GOTAS DE REFLEXÃO - EVANGELHO DOMINICAL
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! No princípio, a Bíblia reservou a Javé o título de "Santo", palavra que tinha então um significado muito próximo ao de "sagrado": Deus é o "Outro", tão transcendente e tão longínquo que o homem não pode pensar em participar de sua vida. Diante de sua santidade, o homem não pode deixar de ter respeito e temor. Cristo irradia a santidade de Deus; sobre ele repousa o espírito de santidade; ele reivindica o título de santo e santifica toda a humanidade. Jesus Cristo, tornado o "Senhor" transmite sua santidade à Igreja por meio dos sacramentos, que trazem ao homem a vida de Deus. Assim a própria Igreja é chamada "Comunhão dos Santos". Entoemos cânticos jubilosos ao Senhor!
(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Ap 7,2-4.9-14): - "A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro"
SALMO RESPONSORIAL 23(24): - "Felizes os de coração puro, porque verão a Deus, porque verão a Deus!"
SEGUNDA LEITURA (1Jo 3,1-3): - "que grande presente de amor o Pai nos deu: de ser chamados filhos de Deus!"
EVANGELHO (Mt 5,1-12a): - "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus."
Homilia do Diácono José da Cruz – 32º DTC – SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS E SANTAS – Ano A
"VIVER HOJE O AMANHÃ..."
Ser santo não é uma decisão do homem, mas uma resposta ao convite que Deus nos faz em Jesus Cristo: Sede perfeitos como o vosso Pai é perfeito! Perfeição nesse sentido, nunca foi e nem será o forte do homem, feito de barro, vulnerável ao pecado, sujeito a tantas fraquezas, marcado por tantas limitações. Se santidade fosse isso, Deus seria o maior dos injustos, pois é o mesmo que um homem perfeito sair em disparada e pedir para que um deficiente físico o acompanhe nessa corrida. Nunca teríamos a menor chance de ser santos. Há ainda outra corrente que acha que a santidade é apenas para alguns, que têm uma conduta exemplar, são pacientes, tolerantes, dóceis, calmos, prestativos, solidários, educados, nunca perdem a cabeça e o equilíbrio, nunca reclamam de nada e aceitam tudo, sendo bondosos o tempo todo. De pessoas assim, é melhor manter distância e ser cauteloso, porque me dizia um padre muito amigo, o santinho de hoje pode ser o diabinho de amanhã!
Ser calmo ou ter os nervos a flor da pele, ter equilíbrio emocional, demonstrar serenidade, ser amável e dócil, ser prestativo e educado, sem dúvida que são belas virtudes, mas não necessariamente um indicativo de santidade, pois conheço histórias de grandes santos que eram bem temperamentais. Há ainda outro conceito perigoso de santidade, que é ter o poder de realizar coisas prodigiosas, os chamados milagres. Conheço pessoas descrentes de Deus e da igreja, e que contudo praticam essas virtudes. E já tive conhecimento de curas operadas por pessoas de outras correntes religiosas, até opostas ao cristianismo.
A idéia de que santidade é coisa restrita de alguns homens e mulheres especiais, parece-me um tanto quanto equivocada, pois o visionário do apocalipse afirma categoricamente na primeira leitura, que se trata de uma multidão, de onde se conclui facilmente, que santidade é uma proposta de vida que Deus faz a toda humanidade, onde Jesus Cristo é o modelo e a referência máxima, nele a gente se encontra como Filho de Deus, não mais desfigurado pela corrupção do pecado, mas liberto, vitorioso e perfeito como fomos criados e concebidos pelo Pai. Somente Nele, com ele e por ele seremos santos! Mas encontrei nas leituras dessa “Festa de Todos os Santos”, uma definição ainda mais bonita e completa do que é a Santidade - “Viver hoje o amanhã”.
É preciso ter os pés no chão, pois uma coisa é enfrentar com coragem os desafios do presente e buscar soluções concretas, o outro é camuflar a situação, fazendo uma belíssima coreografia, sem mudar o cenário! É maquiar para parecer belo! A copa do mundo que vai acontecer no Brasil em 2014, será um desses momentos, de grande ilusão e utopia.
As bem-aventuranças proclamadas solenemente por Jesus, no alto de um monte, são profundamente realistas: a Primeira e a Oitava trazem o verbo no presente, “... porque deles é o Reino dos Céus”, ao passo que as demais, usam o verbo no futuro, “porque serão, verão, alcançarão...”. Ser pobre em espírito é fazer de Deus a sua única riqueza, é possuir já nesta vida a plenitude da vida futura. É ser discípulo e estar em constante aprendizado a partir do evangelho, vivendo hoje tudo o que cremos e esperamos no amanhã. Esta postura diferente trará incompreensão e perseguição, mas em compensação, a alegria será verdadeira, porque não se fundamenta naquilo que se vê, mas sim no que se espera.
Jesus Cristo trouxe o futuro até nós, sendo precisamente esta crença e esperança que nos faz ter uma identidade própria, fomos marcados para fazer a diferença neste mundo tão descrente, que não consegue vislumbrar a Vida Nova, para a qual fomos destinados por Deus, desde o início da Criação.
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – 32º DTC – SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS E SANTAS – Ano A
“HOMILIA 1 - Santidade: divinização do homem”
Somente Deus é santo! A ele toda a glória e adoração! É isso que nós dizemos em cada celebração eucarística: Santo, Santo, Santo! Desta maneira nós celebramos a transcendência de Deus, que está acima de tudo e do qual tudo depende. Diante do Deus Santo e, neste sentido, do Totalmente Outro, a nossa proclamação acaba por emudecer-se, pois diante dele cessam as palavras humanas: “à medida que nos aproximamos do cimo, as nossas palavras diminuirão e, no final da subida a essa montanha, nós estaremos totalmente mudos e plenamente unidos ao Inefável” (Pseudo-Dionísio Areopagita, Teologia Mística, c. 3).
