venceu e foi glorificado pelo Pai.

José da Cruz é diácono permanente da Paróquia Nossa S. Consolata-Votorantim - e-mail:jotacruz3051@gmail.com


Homilia do Pe. Françoá Rodrigues – II Domingo da Quaresma (Ano C)

Transfiguração

Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa

Você conhece o poema “pegadas na areia”? Relata a observação que uma pessoa fazia estando na praia de que nos momentos mais felizes da sua vida existiam duas pegadas na areia: as do Senhor e as suas. Deus estava presente nos momentos de felicidade. Mas… que decepção! Nos momentos de dificuldade, a mesma pessoa notava que só existia uma pegada na areia. Ao perguntar ao Senhor o porquê daquilo, Deus lhe respondeu que nos momentos mais difíceis Ele a segurava nos braços sem que ela mesma percebesse isso. Surpresa maior ainda: as pegadas eram do Senhor!

Acabamos de escutar o trecho do Evangelho que nos relata a transfiguração do Senhor. Ao olharmos um pouco o contexto, observamos que Jesus tinha anunciado aos seus que “é necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas. É necessário que seja levado à morte e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 9,22); que ele tinha falado também que se alguém o quisesse seguir que tomasse a cruz (cf. Lc 9,23-24); por outro lado, os discípulos esperavam um messias político que vencesse pela força de um exército dominador o poder dos romanos, de cujo jugo desejavam ver-se livres.

Tendo em conta tudo isso, podemos dizer que os discípulos encontravam-se bastante desnorteados e até mesmo desanimados. A transfiguração do Senhor é um consolo. De fato, dizia São Leão Magno que “o fim principal da transfiguração foi desterrar das almas dos discípulos o escândalo da Cruz”; trata-se de uma “gota de mel” no meio dos sofrimentos. A transfiguração ficou muito gravada na mente dos três apóstolos que estavam com Jesus, anos mais tarde São Pedro lembrar-se-ia deste fato na sua segunda epístola: “Este é o meu filho muito amado, em quem tenho posto todo o meu afeto”. Esta mesma voz que vinha do céu nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo” (2 Ped 1,17-18).  Ele, Jesus, continua dando-nos o consolo – quando necessário – para podermos continuar caminhando e para que nunca desistamos. É preciso que façamos muitos atos de esperança, uma virtude muito importante para todos os membros desse estado da Igreja que nós chamamos de “militante”. Somos os que combatem e somos combatidos, a nossa força vem do Senhor, nele nós esperamos.

Vale a pena seguir alguém que vai morrer na Cruz? Uma pergunta semelhante pôde ter passado pela mente dos discípulos do Senhor como também pôde ter passado alguma vez pela nossa, quiçá formulada de outra maneira. No ciclo B, a liturgia nos apresenta o relato da grande prova ao qual Abraão – o pai de todos os crentes – é submetido (cf. Gn 22). O relato faz parte das assim chamadas “tradições patriarcais” (Gn 12-36). A prova pela qual Abraão passa é dramática: sacrificar Isaac, seu filho amado e, ademais, filho da promessa.

Muitas vezes, também nós passamos por provas espirituais difíceis: parece que Deus não me ouve, que ele está longe de mim, não liga para mim, muda de planos e que “não está nem aí” para os meus planos. Os discípulos de Jesus têm uma sensação semelhante diante do anúncio da Paixão e do seguimento exigido por Jesus: encontravam-se diante de um projeto que eles não tinham imaginado. E agora, vale a pena? Vale a pena, Abraão? Vale a pena, discípulos de Cristo? Você que lê esse texto: vale a pena? Hoje em dia, você e eu só estamos no serviço do Senhor porque aqueles primeiros viram que valia a pena e porque livremente vimos, nós também, que vale a pena.

Os discípulos da transfiguração são os mesmos do Monte das Oliveiras, os da alegria são também os da agonia. É preciso acompanhar o Senhor em suas alegrias e em suas dores. As alegrias preparam-nos para o sofrimento e o sofrimento por e com Jesus dá-nos alegria. Os discípulos, que estavam desanimados diante do Mistério da Cruz, são consolados por Jesus na transfiguração e preparados para os acontecimentos vindouros, como, por exemplo, o terrível sofrimento que Ele padecerá no Getsêmani. Vale a pena segui-lo? Certamente.

Animemo-nos, irmãos e irmãos, a nossa pátria é o céu. Para o povo de Israel estar em qualquer lugar que não fosse Jerusalém era estar exilado, fora da pátria; para o cristão, todo este mundo é um exílio, já que a sua pátria é o céu, para lá se encaminha. Mas, paradoxalmente, qualquer lugar neste mundo é para o cristão uma pátria, pois sabe que está no mundo que é propriedade do seu Pai do céu. O nosso desejo de eternidade não anula as nossas responsabilidades para com esse mundo tão amado por Deus e por cada um de nós. Jesus mesmo mostra aos seus discípulos que deve ser assim quando, diante da proposta de Pedro para fazerem três tendas no monte Tabor, desce para continuar junto com eles a sua missão evangelizadora.

Tendo presente o que foi dito, alguns propósitos concretos para este domingo poderiam ser: trabalhar com desejos de eternidade, olhar as tribulações e contrariedades como uma benção santificadora do Senhor, fazer muitos atos de esperança (“Senhor, eu espero em ti”), pensar muitas vezes durante o dia na presença de Deus junto a nós em todos os momentos, viver na certeza de que nós podemos sempre falar com Deus. Ele é nosso Pai.


Comentário Exegético – II Domingo da Quaresma - Ano C

feito por Pe Ignácio, dos padres escolápios (extraído do site http://www.presbíteros.com.br)

Segunda Leitura

EPÍSTOLA (Fp 3, 17-4,1)

INTRODUÇÃO: Diante do erro dos judaizantes, que muitos em Filipo acreditavam como sendo verdade, Paulo predica a liberdade evangélica que retira da obrigação moral todas as leis mosaicas, a começar pela circuncisão. A cruz de Cristo seria vã e inútil se a salvação consistisse em leis de impureza e observância de antigos costumes. A fé que atua pela caridade (Gl 5, 6) é a nova lei que derroga antigos costumes e privilégios. A salvação está na cruz e morte de Cristo e não na Torah e seus preceitos.

IMITAI-ME: Irmãos: tornai-vos coimitadores meus e contemplai os assim caminhantes do modo como tendes a nós como modelo (17). Imitatores mei estote fratres et observate eos qui ita ambulant sicut habetis formam nos.Neste capítulo terceiro de sua carta, Paulo insiste em debelar os erros dos judaizantes que consideravam a Lei como valor supremo da justificação, contrariamente à cruz de Cristo que é a base da mesma, segundo o Evangelho. Para debater esse erro dos quais Paulo chama de maus operários e falsos circuncisos, ele, Paulo, israelita de nascimento e circunciso da tribo de Benjamin, quanto a justiça [integridade em guardar os mandatos] irrepreensível, quando encontrou Jesus Cristo seu Senhor, considerou tudo como lixo a fim de ganhar a Cristo e ser achado nele pela fé, com a justiça que vem de Deus e se apoia na fé (Fp 3, 9). Trata-se de conhecê-lo a Ele, ao poder de sua ressurreição e à comunhão com seus sofrimentos, de tornar-se semelhante a Ele em sua morte, para assim alcançar a ressurreição. Sem ser perfeito neste seu intento, Paulo exorta os filipenses a caminhar nessa direção. Este é o momento em que entra o versículo que comentamos. COIMITADORES: em grego Summimëtai [<4831>=imitatores]. Os de Filipo devem imitar seu exemplo e os que caminham nessa mesma direção, que negativamente se desligava da Torah e especialmente da circuncisão. A palavra grega parece uma invenção de Paulo, pois não se encontra em parte alguma fora deste versículo. É composta de Sun [<4862>=cum] com de companhia, e o particípio do verbo Mimeomai[<3401>= imitare] imitar. Daí que temos escolhido também uma nova palavra: coimitadores. A Nova Vulgata traduz efetivamente coimitatores. CONTEMPLAI: Do verbo grego Skopeö [<4648>=observare], observar, contemplar, prestar atenção como para tomar conta de uma pessoa ou coisa em próprio proveito, distinguindo-o do blepein [olhar] sem se concentrar na visão. Aqui é, pois, uma petição de atenta observância da conduta de Paulo e dos que como ele procediam. CAMINHANTES: Do verbo Peripateö [<4043>=ambulare], caminhar e em sentido figurado como aqui, viver ou conduzir-se. MODELO: o Tupos [5179>=forma] impressão, imagem, exemplo, padrão ou molde. Daí temos os tipos de imprensa, por exemplo. E os ensinamentos próprios de uma religião, modelos a serem imitados, que é nosso caso. Em definitivo, parece que a comunidade de Filipos estava dividida entre os judaizantes e os que seguiam o exemplo de Paulo para os quais o AT se deduzia das palavras de Cristo: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo (Mt 22, 37 e 39).  A conduta de Paulo, mais do que ética era uma conduta dogmática em que a cruz de Cristo estava em confronto com a circuncisão e a Torah. Paulo escolheu a cruz e a essa escolha limita seu exemplo e pede sua imitação.

O ERRO DE MUITOS: Pois muitos caminham, como muitas vezes vos disse, os quais, e já agora  lamentando digo,(como) os inimigos da cruz do Cristo (18), dos quais o fim destruição, dos quais o Deus (é) o ventre e a glória na vergonha deles, os quais nas coisas terrenas se ocupam (19). Multi enim ambulant quos saepe dicebam vobis nunc autem et flens dico inimicos crucis Christi quorum finis interitus quorum deus venter et gloria in confusione ipsorum qui terrena sapiunt. CHORANDO: o grego Klaiön [<1799>=flens] particípio de presente do verbo Klaiö lamentar, chorar ou prantear, talvez seja melhor dizer lamentar. Com o significado de chorar, temos que Pedro, após renegar Jesus, chorou amargamente (Lc 22, 62) e com o significado de lamentar quando pede às mulheres de Jerusalém: não vos lamenteis por mim e chorai por vós e vossos filhos (Lc 23, 28). Na realidade, é o verbo usado para descrever os lamentos das carpideiras, ou seja, choro ou lamento pela morte de um ser querido. E é neste sentido que deve se tomar o Klaiön de Paulo deste versículo. INIMIGOS: Echthros [<2190>=inimicus] embora seja um adjetivo, com o  artigo se transforma em nome, como amartolos que é pecador, como adjetivo, e gentil como nome. Aqui o inimigo é quem odeia ou se opõe à cruz de Cristo, como temos visto anteriormente. DESTRUIÇÃO: Paulo fala  do fim dos tais, que é Apöleia [<684>=interitus]. Esta é uma passagem importante pois é uma afirmação geral como se fosse uma lei universal. Que significa Apöleia? No dicionário significa ruína, destruição, aniquilamento. Vejamos algum exemplo: Eu os protegi e nenhum deles se perdeu a  não ser o filho da perdição (Jo 17, 12). Este versículo de João ilustra suficientemente a passagem de hoje. A perdição é o afastamento total da graça divina e da salvação. VENTRE: Paulo continua com a descrição dos réprobos que tem como deus o ventre, Koilia [<2836>=venter]  como em Lc 1, 15 que pode ser também o estômago como em Mt 15, 17. Ao afirmar que seu deus é o ventre, quer dizer que é a coisa que eles adoram como se fosse o seu deus. Ventre substitui o que nele entra (Mt 15, 17) que é a comida e bebida, de cujos vícios Paulo tem uma descrição como sendo o oposto ao reino de Deus verdadeiro (Rm 14, 17). E pela história sabemos dos famosos banquetes que duravam toda a noite de modo a Jesus reclamar vigilância para que, chegado o dia da vingança, o coração [mente] não esteja sobrecarregado com as consequências da orgia  e da embriaguez (Lc 21, 31). Uma outra descrição dos vícios contrários ao Reino é que os pagãos se gloriavam ou tinham como doxa [<1391>= glória] a vergonha ou Aischunë [<152>=confusio] que significa ignomínia, desonra, vergonha, coisa de que se deve envergonhar. A palavra aischinë é empregada por Lucas em 14, 9 quando um convidado deve tomar o último lugar por ter querido ocupar uma cadeira que não lhe correspondia. Paulo, sem dúvida, refere-se aos vícios sexuais de sodomia e pederastia, frequentes na sociedade romana da época. Outros exegetas falam dos judeus que tinham na pureza dos alimentos [o ventre] a regra geral de santidade, a qual constituía seu deus, pois eram os mandatos mais rigorosamente obedecidos. E como a circuncisão [a vergonha] era neles a glória que os distinguia dos gentios, pode-se dizer que se cumpria neles a frase paulina com perfeita exatidão. NAS COISAS TERRENAS: A Epigeia [<1919>=terrena] literalmente sobre a terra pode ser traduzida por terrenas, porque é plural, ou terrestres. É o contrário de Anöthen [<509>=a summo] do alto, acima, de novo, do princípio. Neste caso é, sem dúvida, do alto ou do céu, pois está em oposição às coisas terrenas ou inferiores, segundo o universo de três pisos que era a ideia comum na época.

NOSSA PÁTRIA: Porém nossa cidadania em coisas do céu está, de onde também aguardamos salvador, (o ) Senhor Jesus Cristo (20). Nostra autem conversatio in caelis est unde etiam salvatorem expectamus Dominum Iesum Christum. CIDADANIA: A palavra Politeuma [<4175>=conversatio] tem o significado de administração, governo, bem-estar comum, cidadania. Sai unicamente neste versículo. Vejamos as traduções: conversatio (Vul), pátria (AV e TEB), cidadania (Es), municipatus (Nova Vulg), siamo cittadini (It). O latim conversatio significa a ação de estar ou morar em algum lugar, além de conversação ou trato. O significado é que a nossa maneira de viver deve estar nas COISAS DO CÉU, En ouranois [<3772>=in coelis] e é precisamente  daí onde AGUARDAMOS do grego Apekdechometha [<553>=expectamus] estar aguardando com ansiedade, estar na expectativa, sendo esta a melhor tradução. Essa expectação é a salvação de parte do Senhor Jesus Cristo. Na realidade, Paulo fala do Salvador [sötera<4990>=salvatorem] que em hebraico é Jeshua e que em nosso idioma se pronuncia como Jesus, a cujo nome Paulo acrescenta Cristo [=ungido] tradução de Messias. Se salvação poderia ter um significado ativo da parte do paciente da ação, salvador indica sempre um agente que traz gratuitamente o benefício, independentemente da ação do paciente, a quem basta o desejo de receber o seu libertador.

A TRANSFORMAÇÃO: O qual transformará o corpo de nossa baixeza para ser conforme ao corpo da sua majestade segundo a força do poder dele e de serem todas as coisas a ele sujeitas (21). Qui reformabit corpus humilitatis nostrae configuratum corpori claritatis suae secundum operationem qua possit etiam subicere sibi omnia. TRANSFORMARÁ: Com overbo Metaschësmatizö [<3345>=reformabit] mudar a figura, transformar, que os filólogos distinguem de metamorfoö, sendo este usado para uma transformação mais profunda e permanente. O objeto da transformação é o corpo, o nosso corpo material que Paulo descreve como sendo de baixeza, ou baixa qualidade, indigno, que a humildade do latim não traduz muito oportunamente. Pois Tapeinösis [<5014>=humilitas] indica vileza, baixeza, um estado inferior. Pelo contrário humilitas é uma virtude. Preferimos, pois, baixeza, insignificância, condição humilde, um corpo corruptível e mortal que dirá Paulo em 1 Cor 13, 53. CONFORME: é a tradução literal de Summorfon [<4832>=configuratum] neutro, já que corpo é também neutro, tanto o soma grego como o corpus latino. A tradução literal seria conforme, como temos escolhido. MAJESTADE: em grego Doxa [<1391>=claritas]. Na realidade, doxa é traduzido por glória. Se referida aos homens, é a opinião, estima, esplendor; se aos reis, a magnificência, dignidade, majestade; e com respeito de Deus, a excelência e majestade gloriosa e em supremo grau exaltada sobre qualquer criatura, que aos olhos humanos era o resplendor com que iluminava estrelas e aparecia como luz brilhante e inextinguível como era o Kabod, a nuvem que permanecia sobre o tabernáculo e assim, a glória  do Senhor o enchia. Outros dizem que é o termo bíblico do AT pela parusia, ou presença visível do Senhor. Temos exemplos nos evangelhos : Apresentou-se um anjo e a glória do Senhor os envolveu de resplendor (Lc 2, 9). Em Caná de Galileia manifestou Jesus  sua glória e seus discípulos creram nele (Jo 2, 11). Glória do Senhor é pois o aspecto de majestade e poder que pode se manifestar como resplendor externo, rodeando o corpo ressuscitado de Jesus. Paulo descreve em parte –só vemos em parte- como será o corpo semelhante  ao corpo de Cristo em 1 Cor 15 42 ss. Corpos que ele denomina em glória [doxa=glória] e em poder [dunamis=virtus] em contraste com desonra [atimia=ignobilitas] e fraqueza [astheneia=infirmitas]. O uso das mesmas palavras e ideias indica que foi o mesmo o autor das duas cartas. Segundo a FORÇA DO PODER dEle significa que a ressurreição dos mortos é um ato em que Cristo age como causa eficiente. Do mesmo modo que com só sua palavra ressuscitou Lázaro, assim, com seu poder, os mortos ressuscitarão. Força [energeia<1753>=operatio] de seu poder [dunasthai <1410>=posse]. Unido ao Verbo seu poder é o próprio de Deus; pois dentro da Trindade a ele foi dado o poder sobre sua vida, poder para entregar minha vida e também para reavê-la. Este mandato recebi de meu pai (Jo 19, 18) e sobre a vida humana porque ele mesmo disse eu sou a ressurreição e a vida (Jo 11, 25). Claro que esse poder vem de Deus que como o levantou dentre os mortos também a nós nos levantará com seu poder (1 Cor 6, 14). Isso é claro, porque assim quis o Pai que todas as coisas fossem SUJEITAS à vontade dele, do Jesus ressuscitado que é o Cristo. Pois, sendo a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, nele foram criadas todas as coisas…nele tudo subsiste, cabeça da igreja, primogênito dos mortos para que em tudo tenha a primazia, porque aprouve a Deus que nele residisse toda a plenitude (Cl 1, 15 e 18)

FINAL: De modo que, irmãos meus queridos e saudosíssimos, alegria e coroa minha, assim permanecei em (o) Senhor, queridos (4, 1). Itaque fratres mei carissimi et desiderantissimi gaudium meum et corona mea sic state in Domino carissimi. Paulo apela agora aos filipenses como a filhos queridos, a quem chama alegria e coroa minha, para que não se deixem enganar pelos judaizantes e fiquem firmes na sua fé em Cristo. Esta fé, atuando no amor (Gl 5, 6), substitui as obras, segundo a Lei ou Torah, que eram o princípio de salvação dos judaizantes

EVANGELHO - A TRANSFIGURAÇÃO

INTRODUÇÃO: Os três sinópticos relatam, com pequenas variantes, o que podemos afirmar ser a apresentação do verdadeiro Jesus ao trio especialmente escolhido como testemunho. Dos relatos, tomando os detalhes mais significativos, procuraremos fazer um compêndio o mais fidedigno possível, ao mesmo tempo em que tentaremos descobrir intenções catequéticas e deduzir pareneticamente as lógicas consequências para o nosso tempo atual. Não podemos esquecer que os detalhes são tão  importantes quanto o esqueleto da redação.

OITO DIAS: Sucedeu, pois, em seguida a estas palavras por volta de oito dias, e tomando a Pedro e a João e a Jacobo, subiu a um monte para orar (28). factum est autem post haec verba fere dies octo et adsumpsit Petrum et Iohannem et Iacobum et ascendit in montem ut oraret. Segundo os outros dois evangelistas, foram seis. Mas o importante, à parte esta pequena diferença, é que o sucesso deu-se imediatamente após um pequeno discurso de Jesus proibindo que declarassem seu título de Messias, profetizando seu fim inglório, os avisos sobre a necessidade da renúncia e finalmente, o anúncio de que o Reino seria visto por alguns deles antes da morte dos mesmos. Esta última afirmação é a que será confirmada por esses discípulos escolhidos e precisamente poucos dias após o anúncio efetuado. Isso nos dá pé para explicar o trecho de hoje com uma certeza indiscutível. O MONTE: Contrariamente ao que ordenavam a lei e o costume judaico, Jesus sobe ao cume de um monte alto. Não era para sacrificar, mas para estar a sós, já que essa região era como se fosse proibida e não se esperava que a multidão estivesse lá. Era o medo aos BAMÁ, os lugares cúlticos nos cumes dos montes.como em 1 Samuel  9, 13 em que os setenta retêm a palavra BAMÁ, onde se celebravam os banquetes rituais após os sacrifícios. Eram lugares, onde a deusa feminina da fertilidade, Asherá, estava representada por um poste de madeira e a divindade masculina ou Matsebá por uma ou duas colunas que a simbolizavam (2Rs 3,2), à semelhança dos totens indígenas. Em Levítico 26, 30, Deus diz: ¨Destruirei seus bamá¨. Antes da monarquia os lugares altos eram lugares de culto a Javé, como vemos em Samuel no lugar antes citado. Depois da construção do templo por Salomão, os lugares altos representavam o envolvimento pecaminoso em cultos pagãos. Salomão construiu lugares altos para agradar suas mulheres (1Rs 11,7), que só 300 anos depois, na época de Josias, foram destruídos (2Rs cap 23). Jeremias (Jr 19, 5) afirmará que as Bamá, que nos seus dias eram lugares de sacrifícios humanos, constituíram parte da razão da catástrofe de Jerusalém ao ser conquistada por Nabucodonosor em 586 aC. Os samaritanos adoravam no monte Garizim (Jo 4, 20). Jesus, que repudiou o uso mercantil do templo, acostumava orar no alto das montanhas (Mt 5, 1). A ORAÇÃO: como era seu costume, Jesus passa grande parte da noite em oração. A oração é o ato mais puro e profundo da adoração que um crente pode oferecer a seu Deus. Jesus, quando tinha um assunto grave, subia à montanha para orar e passava a noite em oração (Lc 6, 12). O acontecimento, do qual os discípulos foram testemunhas, foi uma explicitação do que passava dentro de Jesus: A sua intimidade com a lei (Moisés) e com as palavras dos profetas (Elias). A intenção primeira de Jesus foi a de orar e mostrar seus discípulos como a oração é primária na vida de um seguidor seu. Logo, quando orava, temos a esplendorosa epifania da qual eles foram testemunhas.

A TRANSFIGURAÇÃO: Então sucedeu enquanto orava, a aparência do seu rosto era outra e seu vestido, branco brilhante (29). Et factum est dum oraret species vultus eius altera et vestitus eius albus refulgens. Marcos fala de metamorfose, transformação ou transfiguração. Dá-se muito geralmente entre os insetos desde o ovo até larvas e finalmente o inseto adulto. Lucas evita a palavra metamorfose devido a que entre os greco-romanos era uma palavra que descrevia certos mitos pagãos e fala de como se alterou o rosto e de que suas vestes se tornaram brancas e brilhantes. O fato de que seu rosto fosse outro indica que houve algo mais que um resplendor e dá ocasião a explicar como os discípulos não distinguiam a figura de Jesus ressuscitado. Mateus fala de que sua face brilhava como o sol e que suas vestes eram brancas como a luz, que a Vulgata traduz como a neve. Marcos diz que suas vestes se tornaram tão brilhantes e brancas que jamais na terra um pisoeiro  poderia purificar. O pisão era uma máquina para operar, mediante a percussão, a apertura e limpeza do algodão. As traduções falam de lavadeiro ou tintureiro. As descrições feitas pelos diversos videntes na história da Igreja confirmam estas descrições. Os videntes falam da luz como o componente substancial de suas visões. De fato alguns comentaristas afirmam que estas descrições de luz são uma referência ao relâmpago, elemento da cenografia apocalíptica, como em Dn 10, 6.  Mas o que viram os apóstolos era uma coisa diferente da visão em Fátima. Jesus era uma realidade física que nesse momento estava transfigurado. De Moisés e Elias não poderíamos dizer a mesma coisa. Além de ser uma garantia para o ensinamento de Jesus, eles são testemunhas de que os mortos no Senhor vivem, ou seja, da persistência da vida além túmulo.