Não obstante, Deus quis fazer-nos participantes da sua santidade. Por seu desígnio salvador, nós fomos consagrados no momento do nosso batismo e nos aproximamos da montanha da santidade. A partir daquele momento, a santidade para nós pode ser descrita como um processo no qual confluem a graça de Deus e a generosa correspondência humana. Neste processo tem lugar uma luta constante na qual um filho de Deus vai se parecendo cada vez mais com o seu Pai-Deus à espera que um dia se manifeste a plena semelhança com a divindade no próprio ser da criatura.
A santidade é acessível a todos porque Deus quer que todos os homens e mulheres sejam santos, isto é, participem da sua Vida e do seu Amor. O Pai deseja que, através da ação do Espírito Santo em nós, nos pareçamos cada vez mais com o seu Filho Jesus Cristo. Em resumo, a santidade é o desenvolvimento da nossa filiação divina: “desde agora somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser. Sabemos que quando isto se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porquanto o veremos como ele é” (1 Jo 3,2).
Como se pode observar, a serpente astuta que aparece no livro do Gênesis, enganando os nossos primeiros pais, não estava tão equivocada: podemos ser como deuses, ou seja, podemos ser divinizados pela graça de Deus e parecer-nos a ele já aqui nesta terra e depois, eternamente, no céu. O erro da serpente não estava nesta afirmação – sereis como deuses – mas no método para alcançar esse objetivo. A serpente demoníaca propôs o orgulho e a desobediência para alcançar a divinização. Nada mais contraditório! O caminho é justamente outro: a humildade e a obediência acompanhadas da mais nobre de todas as virtudes, a caridade.
“Deus é amor” (1 Jo 4,8.16) e nós podemos amar, “mas amamos, porque Deus nos amou primeiro” (1 Jo 4,19). A santidade se mede pelo amor: quem mais ama é mais santo; quem menos ama é menos santo; quem não ama nada, não é santo. De tudo isso é fácil concluir que a santidade não é algo exterior, caricaturesca, rígida, sombria ou até mesmo triste. Não! O santo é uma pessoa com uma profunda vida interior, com uma grande unidade de vida, uma pessoa coerente, flexível, cheia de luz e de alegria. Uma pessoa santa é um ser humano bem normal no seu dia-a-dia, mas os outros intuem que leva dentro de si algo diferente: o amor de Deus atuante e atualizador. Se Deus, o Totalmente Outro, quis fazer-se um de nós, quanto mais nós, sendo o que somos, devemos ser nós mesmos! Que sejamos cada vez mais simples, amemos de verdade, façamo-nos próximos aos outros seres humanos. Nós estamos, efetivamente, inseridos na grande massa humana, nós somos como os outros. E, no entanto, Deus nos conhece pelo nome, nos fez seus filhos e quer ver-nos um dia com ele no céu.
Santidade! Esse é o segredo que o cristão deve ter para aproximar muitas pessoas de Deus. Mas, por favor, não vamos mostrar a santidade como uma coisa esquisita, rara, estranha. Vamos ser bem normaizinhos: comemos, bebemos, trabalhamos, saímos com os amigos e… até tomamos uma cervejinha (com moderação!). Na verdade, nós somos as pessoas verdadeiramente normais porque a vivência das virtudes humanas (prudência, justiça, fortaleza, temperança etc.) e sobrenaturais (fé, esperança e caridade) vai não somente nos divinizar, mas também humanizar-nos cada vez mais. Quem quer ser uma pessoa humana verdadeiramente realizada não tem mais que olhar para aquele que é Perfeito Homem, Jesus Cristo, e unir-se a ele para ser divinizado por ele, que é Perfeito Deus.
Quem são os santos? Uns bem-aventurados, os felizes desta terra. Quem pode ser santo? Todos. Como ser santo? Basta unir-se a Deus através dos sacramentos, da oração e duma luta contínua para dar gosto ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Qual é a finalidade de uma pessoa santa? Unir-se ao Santo dos santos e arrastar livremente muitas outras pessoas que lutaram para alcançar a santidade, a felicidade, a plenitude da vida.
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
"Homilia 2 – Professor da felicidade"
“Não pode existir alguém que não deseje ser feliz. Mas, oxalá os homens que tão vivamente desejam a recompensa não fugissem dos trabalhos que conduzem a ela!” – Assim começava Santo Agostinho o sermão sobre as bem-aventuranças no ano 415 em Cartago. Impressiona-nos vivamente que o Senhor relacione a felicidade daquelas multidões (cfr. Mt 5,1) com a pobreza, o choro, a mansidão, a fome e a sede de justiça, a misericórdia, a pureza de coração, a pacificidade, a perseguição sofrida e a calúnia padecida. Para os ouvidos mundanos, essas expressões não podem causar mais que rejeição! E, não obstante, são esses os trabalhos que conduzem a felicidade, como dizia o bispo de Hipona. Sem dúvida, é importante entender que Jesus não está pregando uma vida miserável, triste, sem nenhum prazer, sem garra e sem perspectiva. Vou ser sincero: eu também rejeitaria um cristianismo assim! Se o mártir visse somente os sofrimentos e a morte, não seria feliz. Para a testemunha da fé, os tormentos são suportados por amor a Deus e também por causa da recompensa, do prêmio, do céu!
Há outras palavras de Cristo que nos ajudam a compreender melhor as das bem-aventuranças: “ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais, com perseguições – e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10,29-30). Neste século: deixar pai e ter cem pais, deixar mãe ter cem mães, deixar terras e ter cem vezes mais a quantidade de terra que se tinha… é ou não é rentável? E, depois: a vida eterna! E nem precisa ser bom comerciante para dizer que negócio é ouro!