MOISÉS E ELIAS: E eis dois homens falavam com ele,  os quais eram Moisés e Elías (30). Et ecce duo viri loquebantur cum illo erant autem Moses et Helias Eram os dois homens que conversavam com Jesus. Para Marcos foi visto por eles Elias com Moisés. Para Mateus Moisés com Elias. Como conheceram os apóstolos que eram semelhantes personagens? Não existiam como hoje desenhos ou pinturas com as quais poderiam identificar os mesmos. Por isso, escutaram seus nomes durante a conversa, ou talvez existiu alguma extrapolação à posteriori para delimitar a companhia de Jesus nesse momento. Sabemos que Moisés podia ser reconhecido pelo brilho de seu rosto, que na figuração cristã aparece como dois chifres de luz e que Elias era o profeta vestido como o Batista. Mas tanto um como outro não poderiam ser identificados unicamente por esses sinais, porque também estavam em majestade (em glória) segundo Lucas, ou seja, deslumbrantes de luz. Ambos, segundo a tradição deviam voltar nos tempos do Messias. De Elias temos o testemunho de Lc 1, 17 sobre o Batista: caminhará com o espírito e o poder de Elias; ou Jo 1, 21: és tu Elias? Perguntam ao Batista. De Moisés temos as palavras do Dt 18,18: um profeta como tu suscitarei do meio de teus irmãos. Em I Mc 15, 41 os judeus nomearam Simão, chefe e supremo sacerdote, até que se erguesse um profeta fiel. Por isso também João, o Batista, é interrogado se ele era o Profeta (Jo 1,21). Moisés era o representante da lei e Elias era o profeta por excelência, que instaurou a lei nos tempos de Acab (I Rs cap 18). A Escritura, ou, como hoje falamos, a Bíblia, era denominada em tempos de Jesus por Lei e Profetas ou Moisés e Profetas (Lc 16,29 ou 24, 27). Isso significa que a palavra de Deus reafirmava tudo o que era conversado.

A CONVERSA: Os quais, vistos em glória, falavam sobre o éxito dEle que devia se cumprir em Jerusalém (31). Visi in maiestate et dicebant excessum eius quem conpleturus erat in Hierusalem. Eles foram vistos em glória ou majestade como alguns preferem traduzir a DOXA grega, ou seja, deslumbrantes de luz. Luz que é imagem do relâmpago que precede a presença divina, porque era a realidade da abertura dos céus, acompanhada pelo trovão, a voz do Senhor (Sl 29,2-3) como apareceu no batismo de Jesus (Mc 1, 10). Deus é luz (I Jo 1, 5) e é na sua luz que vemos a luz (Sl 36, 10). O fato é confirmado pelas visões modernas em Lourdes e Fátima, entre outras aparições recentes. A CONVERSA era sobre o êxito de Jesus que estava a ser realizado em Jerusalém. Evidentemente era sobre a paixão e morte de Jesus e até sobre a sua ressurreição, talvez abrangendo também sua ascensão aos céus. Todos estes eram fenômenos que estavam a acontecer em próximas datas em Jerusalém. De todos os modos, o que não podia faltar era a morte de Jesus em Jerusalém como convinha a um verdadeiro profeta que anunciava os planos do Senhor, contrários aos planos dos homens (Lc 13, 33). Essa matéria constituía uma das preocupações mais sérias de Jesus, até o ponto de repetir três vezes a predição e de se sentir angustiado pela proximidade dos sofrimentos que a acompanhavam (Jo 12, 27).

AS TENDAS: Então Pedro e os que estavam com ele pesados de sono tendo despertado, viram a glória dEle os dois homens estando de pé com Ele (32). E sucedeu, ao se retirarem eles dEle, disse Pedro a Jesus: Mestre, bom é para nós permanecer aqui, e faremos três tendas: uma para ti, para Moisés uma e outra para Elías, não sabendo o que dizia (33). Petrus vero et qui cum illo gravati erant somno et evigilantes viderunt maiestatem eius et duos viros qui stabant cum illo. Et factum est cum discederent ab illo ait Petrus ad Iesum praeceptor bonum est nos hic esse et faciamus tria tabernacula unum tibi et unum Mosi et unum Heliae nesciens quid diceret. Os três apóstolos estavam com sono pesado. Dormiam. E foi ao despertar, como nos diz Lucas, que viram a GLÓRIA de Jesus (sua majestade segundo a Vulgata) e os dois homens que estavam com ele. Os outros dois evangelistas omitem estas circunstâncias. Foi ao se afastar de Jesus os dois acompanhantes, que Pedro indicou a conveniência das três tendas ou cabanas. As TENDAS eram o único lugar de acomodação que os israelitas tinham durante os sete dias da grande festa das Skenopégiaou Sukoth. Eram verdadeiros carnavais religiosos em que a alegria e a felicidade triunfavam sobre qualquer outro sentimento ou sensação. Pedro usa a palavra Epistates (Praeceptor em latim e traduzida por Mestre em vernáculo; é o Master inglês)) sendo que Marcos conserva o original Rabbi e Mateus traduz por Kyrie (Senhor) que Lucas usará também em outras circunstâncias como 5, 8. Parece que Pedro queria aproveitar o momento sem se dar conta do que estava pedindo, pois acabava de acordar. E foi nesse instante que apareceu a nuvem.

A NUVEM: Falando, pois, ele estas coisas, apareceu uma nuvem e os encobriu; porém temeram ao entrarem eles na nuvem (34). haec autem illo loquente facta est nubes et obumbravit eos et timuerunt intrantibus illis in nubem. Segundo o grego a palavra usada é NEFELË. Também temos NEFOS, esta última como palavra geral (nuvens diríamos em português) e nefele como massa limitada, uma nuvem bem formada com contornos definidos. Em hebraico temos AB de Êx 19,19  que os setenta traduzem por coluna de nuvem e que no hebraico é nuvem caliginosa como na Vulgata latina; é a nuvem que serve de estrado quando o Senhor vem julgar seus inimigos (Is 19 1), cavalgando numa nuvem ligeira ou finalmente como em Mt 24, 30, o Filho do Homem sobre as nuvens do céu. Existe uma outra palavra,  ANAN,  usada para a coluna de nuvem de Êx 13, 21. Esta palavra sai 80 vezes no AT, indicando em 75 delas a presença de Javé no tabernáculo. É a nuvem que pousará sobre o templo em I Rs 8, 10-11, manifestando a glória de Javé. Essa nuvem era escura durante o dia para se transformar em nuvem de fogo à noite. A nossa nuvem, segundo Mateus, era brilhante (não podemos esquecer que era noite) e uma manifestação da presença divina em glória ou majestade. Por isso os discípulos tiveram medo ao serem envolvidos pela mesma. Era a manifestação de Javé; e sua presença era sentença de morte para quem o visse, tal e como os judeus temiam em Êx 20, 19. É o temor que se apodera de todo humano quando o sobrenatural é sentido como sensação sensível e presente. Isso mesmo vemos nos relatos dos videntes em aparições que são de paz como as que tiveram os pastores em Belém ou Maria com o anjo.

A VOZ: Então uma voz surgiu da nuvem dizendo: este é o meu Filho, o amado:Ouvi-o (35). Et vox facta est de nube dicens hic est Filius meus electus ipsum audite Evidentemente era a VOZ de Deus, como no Sinai que se fazia ouvir da nuvem,  assim como a glória do Senhor se manifestava nela (Êx 16, 19 e 19, 16). Em II Pd 1, 17 a voz é a de Deus Pai e dele procede o som que proclama duas coisas: 1º) A filiação divina de Jesus como o amado (Mt e Mc) ou como o escolhido (alguns manuscritos gregos de Lc). Qual a diferença? Escolhido indica uma direção messiânica e amado aponta a uma filiação única porque o superlativo não existe em hebraico. O grego ressalta esse adjetivo que se transforma em atributo, especialmente por ser precedido do artigo definido que transforma o simples amado em aposição pessoal ¨o amado¨. O sentido seria o meu filho primogênito ou único. Ambos eram especialmente objeto de um amor de escolha especial. Como o substantivo empregado em grego é Huiós, devemos descartar a tradução de servo, que em grego seria Pais. É a mesma voz que no batismo de Jesus o representa como o meu filho, o amado. Pedro, na segunda de suas cartas, nos diz ter sido testemunha da majestade do Senhor Jesus Cristo ao ter recebido este a glória e honra da parte de Deus Pai, quando da excelsa glória (= nuvem) fez chegar esta voz:  Este é meu Filho, o amado, em quem, comprazido, me orgulho. 2º) O mandato de escutá-lo, como antigamente se escutou Moisés, ou a voz de Elias, como a voz de Deus, em cujo nome falavam. Por isso, desaparecem tanto Moisés como Elias e fica Jesus, sozinho. Ele é a vontade do Pai e representa os planos da grande obra salvífica que está prestes a revelar no seu êxito em Jerusalém.

FINAL: E ao se ouvir a voz, ficou Jesus só; e eles calaram e a ninguém anunciaram naqueles dias nada do que viram (36). et dum fieret vox inventus est Iesus solus et ipsi tacuerunt et nemini dixerunt in illis diebus quicquam ex his quae viderant. Segundo Marcos, o silêncio dos apóstolos foi devido a um mandato de Jesus que lhes ordenou nada  dizer até que ele ressuscitasse dos mortos. Era o segredo messiânico, pois se os apóstolos entenderam alguma coisa do fenômeno, era sem dúvida que Jesus era o Messias. E esta verdade era perigosa, devido a falsa ideia dos contemporâneos. Talvez por isso, Jesus, na continuação, declara como seria seu fim em Jerusalém.

PISTAS:

1) Oito dias antes, Pedro, a voz do  discípulo, iluminado pela fé, aclama Jesus como Messias. Agora é o Pai que ilumina os discípulos: Jesus é o Filho, o primogênito entre muitos irmãos conformes à sua imagem, dirá Paulo (Rm 8, 29).Por isso a vitória da transfiguração ilumina o fracasso da cruz.

2) O Pai deixa nas mãos de Jesus o novo Reino que se mostra independente da tradição e dos profetas. O Pai oferece o Reino ao Filho porque o Filho oferece a vida ao Pai incondicionalmente. Esse reino é visto em seu esplendor pelas testemunhas escolhidas.

3) Jesus formando uma única pessoa a do Verbo, é o escolhido para que a divindade e a humanidade coincidam, unindo-se numa única e distinta individualidade ou sujeito. Porém é sua humanidade, escolhida como filho, a que nós temos visto e ouvido como presença de Deus definitiva e última na história e a ela devemos seguir e obedecer: escutai-o – diz como mandato único a voz de Deus no monte da revelação.

4) A humanidade de Deus, revestida de humildade em Jesus, se reveste da glória e majestade de Deus no Tabor (monte onde a tradição afirma deu-se a transfiguração). A humanidade revestida de humildade será a base da redenção na cruz, mas objeto da contemplação orgulhosa do Pai  e por isso exaltada onde nós vemos o fracasso e abatimento, pois é fruto de uma obediência até a morte e morte de cruz( Fp 2,8). Seu êxito foi, pois o orgulho do Pai e a exaltação do Verbo em Jesus-homem, e como tal homem seu nome de Jesus (salvador) dominará todo o mundo criado.

5) Ao estar só o homem-Jesus é revelado como a realidade definitiva (a verdade) da presença de Deus na terra. Escutar sua voz é ouvir a realidade do Criador e sentir a presença do Salvador.



21.02.2010
I Domingo da Quaresma - ANO C - Roxo

__ “Proposta de Deus, resposta do homem” __

Comentário: Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! Neste primeiro domingo da quaresma é proposta uma reflexão fundamental sobre o destino do homem. É uma meditação religiosa, uma vez que põe em causa o justo relacionamento com Deus, libertando-o de duas concepções errôneas. - O homem é escravo das forças naturais ou históricas; sua presença no mundo é o fruto de um acaso que lhe pregou uma peça breve e cruel, dando-lhe a ilusão de felicidade e abandonando-o ao poder da morte. O homem é arbítrio absoluto de seu destino, senhor do bem e do mal, dominador das forças cósmicas, único protagonista da história. Mas Deus retoma seu plano lenta e constantemente. Todo homem, como toda geração e toda comunidade, é chamado a reviver a mesma opção fundamental de obediência, mostrada por Cristo ao sair vitorioso da provação e das tentações. Jubilosamente, entoemos cânticos ao Senhor!

(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)

PRIMEIRA LEITURA (Dt 26,4-10): - "O sacerdote receberá de tuas mãos a cesta e a colocará diante do altar do Senhor teu Deus."

SALMO RESPONSORIAL (Sl 90): - "Em minhas dores, ó Senhor, permanecei junto de mim!"

SEGUNDA LEITURA (Rm 10,8-13): - "A palavra está perto de ti, em tua boca e em teu coração"

EVANGELHO (Lc 4,1-13): - "Não só de pão vive o homem"



- “AS TENTAÇÕES DE CRISTO”
    Reflexão do Evangelho por Diácono José da Cruz

Em certa ocasião ganhei de um amigo um par de pneus especiais, que segundo ele, eram ótimos para rodar no meio da lama e em estradas de terra de pista irregular, sendo que meu amigo garantiu-me ainda que não havia obstáculo que os mesmos não ultrapassassem, porque eram feitos com borracha especial e que tinham uma alta resistência.Confesso que nunca soube ao certo se todos esses atributos dos pneus era mesmo verdade, simplesmente porque jamais passei com eles por terrenos ou estradas com essas características. Da mesma forma, a nossa fé só se pode mostrar verdadeira e autêntica em sua fidelidade, se for comprovada diante das tentações.

Poderíamos ainda como exemplo, citar o caso de uma pessoa que está fazendo regime e assegura a todos que já aprendeu a se controlar em relação aos alimentos, porém, não pode passar diante de uma padaria que acabará não resistindo aos doces e guloseimas expostas no balcão e deverá, para o seu bem, manter-se longe das “tentações”.Na vida do cristão isso não pode acontecer. Jesus Cristo não fugiu das tentações, mas as enfrentou com coragem, confirmando assim sua total fidelidade ao Projeto do Pai.

Quando temos medo de freqüentar “certos ambientes” ou estar na companhia de certas pessoas de má fama, estamos manifestando o desejo de correr das tentações porque no fundo, achamos que talvez o mal presente nelas, tenha mais força do que a graça de Deus que trazemos conosco. Se Jesus pensasse dessa forma, com certeza não teria freqüentado a casa dos pecadores e nem andado com mulheres como Maria Madalena, e nem chamado para o seu grupo pessoas como Mateus, cobrador de impostos.

Na primeira tentação, o diabo tenta convencer Jesus a tirar vantagem da sua condição divina “Olha, deixa de ser bobo e use o seu poder divino transformando essas pedras em pães para saciar a sua fome”. Usar o poder que algum cargo nos confere, na vida pública, na vida profissional e até mesmo na comunidade, para beneficiar-se a si próprio, como Jesus, teremos de saber resistir a essa tentação que é muito forte, pois se ele tivesse caído na lábia do tentador, não seria realmente um homem, mas teria apenas a aparência humana e seu sofrimento seria uma grande farsa.

Na segunda tentação está outro grande perigo: ter poder para dominar a tudo e a todos, ser influente e importante e fazer com que as pessoas venham todas “comer na palma da nossa mão”, como costuma se dizer para mostrar a nossa superioridade. Ser o dono da vida das pessoas, mandar e desmandar, o diabo ofereceu todos os reinos do mundo a Jesus, isso significa dizer que toda a humanidade estaria submetida a ele, e nesse caso o seu reino seria imposto e os homens não teriam escolha, seria obrigados a aceitá-lo. Prostrando-se aos pés do diabo, Jesus estaria aceitando fazer o seu “jogo”, usando o seu método diabólico. Contrariando a proposta sedutora do diabo, Jesus irá prostrar-se não a seus pés, mas aos pés dos discípulos, colocando em lugar do Poder o Servir. Precisamos tomar muito cuidado para que na comunidade não sejamos surpreendidos cedendo a esta tentação.

E finalmente a terceira tentação: exigir de Deus uma prova do seu amor para conosco isso é, “poderei me jogar do vigésimo andar de um prédio, que nada irá me acontecer porque Deus não irá permitir”, foi esse verbo que o apóstolo Pedro empregou, quando tentou convencer Jesus a fugir do seu destino – Deus não permita tal coisa, Senhor.Isso é tentar a Deus e colocá-lo á prova! Nos momentos mais difíceis de sua vida Jesus nunca duvidou do amor do Pai, nem mesmo quando estava na cruz do calvário, experimentando o fracasso aos olhos dos seus aos quais tanto amou.

As tentações de Jesus resumem bem, todas as tentações que enfrentamos nessa vida, sendo ocasiões oportunas para provar a nossa fidelidade ao projeto de Deus e a nossa capacidade de usarmos com sabedoria a liberdade que o próprio Deus nos concedeu. É assim que devemos buscá-lo nesta quaresma, através do jejum, da oração e da esmola, que nos ajudará no processo de conversão aproveitando ao máximo todos os momentos que a vida nos oferece, porque como vimos na liturgia da quarta feira de cinzas, este é o tempo favorável em que o Senhor se deixa encontrar. Importante também lembrar que as tentações evoluem, quanto mais resistência e força tivermos, mais forte ela irá voltar, o diabo sempre acha que no segundo embate ele levará vantagem. O texto afirma que o tentador deixou Jesus para voltar em outro tempo, que viria a ser na cruz do calvário onde se consolidou a vitória da Cruz, sinal da Fidelidade de Jesus ao Pai. Portanto, não descuidemos da retaguarda!

José da Cruz é diácono permanente da Paróquia Nossa S. Consolata-Votorantim - e-mail:jotacruz3051@gmail.com


Homilia do Pe. Françoá Rodrigues – I Domingo da Quaresma (Ano C)

Otimismo na luta

G. K. Chesterton, converteu-se ao catolicismo em 1922. Para esse ilustre escritor inglês a Igreja Católica era um autêntico milagre porque se mantêm otimista em meio ao pessimismo generalizado. Escrevendo sobre o otimismo se perguntava: “Por que se publica no jornal a seguinte notícia: ‘Ontem um pedreiro caiu do andaime e morreu’? Não seria mais inteligente e, sobretudo mais consolador anunciar: ‘Ontem 68.224 pedreiros no país não caíram do andaime’? De fato, por pouco que se pense, dada a fragilidade dos andaimes e o distraído que os homens são, é muito mais extraordinário que 68.224 não caiam do andaime que um só tenha caído.”

O otimismo deveria estar sempre presente na nossa luta por agradar ao bom Deus. Alguns se queixam de que ser santo é muito difícil, que lutam sem nada conseguir, que voltam a cair nos mesmos pecados. Mas talvez não pensam que Deus os tem protegido sempre durante as tentações e de que seguir o Senhor é verdadeiramente belo. Precisamos ser mais otimistas! Jesus Cristo também foi tentado, não pela sua própria concupiscência, pois Jesus Cristo não tinha o pecado original. Cristo quis ser tentado – como explica Santo Tomás de Aquino – para trazer-nos o auxílio em nossas tentações; para que sejamos cautelosos, assim nenhum santo, por mais que o seja, confie em si mesmo nem se julgue imune de toda e qualquer tentação; para dar-nos o exemplo ao instruir-nos como devemos vencer as tentações do demônio; para que tenhamos confiança em sua misericórdia que sempre nos socorre em todas as nossas necessidades.

No nosso caso, Santo Afonso Maria de Ligório diz que “Deus permite as tentações em primeiro lugar, para que através delas conheçamos melhor a nossa debilidade e a necessidade que temos da ajuda de Deus para não cair (…); em segundo lugar, Deus permite-as para que cada um aprenda a viver desprendido das coisas materiais e deseje mais fervorosamente chegar à contemplação de Deus no céu (…); e, em terceiro lugar, para nos enriquecer de méritos (…)”.

Uma fé ardente no Senhor e uma luta constante através da oração e da penitência são os remédios contra toda e qualquer tentação. Por outro lado, a tentação ainda não é pecado, pecado é consentir na tentação. Podemos, ademais, demonstrar muito amor a Deus enquanto somos tentados. Inclusive, depois de vencidos numa determinada tentação, deveríamos perguntar-nos se nós lutamos de verdade para não ofender a Deus que nos ama tanto. Essa luta, mais intensa ou menos intensa, mostra também o nosso amor ao Senhor: pouco ou muito, o amor a Deus existe em nós e é ele que deve fazer com que nos distanciemos do pecado.

São Lucas (4,1-13) e São Mateus (4,1-11) deixaram muitos pormenores sobre o jejum e as tentações de Jesus Cristo. Jesus luta contra a tentação da seguinte maneira: na força da Palavra: “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Lc 4,12); na força do jejum: “Nem só de pão vive o homem” (Lc 4,4); desprezando as sugestões do demônio, ao não dar-lhe atenção: “Para trás, Satanás” (Mt 4,10); fixando-se no seu Pai do céu: “Adorarás ao Senhor, teu Deus e a Ele prestarás culto” (Mt 4,10). Aprendamos do Senhor: ler as Sagradas Escrituras, fazer penitência, orar, olhar mais para Deus e para os demais que para nós mesmos são meios eficazes na nossa luta contra as tentações.

E, por último, não sejamos ingênuos: quem se põe na boca do lobo está esperando ser comido. Não se brinca com a tentação! Alguns não querem pecar por gula, mas sempre buscam satisfazer os caprichos na comida; outros até não queriam pecar contra a castidade, mas ficam lendo porcaria, assistindo bobagem, brincando com fogo no namoro e depois… um antigo refrão dizia que “o homem é fogo, a mulher é palha, vem o demônio e sopra”; outros, finalmente, não queriam pecar por orgulho, mas não param de falar de si mesmos. “Não nos deixeis cair em tentação”, peçamos mais uma vez ao nosso Pai do céu.

Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa


Comentário Exegético – I Domingo da Quaresma - Ano C

feito por Pe Ignácio, dos padres escolápios (extraído do site http://www.presbíteros.com.br)

Segunda Leitura

EPÍSTOLA (ROMANOS 10, 8-13)

INTRODUÇÃO: Uma das primeiras confissões de fé. Paulo a resume em três artigos: crer, confessar e ressurreição, esta como objeto dessa fé. E compara esta fé com as palavras da Escritura do AT, como sendo já prescritas pela voz de Deus. O que os antigos israelitas cumpriam com as filactérias, os cristãos podem realizar com o sinal da cruz, sendo esta última, também uma confissão de fé na Santíssima Trindade. Devemos, pois, fazer esse sinal externo como uma confissão de fé que será válida para nossa salvação, pois Jesus ressuscitado é a pedra de salvação. O credo do Shemá deve  ser substituído pelo credo da cruz.