A felicidade é uma realidade que vai mais além da pobreza, do choro, da mansidão e, não obstante, está presente em todas essas realidades, não por causa delas mesmas, mas por causa do espírito com o qual as vivemos e por causa das grandes coisas que nos aportam tão pouca renúncia. Em resumo: os que não conhecem a Deus estão perdendo tempo!
Realmente, o que faz feliz o coração humano não são as coisas desse mundo, mas o sentido na vivencia e na utilização dessas coisas. A mulher que vai ao salão de beleza e espera durante algumas horas para que a deixem bem bonita, é feliz; ela se submete a esse pequeno sacrifício por um bem maior. Quem sabe as consequências prejudiciais de uma noite de álcool e mesmo assim “toma todas”, é feliz; essa pessoa não busca as consequências, mas a alienação na qual encontra a felicidade por algumas horas. Inclusive quando pecamos, as ações por nós realizadas tem como fim a busca da felicidade, ainda que de maneira errada.
Com esses poucos exemplos é fácil ver e afirmar que há coisas que levam à autêntica felicidade e outras que levam a uma aparente felicidade. Como chamar felicidade aquilo que vai acabando conosco? Somente um louco buscaria a felicidade no encontro violentamente físico entre a sua cabeça e um poste.
Existe também uma “educação para a felicidade”, para buscar a felicidade. Há fases árduas nesse aprendizado. Além do mais, há coisas consideradas “chatas” que nos fazem felizes, como tomar um remédio amargo ou ir à escola. No momento não se percebe que é assim, mas com o passar do tempo estamos felizes e agradecidos por estar sadios e por não sermos burros.
Um bom professor da matéria chamada “felicidade” é Jesus. Que grande pedagogo! Afirma, para atrair os seus discípulos, que terão cem vezes mais aquilo que eles renunciarem. Com essa perspectiva, fica até fácil pedir a renúncia ao próprio eu (pobreza de espírito), pois seremos cem vezes mais nós mesmos, realmente viveremos de acordo com a nossa dignidade; o choro do esforço, pois assim não viveremos como seres adocicados e moles cuja felicidade se encontra na posição horizontal sobre um sofá macio (que pobreza de perspectiva!); a fome e a sede de justiça que nos faz ter uma vontade cem vezes mais firme para lutar pela felicidade dos outros, caminho de liberdade interior; a misericórdia que nos dá uma coragem centuplicada; a pureza de coração que nos faz cem vezes mais nobres porque dizemos “não” ao animal que está dentro de nós, preferimos viver como seres humanos; os pacíficos que estão dispostos a lutar cem vezes porque sabem que a paz é resultado da guerra que nos fazemos a nós mesmos contra as nossas más inclinações; a perseguição que nos faz cem vezes mais perspicazes para saber viver nesse mundo com a esperteza dos filhos de Deus e não ser bobos de ficar para trás em coisas nas quais deveríamos ser os primeiros; na calúnia sofrida que nos enterrará no húmus da humildade e nos fará andar centuplicadamente em verdade. E, depois, o descanso, a vida eterna, a vida sem fim, sempre, para sempre.
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
Comentário Exegético – 32º DTC – SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS E SANTAS – Ano A
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA (1 Jo 3, 1-3)
INTRODUÇÃO: Neste trecho o apóstolo exorta a uma vida santa, em geral, e, em particular, a cultivar o amor fraterno. A primeira consideração tem como base a adoção como filhos por parte de Deus que quer ser pai, coisa não conhecida no mundo, que sempre pensa nos seus deuses como senhores temidos e vingativos. Essa é a doutrina que vamos examinar neste domingo. Suas consequências são a vida santa aqui na terra e a esperança de participar da vida divina no definitivo Reino dos céus.
O AMOR DO PAI: Vede que classe de amor nos concedeu o Pai, de modo que sejamos chamados filhos de Deus; por isso, o mundo não vos conhece porque não o conheceu (1). Videte qualem caritatem dedit nobis Pater ut filii Dei nominemur et sumus propter hoc mundus non noࡶit nos quia non novit eum. QUE CLASSE [potapos <4217>=qualis] o grego significa que espécie, que classe, maneira ou estilo, muito mais do que grande da RA da versão evangélica portuguesa, ou que gran amor da espanhola. O apóstolo nos fala a considerar com admiração e assombro e observar um amor sem comparação e uma mercê sem medida. AMOR [agapë <26>=caritas] é a palavra própria para o amor de Deus, usada também para o amor entre amigos ou amor de um pai para com seus filhos. O PAI: Era o Pai de Jesus Cristo (Rm 15,6), mas enviando ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama Abba, já não somos escravos, porém filhos; e, como filhos, herdeiros por Deus (Gl 4, 7). Assim, dirigindo-se aos romanos, Paulo os saúda com estas palavras: amados de Deus, chamados santos: Graça e paz tenham de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo (Rm 1, 7). A diferença entre um cristão e Cristo é que este é o amado (Mt 3, 17 e Mc 12,6), o primogênito (Rm 8, 29), e até unigênito (Jo 1, 14) por estar unido pessoalmente à divindade. CHAMADOS [klëthömen <2564> =nominemur] em termos bíblicos é o mesmo que ser, pois este verbo não se usa em hebraico. Um exemplo: Gabriel fala a Maria: será grande, será chamado [klëthësetai] Filho do Altíssimo (Lc 1, 32). A Vulgata acrescenta et sumus [e somos] indicando o sentido verdadeiro do klëthömen [chamados]. O MUNDO [kosmos <2889>=mundus] o kosmos grego é inicialmente ordem, ou uma disposição e medida ordenada; também o Universo, cuja ordem e disposição tanto admiravam os filósofos gregos. Finalmente, a terra e seus habitantes. Especialmente o conjunto da multidão, oposta aos planos divinos e especialmente ao cristianismo, como é este caso. NÃO VOS CONHECE. Esse mundo que foi feito pela palavra [Logos] e o mundo não a conheceu (Jo 1, 10). E assim como não conheceu o Filho, era impossível que conhecesse os filhos, já que estes eram tais por serem filhos no Filho, pois deu aos que O [logos] receberam o poder de serem filhos de Deus, não por meio da carne, mas porque creem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo 1, 12-13). Paulo em Gl 4,6, explicará que a obra de Deus é a entrega do Espírito e não um simples documento, decreto ou declaração, como afirmava Lutero, já que não admitia a graça santificante. Nem basta a fé só para ser filho de Deus, pois pode ser uma fé morta, como afirma Tiago na sua epístola (2, 17; 20 e 26). NÃO O CONHECEU: O mundo não conheceu o verdadeiro Deus como Pai, e, portanto não pode reconhecer os filhos. E também não conheceu Jesus como Filho, quanto menos poderia reconhecer os cristãos como filhos de Deus.