PAULO APELA A ESCRITURA: Porém, que diz? “Perto de ti, a palavra está em tua boca e em teu coração”, isto é, a palavra da fé que anunciamos”(8).Sed quid dicit prope est verbum in ore tuo et in corde tuo hoc est verbum fidei quod praedicamus. QUE DIZ?: Paulo está argumentando com palavras da Escritura. E neste versículo cita as palavras do Deuteronômio 30, 14: A palavra está bem perto de ti, está em tua boca e em tu coração para que a ponhas em prática.O Deuteronômio fala do mandato [Lei] do Senhor como não sendo um mandato promulgado em lugares afastados ou impossíveis como são os céus ou o mar, mas está perto de cada um. Para conhecer o evangelho não é preciso subir ao céu de onde procede Cristo ou descer aos infernos onde ele desceu, porque tanto de um lugar como de outro veio e falou de modo que todos os que quiseram possam ver sua figura e ouvir suas palavras. O mandato é basicamente o primeiro da Lei, que era recitado duas vezes ao dia por meio do Shemá. Daí que ele esteja na boca dos fieis israelitas. E se seguem os preceitos da Lei, os mandatos estarão tanto na frente como perto do coração nas filactérias que eram os escritos do Shemá a recitar  de manhã  e à noite e cuja recitação deveria preceder o momento da morte. Os quatro versículos, ou melhor passagens ( Dt 6, 4-9 e 11, 13-21 e Nm 15, 37-41) se consideravam como uma referência aos dez mandamentos. Além do Shemá, recitado em alta voz [pelo menos o Mezuzá= Dt 6:4-9 e 11:13-21], temos as filactérias com duas caixinhas que continham o Shemá, segundo o mandato dos versículos do Êxodo e Deuteronômio (Êx 13,9- 19e 16; Dt 6,6 e Dt 11,8). A Caixinha da cabeça tinha 4 compartimentos em cada um um dos versículos do Shemá; e a da mão esquerda, que ao levantar em oração, caia sobre o coração um só departamento, com os 4 versículos unidos na pequena tira de couro. As caixinhas eram colocadas durante a oração da manhã e da noite e retiradas após as mesmas. Explicitamente em Êx 13, 9 lemos: Para que tenhas em tua boca a lei de Jahveh e em Dt 6, 6 e estas palavras que eu te mando estarão sobre teu coração. PALAVRA: Paulo usa Rema [<4487>=verbum] que é a palavra dita como oráculo, ou mandato e corresponde ao davar<1696> ,ou omer<562> com o significado de mandato, ordem, oráculo ou promessa quando provindo de Jahveh. E logicamente é a palavra de Deus na Escritura, ou Torah. Do dito acima, vemos como se cumpria entre os hebreus essa Escritura que estava na boca pela recitação do Shemá diário e em teu coração ela queda na caixinha sobre ele. BOCA: Stoma [<4750>=os] especialmente temos em Mt 4, 4 não de pão só viverá o homem mas de toda palavra [rema] que procede da boca [stoma] de Deus. CORAÇÃO: Kardia [<2588>=cor] Na realidade, kardia pertence, como metáfora, a uma antiga suposição, em que o coração era a origem do pensamento e da vontade. De fato, o Kardia era antigamente o centro da vida física e espiritual. Hoje, vemos que o coração não tem semelhantes faculdades, pois é uma simples bomba de sangue, e sabemos que a base das mesmas é a mente. Já temos explicado a origem desta frase paulina tomada do AT, que ele usa para explicar o valor da fé em oposição aos mandatos da Lei.

A PROFISSÃO DA FÉ: Pois se confessares em tua boca Senhor (é) Cristo e creres em teu coração que o Deus dele o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo(9). Quia si confitearis in ore tuo Dominum Iesum et in corde tuo credideris quod Deus illum excitavit ex mortuis salvus eris. CONFESSAR: Omologeö [<3670>=confiteor] cujo significado é concordar, consentir, acordar. Logo, é não negar ou confessar e finalmente, professar publicamente um credo ou louvar e aplaudir. Temos optado com o latim traduzindo confessar no sentido de declarar publicamente uma fé, como diz Jesus:Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus (Mt 10, 32). A confissão é que Cristo, o Ungido, é o Senhor, no sentido do novo Deus a ser adorado, pelo povo novo da nova Aliança. CORAÇÃO: Já  temos explicado o significado real e não unicamente literal do vocábulo. A boca deve ser instrumento veraz do que admitimos como verdadeiro em nosso pensamento. E qual é o credo que devemos admitir como base de nossa fé? Aquele que Paulo declara insistentemente em 1Cor 15: a ressurreição de Jesus dentre os mortos. RESSUSCITOU: para Paulo esta é a verdade fundamental do cristianismo: crer na ressurreição de Cristo e crer na nossa ressurreição é acreditar uma vida, diante da qual, esta da terra é como escória e lixo; e, portanto, devemos viver na esperança de um mundo melhor e definitivo. SERÁ SALVO: Paulo repete o que João disse como palavra de Jesus: Por isso quem crê no Filho tem a vida eterna (Jo 3, 36), conclusão do evangelista diante da afirmação de Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra viverá (Jo 11, 25).

CONSEQUÊNCIA: Já que com (o) coração se crê para justiça com (a) boca se aclama para salvação(10). Corde enim creditur ad iustitiam ore autem confessio fit in salutem. CORAÇÃO: Já temos falado que em linguagem atual, devemos traduzir por mente o leb ou kardia antigos, sempre que os usemos em termos simbólicos. JUSTIÇA: ADikaiosunë [<1343>=iustitia] que na Setenta é a tradução de Tsedek [<06664>=justitia], tem estes conceitos no AT: 1) - Como probidade ou integridade de conduta: Quem vive com integridade e pratica a justiça [tsedek] e o de coração fala a verdade (Sl 15, 2). Guia-me pelas veredas da justiça [tsedek] por amor de seu nome. (Sl 23, 3). 2) - Justiça em sentido de direito: Julgará com justiça [tsedek] os pobres e decidirá com equidade [miysor <04334>] a favor dos mansos da terra… E será a justiça [tsedek] o cinto de seus quadris (Is11, 4). No NT o grego emprega dikaiosunë 1) - no sentido de probidade ou conduta irrepreensível, em conformidade com a lei. Assim devemos entender Mt 3, 15: convem que cumpramos toda justiça [dikaiosunë]. E bemaventurados são aqueles que têm fome e sede de justiça [dikaiosunë]. 2) – Paulo fala da justiça de Deus [dikaiosunë Theou, que em inglês traduzem por righteousness of God] a começar em Rm 1, 17. Significa, sem dúvida, a essência divina que é bondade e que busca o bem das criaturas. Com Paulo tem um significado peculiar, 1) quando afirmado de Cristo: É sua pureza , sem pecado, é a santidade de Deus. 2) No homem se identifica com a observância integral dos mandamentos. 3) Mas especialmente em Paulo, tem um significado diferente do acreditado entre os judeus e os cristãos judaizantes: Atributo, em virtude do qual, Deus salva; e chega a ser fidelidade de Deus, força salvadora que justifica o homem, convertendo-o em amigo de Deus e filho, com participação da vida divina o que constitui a graça santificante [gratia gratum faciens], como em Rm 3, 21-26: Mas agora, independentemente da Lei, a justiça de Deus foi manifestada …pela fé em Jesus Cristo para todos os que creem …gratuitamente justificados em sua graça, em virtude da libertação realizada em Jesus Cristo. Foi a Ele que Deus destinou para servir de expiação por seu sangue ….a fim de justificar quem vive da fé em Jesus. É  a graça recebida no batismo que tem estas consequências: conversão, arranca o homem do pecado, acolhe a justiça de Deus, é merecida pela paixão de Cristo e, portanto, gratuita de nossa parte, colabora com a moção divina livremente, obra excelente do amor de Deus e participação da vida divina, que por isso recebe o nome de santificante ou divinizante. SALVAÇÃO: Esse conjunto de favores divinos recebe o nome de justificação. Como consequência dessa graça ou mercê de Deus, o homem está destinado à vida eterna. Por isso é considerado salvo. O amor divino nele permanece e como tal filho, terá como fim a vida eterna, própria de Deus.

CONFIRMAÇÃO: Pois diz a Escritura: “Todo aquele que nele crê não será envergonhado” (11). Dicit enim scriptura omnis qui credit in illum non confundetur. É uma repetição em diminutivo do versículo 9, 33 da mesma epístola: Eis que ponho em Sião uma pedra de tropeço e rocha de escândalo: aquele que nela crê não será confundido. Ambas têm uma base em Is 28, 16: Assim diz o Senhor Deus: Eis que eu assentei em Sião uma pedra, pedra já provada, pedra preciosa, angular, solidamente assentada: aquele que crer, não foge. Eis algumas traduções diferentes do não foge: non festinet (Vulg), non turbabitur (Nova Vulg), não se apressará, não vacilará, não será abalado, will never be dismayed. A este oráculo, apela Jesus em Mt 21, 42. Porém, a Setenta traduz o verbo chush<02363> com significado de se apressar por Kataischinthë, futuro passivo de kataischinö<2617>cujo significado é desonrar, ou envergonhar. Logicamente, das diversas traduções, vemos que a de Paulo segue a Setenta, versão que era a usada pelos primitivos cristãos e que com suas citações elevaram a verdadeira Escritura. Foi a contundência da Setenta, que mostrava Jesus como Cristo, a que levou os judeus a novas traduções ao grego, como eram Áquila, Símaco e Teodocião. Hoje a Setenta é a Bíblia grega do AT usada pelos católicos e evangélicos. Dependendo de que versão usamos, hebraica ou grega, optaremos por não se apressará (praticamente sem muito sentido) ou não se envergonhará (que tem sentido próprio). A passagem de Mateus explica isso da pedra em lábios de Jesus: A pedra que os construtores rejeitaram foi a que se tornou pedra angular : isto é obra do Senhor, coisa admirável para nossos olhos (Mt 21, 42)

NULIDADE DE DIFERENÇA: Porque não existe diferença tanto do judeu como do grego, já que o mesmo (é) o Senhor de todos, rico para todos os invocantes(12). Non enim est distinctio Iudaei et Graeci nam idem Dominus omnium dives in omnes qui invocant illum. Na sua vocação particular de ser apóstolo dos gentios, e de pregar a estes o seu evangelho, Paulo agora desce ao terreno peculiar e casuístico: visto que a fé, e não a Lei, é a causa da salvação e da entrada no novo povo que tem como base essa pedra que é Cristo, não pode existir diferença entre ambos os povos. DIFERENÇA:Diastolë [<1293>=distinctio], distinção, ou diferença, sai unicamente 3 vezes em Paulo. Pois sedo o mesmo o Senhor [Jesus] e sendo rico [ploutos<4147>= dives] não há porque existir diferenças. Todos são súditos e formam o novo povo da nova aliança e existe para todos amplamente uma riqueza ilimitada. Pedindo, não diminui a fortuna que é infinita e existe riqueza em abundância para todos. Como dizia Sta. Teresinha, uns têm um copo maior e outros menor; mas todos eles serão cheios até a borda.

CAUSA DE SALVAÇÃO: Porque todo aquele que invocar o nome de (o) Senhor será salvo(13). Omnis enim quicumque invocaverit nomen Domini salvus erit. INVOCAR: O Epikaleö [<1942>=invocare] ser nomeado, acusar e invocar; pois toda prece iniciava-se com a invocação do nome da divindade. Daí, invocar o nome do Senhor, que logicamente é Cristo. SALVO: É a grande preocupação de Paulo. E esta afirmação esta explicitamente escrita em Joel 3, 5: Então todo o que invocar o nome do Senhor será salvo. O profeta fala do dia grande do Senhor, dia de juízo, pois será o dia do Senhor julgar (Idem 4, 2 segundo a TEB, tradução de Josafat). Com esta declaração Paulo substitui o Jahveh do AT pelo Cristo Jesus do NT. Nós dependemos de Cristo assim como o antigo povo de Israel dependia de Jahveh. Cristo é nossa salvação. Por isso, o anjo explica aos pastores: Nasceu-vos hoje, na  cidade de Davi, um salvador que é o Cristo Jesus. (Lc 2, 11).