A MANIFESTAÇÃO: Amados, agora somos filhos de Deus e ainda não apareceu que seremos; sabemos, porém que se se manifestar seremos semelhantes a ele porque o veremos como é (2). Carissimi nunc filii Dei sumus et nondum apparuit quid erimus scimus quoniam cum apparuerit similes ei erimus quoniam videbimus eum sicuti est. AMADOS [agapëtoi<27>=carisimi] era o título com que Paulo se dirige aos cristãos de Roma: amados de Deus, chamados santos (Rm 1, 7), Com este mesmo epíteto João se dirige aos cristãos aos quais escreve suas três cartas. NÃO APARECEU: Como João afirma no prólogo de seu evangelho, donde o Verbo foi visto com a glória do unigênito, cheio de graça e verdade (1, 14). Logicamente, a graça é o conjunto de poderes divinos; e a verdade, como quem sabe as coisas de Deus; pois do céu veio e assim podia falar das coisas que ele viu (Jo 3, 13). Por isso podia dizer testificamos o que vimos (Jo 3,11). Nem o mundo pode ver o que somos nem nós, a exceção de poucos casos místicos, sabemos o que somos. Paulo tem uma fórmula válida para todo cristão: Cristo vive em mim (Gl 2, 20) e o afirma dizendo que nosso corpo é membro de Cristo (1 Cor 6, 15). Poucos são cientes destas verdades que se MANIFESTARÃO e então veremos o que realmente somos. Veremos-nos e atuaremos como realmente filhos, porque VEREMOS DEUS como ele é: um Pai que ama seus filhos. E então viveremos conformes à imagem de seu Filho, o unigênito entre muitos irmãos (Rm 8, 28). Como disse o próprio Jesus, sua vida era viver conforme a vontade do Pai, pois os que tais fazem serão os únicos que entrarão no Reino (Mt 7, 21), o que, de outra forma parte da oração comum, em que pedimos seja feita a vontade divina na terra, assim como ela é feita nos céus (Mt 6, 10). Por isso, Jesus passou a sua vida fazendo o bem (10, 38), motivo pelo qual temos sido feitos por Deus.
A PURIFICAÇÃO: E todo aquele que tem essa esperança nele purifica-se, assim como ele é puro (3). Et omnis qui habet spem hanc in eo sanctificat se sicut et ille sanctus est. PURIFICA-SE [agnizei<48>=sanctificat] é um verbo que significa a purificação cerimonial para exercer um serviço de culto. É a palavra usada em At 21, 24 quando Paulo deve se purificar junto com quatro varões, rapando a cabeça como cumpridor da Lei do nazerato. Corresponde ao nezer<05145> de Nm 6,8, em que durante todos os dias do voto estava o separado [nizrov<05145] como sagrado [kadosh<06916>] para o Senhor. Por isso não podiam cortar o pelo, nem beber nada que fosse fermentado. Era um homem consagrado a Deus. É o verbo agnizö o usado para purificar o coração ou mente em Tg 4, 8: vós de duplo ânimo purificai os corações, ou em 1 Pd 1, 22: purificando vossas almas pelo Espírito na obediência à verdade, para o amor fraternal, não fingido: amai-vos ardentemente uns aos outros com um coração puro. É o que Jesus disse numa das bemaventuranças: bemaventurados os puros [katharoi] de coração porque verão a Deus (Mt 5, 8). A Vulgata traduz por sanctificat, cujo significado é de sacer [sagrado] e significa o mesmo que agios grego, ou seja, próprio da divindade, uma coisa sem mancha, pura, inviolável, imaculada, sacra. PURO [agnos<53>=sanctus] A palavra é usada 5 vezes por Paulo e uma por Tiago, Pedro e João respectivamente. Seu significado é limpo, sem mancha como em 2 Cor 7, 11 ou casto como em 2 Cor 11, 2, falando das virgens, livre de falta, ou limpo de pecado, como 1 Tm 5, 22. Falando de Deus é esta passagem de João que descreve a natureza divina como sem mancha, totalmente sacra e imaculada. A Nova Vulgata traduz purificat e purus, que nós temos adotado, sem saber de antemão, tal versão. E imediatamente João explica os significados, dizendo em contraste: todo aquele que comete pecado também comete iniquidade [anomia<458>iniquitas] porque o pecado é iniquidade, ou podemos dizer maldade. Desta está livre completamente Deus, de modo que Ele é o único bom [agathos<18>=bonus] (Mt 19, 17), em que não se encontra pecado ou maldade. Jesus, seu Filho, pode dizer diante de seus inimigos: quem dentre vós me convence de pecado? (Jo 8, 46). Por isso, quem não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para poder castigá-lo e deste modo fazer de nós justiça de Deus nele (2 Cor 5,21). Atualmente temos um Pontífice que foi tentado como nós, mas sem pecado (Hb 4, 15). O Anticristo é, portanto chamado de homem do pecado (2 Ts 2, 3) sendo do Diabo que faz o pecado e peca desde o início (1 Jo 3, 8). Por isso, livres do pecado somos servos de Deus, tendo como fruto a santificação e, por fim, a vida eterna (Rm 6, 22). Portanto, não encontramos melhor explicação que citar esses textos da Escritura que nos colocam em contato com a bondade de Deus, um pai que jamais faria o mal a seus filhos e que é bondade para perdoar suas transgressões.