Evangelho (Lc 4, 1-13)

LUGARES PARALELOS: (Mt 4, 1-11 e Mc 1, 12-13)

INTRODUÇÃO: Estas tentações não são meramente humanas, mas messiânicas: Satanás intenta afastar Jesus do campo assinalado pelo Pai para completar uma obra que é um caminho de humilhação e sofrimento, o caminho da cruz, que termina com seu sacrifício. Por isso lhe mostra uma via gloriosa e triunfalista, esperada por sua vez pelos próprios judeus, que talvez fundavam esta sua opinião nos mesmos textos de que se serve o espírito tentador. Por outra parte, as tentações de Jesus têm sua imagem típica nas tentações do deserto do povo de Israel. Satanás substitui o povo de Israel e Javé está representado por Jesus, que responde às tentações com as palavras da Escritura. O deserto de Jesus representa o deserto do povo e assim ele mesmo está tipificado no guia e legislador Moisés. Ou melhor, talvez Jesus represente o novo povo de Deus que é tentado em sua pessoa pelo inimigo sob aparência de uma correta conduta religiosa. A fome [1ª tentação]: Israel tenta a Javé  e essa prova serve, segundo Dt 8, 3 para um novo alimento saído da boca de Deus: Javé te humilhou, fez com que sentisses fome e te alimentou com o maná….para que aprendas que não só de pão vive o homem, mas de tudo aquilo que sai da boca de Javé. Na segunda tentação que o povo fez a Deus vemos como aquele o rejeita por uma maior segurança em Êx 32, 1 e por isso, pede que um novo deus seja forjado para que os guie no caminho do deserto, porque Moisés demorava a descer do monte. Na terceira tentação, o povo reclama, colocando à prova Javé, dizendo: Está Javé no meio de nós, ou não? E Deus responde por boca de Moisés: Não tentareis a Javé vosso Deus  como o tentastes em Massa. É uma desconfiança na providência de Javé que o salmista rejeita em Sl 91, 11: Javé ordenou a seus santos anjos que te guardassem em todos os teus caminhos; te carregarão em seus braços, para que teu pé não tropece em pedra alguma.

CHEIO DE ESPÍRITO DIVINO: Jesus, pois, cheio de espírito divino desde o Jordão, então foi coagido no espírito para o deserto (1). Iesus autem plenus Spiritu Sancto regressus est ab Iordane et agebatur in Spiritu in desertum. O ESPÍRITO:As traduções vernáculas falam DO Espírito Santo, como se fosse a terceira pessoa da Trindade. Esse artigo definido não está no original grego. Qual a diferença? Jesus, que foi batizado no espírito, uma vez recebido o batismo de água de mãos do Batista, agora é levado por esse espírito ao deserto. Esse espírito é chamado de sagrado, ou divino (HÁGIOS), para distingui-lo do espírito impuro que tem sua origem em forças demoníacas ou malignas. O espírito santo é um Dom de Deus, fonte de atividade criativa ou profética. Corresponde ao enthusiasmos grego em que o homem é possuído pela força do deus correspondente. Fazer e atuar como Deus quer, e falar o que Deus decidir, é estar cheio do espírito santo. Esse espírito está dirigindo o homem, independente de sua mente ou NOUS, e dos apetites de seu corpo. É assim que Jesus foi guiado, ou melhor, coagido (passiva teológica) ao ermo, ou sertão da Judeia. O artigo definido indica um lugar conhecido, como era o deserto de Judá, lugar montanhoso, ermo e árido com total ausência de moradores humanos. O grego diz que o fez subir até o deserto. Lucas dirá que o fez voltar ao deserto. Ambas as expressões são perfeitamente exatas, caso o deserto seja o da Judeia. O Jordão estava a mais de 300m sob o nível do mar no lugar onde o Batista batizava; e o deserto, com artigo, era precisamente o lugar montanhoso que se encontrava a bastante altura do nível do mar, entre Jerusalém e a margem ocidental do mar Morto. No caso de que João estivesse batizando perto das planícies de Basan [em Enon, perto de Salim], também podemos falar de subir, pois o Jordão estava a 200m sob o nível do mar e as alturas de Golan o marginavam. Pelo que diz respeito a Lucas, este diz que Jesus voltou do Jordão e foi impelido pelo Espírito ao deserto. Em ambos os casos o agente da ação do movimento de Jesus foi o Espírito de que estava possuído após o batismo, segundo Lucas (4,1). Alguém poderá dizer: se no Pai-nosso rezamos não nos deixes cair na tentação como é agora o Espírito quem causa a ocasião da tentação? Devemos pensar que a linguagem bíblica não distingue entre causa e ocasião e entre causas segundas e primárias. Hoje diríamos que o Espírito conduziu Jesus para o deserto e assim foi facilitada a obra do tentador que, segundo os conceitos do tempo, era o lugar povoado pelos demônios com o qual a tentação era previsível.

O DESERTO: a) DESERTO REAL: O eremos [<2048>=desertum] grego é um lugar descampado, solitário, [desertus, desamparado, abandonado, solitário e em inglês wilderness] que como adjetivo tem o  mesmo significado; ao qual voltou [Ypestrefen <5290>], ou se desviou desde o Jordão. Com artigo, e referido com um verbo que significa subir,  indicaria que esse deserto é o famoso de Judá. Deserto por ser lugar inóspito, não por ser um deserto de areia, já que o deserto de Judá é um deserto abrupto, pedregoso e principalmente estéril. Unicamente na primavera existe alguma vida vegetal. Tem 80 Km de comprimento, por 20 ou 25 Km de largura. É uma área montanhosa, desabitada, entre Jerusalém e o mar morto. Unicamente há uma fonte de águas termais em Engadi que formava ao seu redor um oásis fértil, cheio de palmeiras, vinhas e árvores de bálsamos. Ao seu redor existem numerosas covas. Foi o lugar escolhido por Davi para fugir de Saul e onde este esteve nas mãos do futuro rei que poupou sua vida.(1 Sm 24, 1-12). Na parte mais alta não havia nada, a não ser pedras como as que o diabo assinala para serem convertidas em pão. Em Lucas, nosso caso, o eremos aparece 12 vezes. Das 4 vezes que o deserto se refere ao Batista, uma delas está em plural [nos desertos] lugares que eram as moradias de João antes de tornar público seu anúncio como arauto do Messias. No deserto, é a frase com a qual o evangelista distingue dos lugares desertos onde Jesus se retirava para orar ou lugar deserto onde ele multiplica os pães. Unicamente no deserto é que o pastor abandona as 99 ovelhas para buscar a transviada (15, 4). Somente Mateus usa esta expressão [no deserto] no início da pregação de João, o Batista, determinando praticamente o lugar: pregando no deserto da Judeia (3, 1). Mas é estranho que João batizasse no Jordão, pregando no deserto de Judeia, situado este a mais de 20 Km de distância do rio.  Certamente o lugar onde João batizava não poderia ser chamado de deserto de Judeia. Consequentemente, Mateus não pode ser tomado como referência geográfica para os sucessos do batismo de Jesus e sua retirada ao deserto. Onde estava, pois, este deserto no qual encontramos feras [thêrion], impossíveis de serem achadas no deserto da Judeia? Muito mais confiança oferece João que situa Betabara [ou Betânia do outro lado do Jordão] como o lugar em que Jesus foi batizado, ao norte, em território da Decápolis e perto da Galileia. Perto de Betabara encontramos lugares desertos como era a morada habitual do endemoninhado geraseno, que segundo Lucas, era impelido pelo demônio para os lugares desertos (Lc 8, 29). Tudo isso indica que o deserto não é um nome restritivo a um determinado lugar, ou nome próprio, mas nome comum, determinado por sua solidão e inabilitação. Logicamente, podemos afirmar, sem descartar em absoluto a postura tradicional, que o deserto ao qual Jesus se retirou estava muito mais próximo da Galileia do que da Judeia, que o deserto das tentações eram os montes do que antigamente chamava-se de Gileade, [escabroso] e que ao norte do mesmo estava Basã, de cuja região eram famosos os touros, ao parecer selvagens (Sl 22, 13), ou vacas que moravam nas montanhas (Am 4, 1). Uma confirmação de que não era o deserto da Judeia podemos vislumbrar em João 3, 22: Depois disso Jesus veio para o território da Judeia. Isso indica que o batismo de Jesus, que precede de imediato a sua ida ao deserto, não foi feito na Judeia mas muito próximo da Galileia, e que  o deserto de Jesus era um deserto comum. b) BÍBLICO: Na bíblia, o deserto tem dois sentidos, um negativo, como terra estéril, maldita de Deus e habitada pelos espíritos impuros. O deserto era terra medonha e terrível não abençoada por Deus, em que o povo se encontrava como enterrado na terra (Êx 14.3). Na linguagem bíblica, a aridez do deserto é símbolo de uma terra à qual Deus nega sua bênção e, portanto, privada de chuva e fertilidade. Neste sentido é comparado com a cidade que foi objeto do castigo divino (Lc 13,35). E o outro positivo, como lugar e época privilegiada em que Deus dirigia o povo para a terra prometida. Do deserto se pensava que devia proceder o Messias para a instalação do seu reino (Mt 24,26). Historicamente, Israel viveu no deserto 40 anos. A solidão do povo com Jahvéh transformou a vida, de extrema penúria em época privilegiada,  em que Israel nasceria como povo e teria como único guia o Senhor Jahvéh (Ex 13,21-22). Foi o lugar da purificação e experimentação da pobreza do povo (Dt  8,2-5)  para que aprendesse que não só de pão vive o homem (Dt 8,2-5). O deserto é sinal de salvação (Is 35,1-10). Os profetas anunciavam as promessas do reino, dizendo que o deserto se transformaria em jardim, donde as feras seriam inofensivas (Is 32,15-17). Isto deve ser tomado em conta para ver como, sob os fatos narrados, existe um simbolismo que não devemos desprezar.

O JEJUM: Por quarenta dias, estando sendo tentado pelo diabo, e não comeu nada nesses dias; e acabados eles, depois teve fome (2). Diebus quadraginta et temptabatur a diabolo et nihil manducavit in diebus illis et consummatis illis esuriit. QUARENTA DIAS: Lucas fala só de dias mas Mateus e Marcos falam também de noites. Como devemos entender os quarenta dias e quarenta noites de Mateus e Marcos? Os judeus, como atualmente os árabes no período do Ramadão, jejuavam de sol a sol. O jejum terminava com o dia, aproximadamente seis da tarde. Por isso os dois evangelistas acrescentam as quarenta noites. Uma outra questão é se o número 40 corresponde a um tempo matemático ou cronológico, ou é um número redondo,  mais ou menos prolongado, em razão da falta de adjetivos indefinidos nas línguas semitas. Neste último caso, facilitaríamos a exegese para manter a saúde de Jesus, sem recorrer a causas sobrenaturais. O tempo é comparável ao de Moisés no Sinai (Êx 24, 18) e ao de Elias no caminho do Horeb (1 Rs 19, 8). SENDO TENTADO: O verbo usado pelos três evangelistas que narram os fatos é Peirazo, na sua forma passiva e como particípio [peirasmenos ser tentado, ou tentare em latim]. É o verbo usado para experimentar se uma pessoa é digna de respeito ou merece confiança. Os fariseus experimentaram Jesus em várias ocasiões (Mt 19, 3). O próprio Jesus experimentou o comportamento de seus discípulos ante o problema de como alimentar a multidão que o seguia num lugar inóspito. É nesse sentido de experimentar qual poderia ser o comportamento de Jesus como Filho de Deus, que o tentador o experimenta em situações limites. O peirasmós [tentação] tinha dois diferentes sentidos: 1o) Um sentido bom, experimental, como ver se uma coisa é boa. 2o) Um sentido mau: experimentar a fé, a virtude, o caráter, de uma pessoa. E neste sentido, está a solicitação ao pecado. Também podemos dividir a tentação em três apartados segundo a causa: Deus que inflige os males como justiça ou como repreensão. O Homem que testa Deus como se não tivesse confiança, tal como fizeram os israelitas em Massa e Meribá. Finalmente os Ímpios ou homens maus que tentam os justos e a paciência divina. Evidentemente o tentador é no nosso caso o diabo do qual falaremos mais tarde. E a tentação é para saber que tipo de homem extraordinário era esse Jesus que estava jejuando durante um tempo tão prolongado, separado de todo contato humano. Daí que as duas primeiras tentações estejam precedidas de uma condição que é a base da experiência que pretende: Se és Filho de Deus, ou melhor: Se filho fosses do Deus, como parece indicar o grego. O DIABO: é tradução grega da palavra Satãn <07854>[adversário] que a setenta também mantém como Satanás. Diabo é o nome derivado do verbo diaballein (caluniar), o Diábolos grego, como adjetivo, significa caluniador, difamador (Tt 2, 3). Como substantivo, calúnia e caluniador ou adversário. Claro que com o artigo definido aponta ao inimigo de Deus, Satanás. Lucas usa também o nome de Satanás em outras ocasiões (Lc 10, 18 ou 22, 3.31). Era o inimigo especial de Jesus e, portanto, dos planos de Deus. Os Setenta traduzem Satanás, ou Satã (oponente, adversário, acusador, fiscal) sempre por Diábolos. Mateus usa o grego diábolos no relato paralelo das tentações e Marcos, Satanás. Quem era ele, segundo o pensamento contemporâneo dos judeus em tempo de Jesus? Era o príncipe dos demônios. Distinguem perfeitamente os autores sagrados entre príncipe e Senhor. Miguel é o príncipe dos anjos e príncipe do povo de Deus (Ap 12, 7 e Dn 12, 1). Senhor é o Deus único e seu Filho Jesus Cristo (Fp 2, 10-11) a quem foi-lhe dado todo poder (Ef 1, 20-21). O próprio César não quis ser chamado imperator, mas príncipe do senado. Princeps de primus capiens (ocupante do principal lugar) era o primeiro a votar no senado em tempo da República, e em tempo do Império era o filho do Imperador. O Diabo (grego), ou Satanás (hebraico) era, pois, um personagem real, individual, que se intitula a si mesmo como Senhor do mundo ou dos reinos da terra (Lc 4,5-6) e que João diz ser o príncipe (archon) deste mundo (16, 11) que será lançado fora, pois se aproxima o momento do julgamento do mundo, quando Jesus for elevado na cruz (como rei). Os judeus pensavam que determinadas doenças eram produto da posse demoníaca como a loucura, a epilepsia, a paralisia e até a mudez. E falavam do príncipe ou maioral dos demônios como sendo Belzebu (Lc 11, 15). Os demônios têm em grego duas palavras: daimon masculino ou feminino, que é uma divindade inferior do mundo que Platão chama o mundo do Demiurgo, em que temos os deuses, os gênios, os demônios e as almas. E daimonion, neutro, diminutivo de daimon, com o mesmo significado de ser intermédio entre deuses e homens. Para os gregos podiam ser bons, como o daimon de Sócrates ou maus como os causadores de diversas doenças. Lucas usa ambos, daimon em 8,29 ou daimonion em 4,33. Podemos, pois, afirmar que ambos são equivalentes. Também, segundo o pensar da época, os demônios moravam nos lugares áridos (Lc 11,24), desérticos ou inabitados como eram as casas em ruína. Daí que o ermo era o lugar onde se encontravam de modo especial e por isso foi levado a ele Jesus, para aí ser tentado. O Diabo era o chefe, e especialmente no NT é considerado o inimigo frontal de Jesus e de sua obra redentora, de modo que impede o fruto da semente no coração do homem (Lc 8,12). Aparece pela primeira vez em forma de serpente no Gênese. Com o nome de Satã aparece pela primeira vez em 1 Cr 21, 1, como causa impulsora do recenseamento feito por Davi. Ele é um dos principais personagens  do livro de Jó, constituindo o opositor a Javé e pretendendo, através de sérios males, abalar a fé do justo em seu Deus. Finalmente aparece no livro do profeta Zacarias que dá uma definição de Satã como sendo o personagem que estava à direita do anjo de Javé para acusar o sumo-sacerdote Josué a quem defende o anjo. Em Tobias temos o nome de Asmodeo [Asmodaus o demônio mau, como o define o grego] que, por não ser o livro escrito em hebraico, não sai em bíblias evangélicas e é considerado deuterocanônico pela Igreja e apócrifo pelos evangélicos. Parece que depois do exílio o nome de Satã, assim como o de outros espíritos malignos, foi eliminado e proibido. O diabo é, pois, uma pessoa singular que recebe outros nomes como Abadom [destruição]em hebraicoe Apoliom em grego (Ap 9, 11). Ambos os termos têm o mesmo significado: destruidor ou destruição, sendo o seu ofício o de príncipe das regiões infernais ou do abismo, tendo como ministério a morte e o estado de desordem e perturbação da terra. O mal é seu fim e o produz até nos corpos, por meio da possessão. Jesus  identifica o diabo com Satanás na última rejeição de sua solicitação: Retira-te, Satanás (10). E o rejeitará com as mesmas palavras [ypage, Satanás] com as quais afastará a proposta de Pedro (16, 23) contrária ao ministério messiânico, projeto do Pai. Jesus reconhece o poder de Satanás como príncipe (senhor ou rei é só Deus) deste mundo (Mt 12, 16). Marcos diz claramente que o Diabo era Satanás (1, 13) nas tentações do deserto. Satanás ou o diabo tem, segundo Jesus, um ofício principal: ser o inimigo do projeto de salvação do homem do qual Jesus era causa principal por meio do seu messiado ou Reino. Jesus é o semeador da verdade [meu reino é a verdade e para isso vim ao mundo] e no campo do mundo existe um inimigo que semeia joio [a mentira] entre o trigo: ele é o diabo (Mt 13, 39). É o pai da mentira e dos que não aceitam a verdade (Jo 8, 44). Não só é pai da mentira, mas como diz o livro da Sabedoria o pai da morte, pois por causa da inveja do diabo, a morte entrou no mundo e a experimentam os que lhe pertencem (2, 24). Seu pecado é a soberba (I Tm 3,6). É o semeador do joio contra a obra de Deus (Mt 13, 39). A ele estávamos sujeitos por meio do pecado e da morte que o seguiu (Rm 5,12). Escravos do pecado, somente o Filho consegue nos libertar (Jo 8, 36). É o grande dragão, a antiga serpente, chamado Diabo e Satanás (Ap 12,9) para quem foi preparado o fogo do inferno ( Mt 25,41), mas que terá um tempo de domínio sobre a terra antes de ser totalmente derrotado (Ap 12, 12 e 20, 2 e 10). O Diabo, pois, com artigo determinado, existe. Os demônios, que geram determinadas doenças que hoje a ciência logra explicar, não existem mais; porém existem como anjos do mal, tentadores dos homens santos de modo especial, que só podem atuar por permissão divina; e em raríssimas ocasiões sua influência poderá se transformar em posse demoníaca. De fato, na história eclesiástica do Brasil não temos um só caso comprovado, segundo afirma o Pe. Quevedo. Como conclusão podemos dizer que o relato de hoje é um paradigma da luta entre duas pessoas: O Logos, como Jesus, e o Diabo, como tentador. O JEJUM: No judaísmo clássico pressupõe completa abstenção de alimento e bebida. Os judeus tinham dois dias de completo jejum de ocaso a ocaso, ou dia e noite: o Dia da Expiação e o dia 9 do mês Av [quinto mês correspondente a julho-agosto]. Os demais dias de jejum eram do nascer do sol até seu ocaso, como os dias de Ramadão dos árabes. Nos dias de jejum os jejuantes costumavam se sentar no chão vestidos de aniagem [o famoso saco] e com cinzas sobre a cabeça (2 Sm 12, 16; Est 4, 1e Jn 3, 6). Se o jejum de Jesus foi de 40 dias e noites sem comer e possivelmente sem beber, foi um fato extraordinário que não podia passar por alto ao diabo, que como demônio habitava nos lugares desérticos (Mt 12, 43), segundo a crenças da época. Em termos médicos atuais, o jejum prolongado produz um estado de neurose em que o real e o imaginário podem se confundir. Seria esta a explicação da visão diabólica de Jesus, e de seus transportes ao templo e à montanha alta onde todos os reinos estavam representados? É uma hipótese que não é totalmente descartável. Entre as causas do jejum está a preparação para estar em contato com Deus como fez Moisés que precisamente subiu a uma montanha desértica e jejuou 40 dias e 40 noites sem comer nem beber (Êx 34, 28). Mas é possível do ponto de vista humano um homem jejuar 40 dias de 24 horas sem ser um super-homem? Caso possa beber água, a resposta é sim. Porém existem alguns fenômenos que aparecem após um determinado número de dias, especialmente uma confusão mental, que se origina por falta de alimento energético nos neurônios cerebrais. A realidade e a imaginação se confundem. E o estado do paciente é semelhante ao de brotes de esquizofrenia. Talvez assim, a ciência moderna, desse modo, explique os traslados de Jesus e as visões correspondentes. O que não é possível é passar tanto tempo sem beber. Do ponto de vista bíblico, Jesus é comparado com Moisés (Êx 34, 28) e com Elias (I  Rs 19,8. Ambos estiveram 40 dias em jejum. Mas os  dois foram fortalecidos pela intervenção especial de Javé.

1ª TENTAÇÃO A PROPOSTA: Então disse a Ele o diabo: Se Filho és de(o) Deus diz a esta pedra para que se torne pão (3). Dixit autem illi diabolus si Filius Dei es dic lapidi huic ut panis Fiat. Para Marcos o período dos quarenta dias e quarenta noites foi um tempo de tentação sem explicar quais e quantas. Para os outros dois sinópticos, as tentações foram principalmente três, sem que com isso possamos excluir outras. Uma coisa é clara: a tentação foi externa à pessoa de Jesus, tendo origem em quem será seu inimigo implacável, que, no caso, aparentemente pretende ser seu amigo. Aí está o perigo da tentação: confundir o discurso do mal com a palavra do bem de Deus. Geralmente nós, os humanos, ouvimos a palavra da paixão do momento, da escolha imediata, da felicidade sem esforço, da fortuna repentina, da vida fácil, do amor egoísta. O sacrifício, a abnegação, o desprendimento, a privação, e até o esforço, o que poderíamos chamar a cruz de cada dia, são motivos de repulsa e rejeição. Mas vejamos como foram vencidas as tentações do maligno por Jesus. FILHO DE DEUS: Como mais tarde veremos, as tentações são motivadas pela frase se és filho do Deus. O artigo serve para indicar entre os muitos deuses o único verdadeiro. O Diabo, que vamos indicar como agente pessoal, com a maiúscula correspondente após o artigo definido, estabelece uma proclamação de fé, chamando Jesus filho do (Senhor) Deus, indicando com isso a existência desse único Deus. Que significa a frase filho do Senhor Deus em lábios de Satanás? O povo de Israel, por ser escolhido, é o amado filho de Deus. Também o rei davídico é filho de Deus, pois representa o povo. Na anunciação, o anjo declara que o menino a ser concebido será filho do Altíssimo (do Elyon = Altíssimo ou Supremo). Após o batismo de Jesus no Jordão, a voz ouvida pelo Batista foi: Tu és o meu filho, o amado. Em ti encontrei agrado [satisfação]. Ou se preferimos, de ti sinto orgulho. Teve notícia desta epifania o Diabo? Aparentemente Satanás unia o Messias com um atributo especial de ser amado especialmente como filho por Deus. Por isso dirá Lucas que saiam muitos demônios de doentes gritando: Tu és o Cristo, o filho do (Senhor) Deus (Lc 4, 41). Provavelmente essa filiação tinha muito com a que Davi profetizou em Sm 2, 7: Tu és meu filho, eu, hoje te gerei. Essa filiação dava ao Messias uma série de qualidades distintivas como a profecia, a realeza, o sacerdócio. Como profeta, à semelhança de Elias e Eliseu teria o poder de realizar milagres. O diabo vem dizer: eu sei que és filho de Deus. Se, portanto, queres te comportar como tal, podes muito bem transformar estas pedras em pão. Não sejas bobo e sacia tua fome. O que o diabo pede é que Jesus use seus poderes sobrenaturais em proveito próprio, para saciar sua fome.