EVANGELHO: (Mt 5, 1-12s)
AS BEMAVENTURANÇAS
INTRODUÇÃO: Dois evangelistas narram o que se tem chamado as bemaventuranças. Mateus como parte do sermão da montanha, pois foi desta cátedra que Jesus falou (5,1) e Lucas que coloca o pequeno discurso paralelo numa planície (6, 17). Isso indica que a circunstância é redacional, independente das palavras e ideias a expressar. Também há uma grande diferença entre as oito ou nove bemaventuranças de Mateus e as quatro de Lucas. Ambos, porém usam a mesma palavra makarioi para designar os contemplados como prediletos do reino. Que significado tinha nos lábios de Jesus essa palavra e de que ideias hebraicas era tradução, de modo que os ouvintes a pudessem entender? O grego makários significa tanto ditoso ou feliz como bendito do verbo makarizo que significa declarar afortunado. No primeiro caso, indicaria uma situação determinista da vida mesma, sem ligação com ulteriores fins ou propósitos. No segundo caso, a palavra tem um conteúdo teológico de modo que implica uma providência divina que, pelo contraste com o sentir comum dos dirigentes religiosos, apontava uma nova era completamente revolucionária em perspectivas religiosas. Esse é nosso caso.
O MONTE: Tendo, pois, visto as multidões, subiu ao monte [oros<3735>=mons] e tendo-se ele assentado, se aproximaram dEle seus discípulos (1). Então, tendo aberto sua boca, os ensinava dizendo (2). Videns autem turbas ascendit in montem et cum sedisset accesserunt ad eum discipuli eius. Et aperiens os suum docebat eos dicens. Os comentaristas unem o sermão da montanha com a entrega da Lei por Javé -Deus no monte Sinai no AT. Oros em grego, é usado por Mateus como um ambiente paralelo ao lugar em que Moisés recebeu a lei no Sinai, sendo que o cumprimento do primeiro mandamento receberia uma gratificação especial para os que fielmente o guardavam (Êx 20, 6). Jesus também, do monte, ensina a nova lei a seus discípulos. Porém, antes deve escolher o novo Israel, e daí as chamadas bemaventuranças. Os que por elas são alcançados serão o novo Israel e, portanto, podem ser designados como verdadeiramente felizes. Jesus começa, pois, por essa distinção em que derruba o velho conceito de etnia e descendência como parte para formar a elite de Jahvé, e contrariamente, suscita um novo modelo de povo de Deus, cuja base é precisamente o infortúnio material. A eles Jesus abre um novo mundo de esperanças e felicidade. A lei, para os judeus, não era unicamente o nomos [preceito], mas também abrangia declarações, propostas e fatos de Deus em relação com seu povo escolhido. Neste sentido total e amplo, Jesus determina primeiro o âmbito de seus verdadeiros escolhidos. Logo propõe seus nomoi [preceitos], precedidos de uma retificação aperfeiçoada da antiga lei: ouvistes que foi proclamado, eu, porém, vos digo (Mt 5, 21). Como mestre da nova Lei, Jesus adota uma postura frequente entre os rabinos ou mestres em Israel. Ele fica sentado, tendo seus discípulos e ouvintes ao seu redor, geralmente de pé, pendentes de suas palavras. Os rabinos explicavam a lei segundo as tradições [ouvistes que foi dito], mas Jesus explica a nova Lei como quem tem autoridade para propô-la e anuncia-la como novidade feliz a um público geralmente esquecido e desprezado. Constituía a esperança messiânica, já atuando como realidade nova e definitiva. Finalmente, uma palavra sobre o monte: Realmente, segundo Lucas, Jesus subiu ao monte para orar durante a noite (Lc 6, 12). Na manhã, escolheu seus doze discípulos e logo ao descer do monte, se deteve num lugar plano onde a multidão o esperava para ser curada de suas doenças. Lucas, pois, circunscreve as bemaventuranças a uma planície, embora tivesse como fundo o monte do qual acabava de descer. Também Lucas diz que elevando os olhos aos discípulos dizia (Lc 2, 20).