A RESPOSTA: Então respondeu Jesus a ele dizendo: Está escrito: não sobre pão só viverá o homem, senão sobre toda palavra de Deus (4). Et respondit ad illum Iesus scriptum est quia non in pane solo vivet homo sed in omni verbo Dei. Jesus sabe que a petição é um desafio à sua entrega aos planos do Pai em que sua vida é dar-se e não receber. Por isso a resposta é que, segundo a palavra divina, (a Escritura) não só de pão vive o homem. É também uma citação de Dt 8,3: O senhor humilhou Israel e o deixou ter fome e sustentou-o com o maná que nem tu, nem teus antepassados conheciam, tudo para te mostrar que o homem não só vive do pão, há de viver o homem, mas que o homem vive de tudo aquilo que sai da boca de Deus.Qual é o verdadeiro sentido da resposta de Jesus? Segundo o que temos visto através dos textos, parece que podemos deduzir que Jesus opta pela obediência às leis divinas ou naturais, que respeita, mesmo estando em grande necessidade, porque sabe que Deus proverá a essa necessidade sem a intervenção sobrenatural. Ele inaugura um novo povo de Deus [é o simbolismo do qual temos falado com Jesus representando o novo Israel] em que a comida não será tão essencial como a palavra de Deus, que deve ser aceita e obedecida. Ou seja, antes de procurar o pão, devemos saber qual é a vontade de Deus e cumpri-la fielmente.

2ª TENTAÇÃO. PROPOSTA: Então, tendo-o elevado o Diabo a um monte alto, mostrou-lhe todos os reinos do império romano [oikoumenes] num instante de tempo (5). E lhe disse o Diabo: A ti darei todo este domínio e a magnificência dos mesmos, porque a mim foi entregue e a quem quero, a dou (6). Se, portanto, tendo te prostrado na minha frente, serão todos teus (7). Et duxit illum diabolus et ostendit illi omnia regna orbis terrae in momento temporis. Et ait ei tibi dabo potestatem hanc universam et gloriam illorum quia mihi tradita sunt et cui volo do illa. Tu ergo si adoraveris coram me erunt tua omnia. OS REINOS: Lucas fala de que o conduziu ao alto, mostrando todos os reinos civilizados (da oikumene, ou seja do império), num instante de tempo. Parece que podemos identificar esta visão com uma aparência imaginária, como temos declarado acima. Mentiroso como sempre, o Diabo afirma que o poder, ou domínio [exousia] e a glória, faustosidade ou magnificência [doxa] desses reinos lhe pertenciam. Realmente o Império Romano era o domínio de Satanás, porque seu fundamento era a idolatria, que Daniel descreve como os reinos saindo do fundo do mar [o abismo onde estava o reino das trevas ou de Satanás], contrários ao povo de Deus, especialmente o quarto, que o perseguiu de forma violenta (Dn cap 7).  Por que reinos, se na realidade era o império que os dominava e ao qual o oikoumenes se referia? Não esqueçamos que nesse império havia reis como o nabateu, ou tetrarcas como Antipas, etc que eram mais ou menos independentes, desde que pagassem certos tributos ao César. Neste caso, Satanás trata Jesus como futuro Messias/Rei, assim como anteriormente o reconheceu como profeta. O diabo quer tirá-lo da obediência ao Pai e frustrar a entrega do Filho, como servo, dando-lhe o que ele mesmo, o Diabo, como rebelde e soberbo, tinha presunçosamente almejado: o domínio absoluto do mundo dos homens. A PROSKINESE era o ato de submissão de um súdito ao seu rei, ou de um vencido ao vencedor, reconhecendo sua superioridade. Tratando-se de ato religioso a proskinese significava adoração. O Diabo pede uma submissão a seu poder para assim entregar os reinos e transformar o Messiado do Ungido de Deus num Messiado submisso ao poder das trevas. Era a história com um giro de 180 graus.

A RESPOSTA: Então, tendo respondido, disse Jesus: retira-te atrás de mim, Satanás. Pois está escrito: prostrar-te-ás ante o Senhor teu Deus e a Ele só servirás (8). Et respondens Iesus dixit illi scriptum est Dominum Deum tuum adorabis et illi soli servies. As citações de Mateus e Lucas são idênticas e não correspondem literalmente ao texto grego dos setenta. Ambos empregam dois verbos proskineou e latreuo, que significam prostrar-se em sinal de admitir a superioridade e oferecer obediência e adorar como Deus. Jesus claramente indica que o diabo não tem lugar em sua vida. Por isso a palavra final é UPAGE, retira-te, vá embora. A resposta de Jesus é uma citação de Dt 6, 13: Temerás o Senhor teu Deus e a ele adorarás [latreuseis] e a ele servirás [kolletheseis] e pelo seu nome jurarás. O advérbio MONO [só] não pertence ao texto original, mas enfatiza o vínculo com o único Senhor de Israel. Jesus se mostra obediente até a morte como dirá Paulo (Fp 2,8). No simbolismo antes explicado, vemos o povo, representado por Jesus, dando uma resposta de obediência e culto ao único Senhor verdadeiro: teu Deus.

3ª TENTAÇÃO: Então o conduziu até Jerusalém e o pôs de pé sobre o pináculo do templo e lhe disse: Se és o Filho de (o) Deus, lança-te daqui embaixo (9). Pois está escrito que enviará seus anjos sobre ti para te guardarem (10). E que em suas mãos te tomarão para que não choques o pé contra uma pedra. Et duxit illum in Hierusalem et statuit eum supra pinnam templi et dixit illi si Filius Dei es mitte te hinc deorsum. Scriptum est enim quod angelis suis mandabit de te ut conservent te.Et quia in manibus tollent te ne forte offendas ad lapidem pedem tuum PINÁCULO:O termo grego pterigyon, significa ângulo, de pterix que significa asa, sendo, pois o significado de pterygion, extremo, barbatana, asa pequena. Como fala do ierós, qual era o pterigion [asa ou extremo] do templo? Não existe ente os comentaristas uma ideia clara. Devemos pensar num dos quatro ângulos da parte externa do templo, ou seja, dos quatro pórticos que o rodeavam. Deles, a parte mais alta era o Pórtico Real do sul. Deste lugar Jesus devia saltar para que se cumprisse o salmo 91 sobre o justo que em Deus confia. Existia entre os contemporâneos de Jesus a opinião de que o Messias devia se apresentar, descendo das alturas do templo, no átrio do mesmo, diante da multidão que o aclamava. Seria este o sinal que esperavam os fariseus e saduceus em Mt 16,1 ou Lc 11, 16? Como o Diabo pede um milagre, daí que inicia seu discurso com se és Filho do (Senhor) Deus. E reforça sua petição com um texto dos salmos ( 91,12) em que o justo é declarado sob proteção especial : Pois disseste: O Senhor é o meu refúgio; fizeste do Altíssimo a tua morada, nenhum mal te sucederá; praga nenhuma chegará à tua tenda. Porque a seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos para não tropeçares nalguma pedra. O maligno interpreta este texto para argumentar uma confiança temerária na providência divina, para interpretar de modo atrevido e arriscado a vontade de Deus. Ou talvez para que Jesus demonstrasse, como pediam os fariseus, que ele era realmente o Messias, submetendo Deus a uma prova de origem humana. Sabemos como Jesus rejeitou a proposta dos fariseus, afirmando que nenhum sinal seria dado,  exceto o sinal de Jonas [a ressurreição]. O milagre era uma atuação totalmente divina que interrompe as leis da natureza. Jesus devia viver uma vida humana e como tal atuar, a não ser por impulsos do Espírito Santo, não para se salvar, mas para salvar os outros. Daí que ele nunca realizara milagres em seu favor. O caso estava no mesmo nível que o grito dos fariseus ao pé da cruz: a outros salvou, a si mesmo não pode salvar! Se és filho de Deus desce da cruz e creremos em ti (Mt 27, 42).

A RESPOSTA: Então, tendo respondido, lhe disse Jesus que está dito: Não tentarás ao Senhor teu Deus (12). Et respondens Iesus ait illi dictum est non temptabis Dominum Deum tuum. A resposta de Jesus é tomada de Deuteronômio 6 16-18: Não tentes a Javé teu Deus como o tentastes em Massa (17). Observa cuidadosamente os mandamentos de Javé, teu Deus, e também os testemunhos e estatutos que ele te ordenou (18). Faz o que é justo e bom aos olhos de Javé para que tudo te corra bem. Tentar significa por à prova. A prova, a qual submeteram os filhos de Israel o poder e a fidelidade divina, está encerrada nesta frase do Êxodo 17, 7: Está Javé no meio de nós, ou não? A tentação consistia, ante a dificuldade de achar água, pensar: está o Senhor conosco ou não está? Significaria: devemos confiar nele ou permitirmos outro deus para nós? É tratar de ver se Deus está sempre da parte de uma pessoa, faça o que faça esta pessoa de sua vida. No nosso caso, a tentação consistiria em obrigar o Senhor a realizar um ato extraordinário e tremendamente temerário. Era obrigar o Senhor a realizá-lo sem causa nenhuma justificável. A resposta de Jesus é a de admitir a verdadeira vontade de Deus que está em não querer fazer fatos extraordinários quando a vida deve ser vivida de forma comum. O resto é tentar o Senhor como fizeram em Massa os israelitas segundo Dt 6, 16. Nesta tentação Jesus representa o povo de Israel no deserto diante da presença sobrenatural de Deus.

A RETIRADA: Então, acabada toda tentação, o Diabo afastou-se dele até ocasião oportuna (13). Et consummata omni temptatione diabolus recessit ab illo usque ad tempus. KAIRÓS: A tradução  do kairos grego nada tem a ver com o tempo. Significa medida conveniente, ocasião, conjuntura favorável, lugar oportuno. Daí que a tradução do tempo deve ser sempre acompanhada com um adjetivo para indicar ser um tempo oportuno ou propício. Esse momento foi no tempo de sua paixão, quando Jesus afirmará que essa é a vossa hora e o poder das trevas (Lc 22, 53). Os outros dois evangelistas falam que imediatamente após a tentação os anjos o serviam.

CONCLUSÕES E PISTAS: 1) É um pouco estranha esta referência às tentações de Jesus, visto que aparentemente nada aportam à mensagem evangélica. Nada disso: as respostas de Jesus são respostas à pergunta de muitos judeus e contemporâneos sobre o uso do milagre pelo Filho de Deus todo-poderoso. Por que tendo em suas mãos o poder divino só o usou para curar doenças e aplacar fomes alheias? Por que, sendo Filho de Deus não desceu da cruz e esmagou seus inimigos (Mt 27, 40)? Como é possível que podendo com um sinal estupendo reduzir oposições e mostrar com total evidência a sua divindade, não o fizesse (Lc 11, 16)? A resposta a estas questões está nas palavras com as quais Jesus rejeita as tentações. Devemos estudá-las com atenção.

2) Já que também nós, em determinadas circunstâncias, tentamos o Senhor: por que a mim, por que tenho eu de ser sujeito de determinada desgraça e infelicidade? Será que tenho que mudar de Senhor?

3) Passando do sujeito individual ao coletivo: por que tantas guerras, por que tanto mal no mundo? Deus que pode tudo, por que permite que os bons sejam os mais vulneráveis e os maus os mais seguros e felizes em suas vidas atuais? A resposta seria, sem dúvida, a que nos deu Jesus: Deus ama também seus inimigos.

4)Uma pergunta óbvia: Os traslados, a presença do Diabo foram reais ou foram fatos imaginários? Cremos ter dado a resposta: o jejum prolongado transforma em realidade o que podemos chamar sonho ou imaginação.

5) Jesus representa o novo povo de Deus e as tentações de Jesus respondem às que sofrem os membros da sua Igreja: O pão material pode ser o fim principal do evangelho; o poder pode substituir o serviço e finalmente esperar que Deus faça o milagre de mostrar-se com um sinal extraordinário, especialmente quando tudo parece estar contrário aos seus adoradores, situados na cruz do sofrimento ou da humilhação.



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QUE DEUS ABENÇOE A TODOS NÓS!

Oh! meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno,
levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente
as que mais precisarem!

Graças e louvores se dê a todo momento:
ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!

Mensagem:
"O Senhor é meu pastor, nada me faltará!"
"O bem mais precioso que temos é o dia de hoje! Este é o dia que nos fez o Senhor Deus!  Regozijemo-nos e alegremo-nos nele!".

( Salmos )

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