AFORTUNADOS Ditosos [makarioi<3107>=beati]
Os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus (3). Beati pauperes spiritu quoniam ipsorum est regnum caelorum. A palavra, usada tanto por Mateus como por Lucas, no início de cada versículo é MAKARIOI, em grego, plural de Makarios <3107>. Logicamente Mateus e Lucas usam a palavra como tradução de um original aramaico usado por Jesus. Qual é essa palavra e que significado se encerra na raiz da mesma? 1°) No AT: . Existem no hebraico bíblico dois verbos com o sentido de abençoar. Um deles é Barak <01288> que é só empregado por Deus no Pile [intensivo ativo] indicando uma ação contínua, como em Gn 1, 22: E Deus os abençoou [yebarek] dizendo: sede fecundos. Usando a mesma raiz, Deus abençoou também o dia sétimo. A setenta traduz por eulogesen louvar ou falar bem, a Vulgata por benedixit, que no inglês é traduzido por blessed. De barak temos baruk [bendito] e a palavra beraká [bênção], cujo plural é berakoth. Todas as berakoth começam com Baruk Ata Adonai que pode ser traduzido por louvado seja meu Senhor [=Deus]. Os setenta traduzem baruk [bendito] por eulogetos ou eulogemenos (Dt 28, 3 +). O outro é Ashar <0833> cujo significado primitivo é avançar; também no pile significa pronunciar feliz e pela primeira vez o encontramos em Gn 30, 13 em boca de Lia: Feliz, eu [beasheri], porque chamar-me-ão ditosa [asheruni] todas as mulheres. Nos setenta, os termos em colchetes são traduzidos por makaria e makarizousin, a mesma raiz empregada nas bemaventuranças. Não entramos em maiores detalhes. Só com o dito podemos dizer que barak [eulogeo<2127>,] é a palavra reservada para a ação divina, quando declara bendita uma pessoa; e asher [makarios<3107>] é a ação do povo que vê uma circunstância que torna feliz uma vida. Logicamente essa circunstância provém de Deus como causa principal. (Os números correspondem aos de Sprong). Os evangelistas têm muito cuidado nas palavras com as quais escolhem as ipsissima verba Christi e, portanto, acreditamos que se ambos os evangelistas escolheram makarios como tradução das palavras de Jesus, este não quis dizer que eram abençoados por Deus, mas declarados felizes pelos homens. Jesus quer mudar o modo de pensar dos discípulos para que estes pudessem ver nos pobres, nos aflitos, nos humildes, nos famintos, uma classe de predileção divina que os tornavam desejáveis e invejáveis. Jesus, praticamente, na sua primeira lição pública define a conduta humana diante da pobreza tanto material como espiritual do mundo que o rodeia. 2°) No grego clássico, a palavra makarios inicialmente significava livre dos cuidados e preocupações de todos os dias. O significado é afortunado. Assim, a ilha de Chipre é chamada de 'e makaria [a afortunada] por ser uma ilha verde e próspera. Homero chama os deuses de 'oi makrarioi [os felizardos] em comparação com os humanos que devem trabalhar para poderem viver. Na linguagem poética, descreve a condição dos deuses e daqueles que compartilham da existência feliz deles. Aos poucos, perdeu seu significado original para se tornar num equivalente do nosso Feliz. Quando acompanhada de tu ou vós, se transforma em bemaventurado, ou bemaventurados, indicando um elogio por parte dos conhecedores do caso. Como tais, são parabenizados os pais por causa dos seus filhos, os ricos por causa de suas riquezas, os sãos pela sua saúde, os sábios por causa de seu conhecimento, os piedosos por causa de seu bem-estar interior, os mortos por terem escapado à vaidade das coisas. Indica, pois, como motivo, uma circunstância especial que acompanha uma certa classe de homens e que por esse requisito podem ser considerados afortunados. 3°) No grego bíblico makarios traduz o hebraico esher [felicidade], ashar [declarar bemaventurado], ou asheré [bem-estar]. Vemos o asheré traduzido por makarios no salmo 2,12: Bemaventurados todos os que nele se refugiam; ou o salmo 32,1 e 2: Bemaventurado aquele…e bemaventurado o homem a quem o Senhor não atribui iniquidade. Em ambos os casos makarios é usado como tradução de asheré. O homem é bendito, e especialmente esta bênção provém de Deus. No NT é claro que substituímos o asheré hebraico por Makarios. Makarios aparece 13 vezes em Mateus e 15 em Lucas e apenas duas em João: Bemaventurados, pois, se praticares estas coisas (13, 17) e Bemaventurados os que não viram e creram (20, 29). No caso de Mateus, os bemaventurados não são os discípulos; mas, estando a frase em terceira pessoa é qualquer um que se encontra em semelhantes circunstâncias. A estimativa predominante do Reino de Deus leva consigo uma inversão de todas as avaliações costumeiras. E todos os que compartilham dessa experiência da chegada do Reino, nas circunstâncias reveladas na frase inicial, serão benditos por esse dom recebido de Deus de modo gratuito. 4°) Mas vejamos as traduções: Dichosos ou Felices em espanhol, Beati em latim e italiano, Fortunate em inglês, embora a KJ traduzirá Blessed, Felizes em português e Hereux em francês. É uma palavra que indica completa satisfação ou felicidade. Todas elas cumprem as palavras de Dt 33, 29 em que o hebraico asheré é traduzido por makários e por ditoso: Ditoso [makários] tu Israel. Quem como tu povo vencedor? Deus é o escudo que te protege, a espada em marcha que te conduz ao triunfo. Ou o salmo 144, 15: Ditoso [makários] o povo que tem tudo isso; ditoso [makários] o povo, cujo Deus é o Senhor. Em Baruc 4,4 temos: Felizes [makarioi] somos Israel, pois podemos descobrir o que agrada o Senhor. 5°) Como Conclusão, podemos afirmar que a palavra grega makários tem o significado de homem cuja vida é invejada por ser um privilegiado por Deus nos seus planos beneficentes. Em definitivo, podemos facilmente traduzi-la por BENDITO ou ABENÇOADO. Deus está no meio, por ser a causa de todos os verdadeiros bens. O Makarioi de Jesus entra, pois, nos planos divinos, como causa principal ao ser Deus o observador que escolhe seus eleitos, como declara Maria em seu canto: Exultou meu espírito em Deus meu Salvador porque ele fixou seus olhos na insignificância de sua escrava (Lc 1, 47-48). Até agora no mundo católico, quase de forma geral, as bemaventuranças eram vistas como prêmio oferecido às virtudes dos que mereciam semelhante elogio. Hoje não são consideradas como recompensa de virtudes, mas como escolha divina, que, em sua misericórdia, quer favorecer os mais desamparados. Não é a virtude interior alcançada, que obtém um prêmio, mas são as circunstâncias que favorecem a ação divina em sua misericórdia. Deste ponto de vista, podemos enxergar todo o contexto como sendo uma política divina que dá uma reviravolta na totalidade do pensar e atuar humanos. Jesus, em nome de Deus, como seu profeta, declara quais deveriam ser chamados de ditosos ou afortunados. Assim começa a nova economia que inicia uma nova visão do mundo dos sofridos e desafortunados. Esta situação, no lugar de ser uma situação de infortúnio, ou um estado aparente de desdita, é, pelo contrário, uma condição de sorte, porque as riquezas divinas estão à disposição dos que se supõem ter herdado o azar como condição de suas vidas. Como diria Paulo, na fraqueza é que se manifesta (mais) o poder [de Deus] (2 Cor 12, 9). Por isso, todas as bemaventuranças terminam com um porque em que Deus entra como causa ativa, subentendido na passiva do verbo correspondente, passiva que era praticamente usada só para atuações divinas. Talvez a melhor tradução seria: Sois abençoados por Deus vós os… O ESQUEMA: temos em cada bemaventurança uma prótasis [primeira parte de um poema teatral] e uma apódosis [explicação]. A prótasis ou primeira parte de cada oração é uma circunstância da vida, independente da vontade da pessoa respectiva. A apódosis é a explicação do porquê e como a sorte lhes favorece. Como caso curioso podemos ver que as quatro primeiras começam com a letra pi em grego: Ptochoi [mendigos], penthountes [chorantes], praeis [mansos] e peinountes[famintos]. Quando se sabe que a kabala era característica da interpretação das Escrituras, há uma pequena razão para pensar que Mateus, legista e intérprete da lei, tivesse alguma razão, por nós hoje desconhecida, de seguir seus ocultos princípios. PTÔCHOI: No AT ptochos aparece perto de 100 vezes e são a tradução de 7 palavras hebraicas: 1°) `anav <06035> é sinônimo de humilde, especialmente quando em forma adjetivada acompanhado de Jahvé. Com seu número de Sprong <06035> aparece 24 vezes, especialmente nos salmos e em Isaías, a começar por Moisés que é declarado o mais humilde, ou mais manso dos homens como traduz a Vulgata. O anav desse número é geralmente traduzido por prays [manso](12), penes [pobre] (11) e tapeinós [baixo] (1). Na vulgata, temos mites (6) mansuetus (6) e pauper (12). Existem duas frases em que anav acompanha terra anav heretz. E que em ambos são traduzidos por prays ou mansos. 2°) 'ani [37 vezes] <06041> que tem o significado de pobre, humilde, modesto, oprimido. A primeira vez que aparece é em Êx 22, 24: Se emprestares prata ao meu povo, ao pobre [ani e ptochós] que está contigo. Quando não se menciona o opressor a palavra significa realmente pobre material, os que não têm terra. A Setenta traduz, indistintamente, ani por pobre ou humilde. 3°) `anah<06033>. A única vez que anah sai é em Daniel 4, 27: redime tua iniquidade para com os pobres <06033> em grego penetön [=dos pobres]. 4°) dal [22 vezes] <01800> baixo, fraco, pobre, magro. Fisicamente dal significa fraco e passa a ser empregado para as classes sociais mais baixas como camponeses, pobres, necessitados, sem importância. 5°) Ebyon [11 vezes] <034> significa pedinte de esmolas, mendigo; ou seja, os muito pobres e sem lar. 6°) Rush [11 vezes] <07326> necessitado, pobre, é uma palavra que se emprega como contraste de rico. 7°) Misken.<04542>. Nos tempos mais modernos usa-se misken, um termo que os mendigos orientais empregam para definir a si mesmos. Que deduzimos então? Se o mendigo é precisamente o ebyon e equivale ao endeês [menesteroso em grego] o ptochós de nossa bemaventurança pode ser pobre no sentido de desvalido, sem recursos, cujo único goel [defensor] era Jahvé, em oposição aos ricos que dependiam de suas riquezas como base fundamental de suas vidas. Os textos mais modernos descartam o pobre material e traduzem o Ptochós como humilde, ou humilde de espírito (AV), ou os que têm o coração de pobre (francesa). A melhor exegese será, sem dúvida, a feita por Maria: Depôs poderosos de seus tronos e aos humildes exaltou. Cumulou de bens os famintos e despediu ricos de mãos vazias. Parece que Jesus aprendeu bem de sua mãe esta política divina que tão bem se realizou na sua família. Os rabinos louvavam a simplicidade e a humildade, mas nunca a pobreza porque, segundo eles, nenhum dos males poderia se equiparar ao mal da pobreza; daí que Mateus, legista e conhecedor das tradições judaicas, teve que acrescentar uma explicação ao simples fato de pobreza. Pois para esses mestres da Lei a riqueza era o prêmio justo da virtude e a pobreza era considerada como legítimo castigo. Porém, a pobreza entra nos planos de Deus e a sua aceitação coloca os pobres como escolhidos às portas do Reino do qual Jesus era o arauto ao proclamar as condições que o limitavam, segundo Is 61,1: Ele me enviou a anunciar a boa nova aos pobres [ptochoi em grego e humildes nas versões mais modernas como a italiana]. Na História do Israel antigo, após a economia inicial de troca, uma vez consolidada a monarquia, o dinheiro tomou conta da economia e muitos dos agricultores passaram a depender dos homens das cidades. Este empobrecimento não só se tornou um problema social, mas religioso como fruto da quebra da Lei, tornando-se uma injustiça, atacada pelos profetas do século VIII aC. que ameaçavam com o juízo divino os ricos que eram culpados. E é nesta situação histórica, que podemos entender o significado de pobre e necessitado. O pobre que sofre injustiça porque outros se tornaram gananciosos, volta-se indefeso e humilde a Deus em oração, pensando que a ajuda divina em suas necessidades é a base da glória a Deus. Pobres, são os que se voltam a Deus em suas necessidades, pois é um Deus-protetor dos pobres (Sl 72, 2): Com justiça ele [o rei] julgue o seu povo, salve os filhos dos indigentes [anawim e ptochoi] e esmague seus opressores. No salmo 132, 15 diz: De pão fartarei seus pobres [anawim e ptochoi]. A desgraça do exílio levou, temporariamente, ao emprego das palavras pobre e necessitado como termos coletivos para o povo. No judaísmo tardio, tanto a pobreza material como o aspecto da sua espiritualização têm características novas: Todos os grupos religiosos tinham suas formas especiais de obras de caridade. Nas sinagogas havia uma organização para ajuda dos pobres, existindo esmolas públicas semanais. Cada sexta-feira, aqueles que viviam na localidade, recebiam dinheiro suficiente da cesta dos pobres [quppah] para 14 refeições ; os estrangeiros recebiam comida diariamente da comida dos pobres[tamhuy]; esta comida tinha sido coletada antes, de casa em casa, pelos oficiais dos pobres. Na diáspora, as sinagogas frequentemente estabeleciam uma comissão de sete para esse serviço, como fizeram os apóstolos em Atos 6, 1-6. A distribuição das esmolas era considerada particularmente meritória, se feita na cidade santa. A semelhança entre hoje e antigamente é tão grande –escreve J. Jeremias- que há algumas dezenas de anos encontravam-se leprosos, pedindo esmolas nos seus lugares habituais, no caminho de Getsêmani, fora dos muros da cidade. Em Jerusalém, a mendicância concentrava-se em torno do Templo, como vemos em At 3, 1-8. Como temos visto, os setenta traduzem anawim por ptochoi. Portanto, esta palavra perdeu o significado de mendigo para denotar o homem indefeso, que só tem como avaliador Jahweh e que nele depositou sua inteira confiança. A palavra pobre não significava a mesma coisa para um grego e para um judeu. Para o grego era um mendigo; para o judeu era aquele que não possuía terras (Êx 22, 24). Naturalmente, neste último caso, os pobres eram também gentes desprovidas de influência social, frequentemente exploradas e humilhadas. Em grego, temos a palavra Ptochós [mendigo] com necessidade de pedir esmola para subsistir e a palavra Penës, o pobre que não é rico, mas tem necessidade de trabalhar para poder viver. Como temos visto, ao explicar as diversas palavras usadas no hebraico, os pobres podem ocupar o lugar da palavra anawin, que tem um significado contrário ao de rico, com conotações religiosas de confiança em Deus. TO PNEUMATI: que pode ser traduzido em espírito ou de espírito. Evidentemente, o espírito é o espírito humano. Portanto temos: Ou pobres de espírito, que significaria acanhados; ou pobres por espírito, por eleição, pessoas estas que aceitavam a pobreza como natural ou como voluntária. O texto grego presta-se, pois, a duas interpretações: 1) pobres quanto ao espírito 2) pobres pelo espírito. A primeira pode ter um sentido pejorativo como homem de qualidades diminuídas. Ou um positivo como aqueles desapegados do dinheiro, embora o possuam em abundância, sentido este excluído pelo próprio Jesus em Mt 6, 19-24 e pela condição imposta ao jovem rico. Na tradição judaica, os termos anawim/aniyim designavam os pobres sociológicos, que punham sua esperança em Deus por não achar apoio, nem justiça na sociedade. Jesus recolhe este sentido e convida a escolher a condição de pobres [opção contra o dinheiro e a posição social] entregando-se nas mãos de Deus. O termo "espírito", na concepção semita, conota sempre força e atividade vital. Neste texto, denota o espírito do homem. Na antropologia do AT o homem possui "espírito" e "coração". Ambos os termos designam sua interioridade; o primeiro, enquanto dinâmica, sua atividade em ato; o segundo, enquanto estática, os estados interiores ou disposições habituais que orientam e matizam sua atividade. A interioridade do homem passa à atividade enquanto inteligência, decisão e sentimento. Dado o que Jesus propõe, é uma opção pela pobreza, e o ato que a realiza é a decisão da vontade. O sentido da bemaventurança é, portanto "os pobres por decisão", opondo-se aos "pobres por necessidade". Transpondo o nome decisão pela forma verbal, tem-se "os que decidem escolher ser pobres". A vulgata usa pauperes spiritu do grego ptochoi to pneuma. A tradução da bíblia protestante na sua VA [versão autorizada] é: Bemaventurados, os humildes em espírito. As bíblias católicas conservam a palavra pobres e traduzem pobres de espírito ou em espírito e algumas pobres de coração. Duas traduções fazem uma exegese particular: A versão AL [América latina] os que têm o espírito de pobres e a francesa: ceux qui ont um coeur de pauvre [que têm um coração de pobre]. A bíblia de King James traduz poor in spirit e comenta que ptochós é uma pessoa que não pode se ajudar, ao contrário de penes, que, sendo pobre, pode se virar, como dizem. E comenta: o primeiro passo para ser abençoado é a admissão da própria inutilidade espiritual. Enquanto Mateus dá uma explicação sobre o significado de Ptochoi [pobres], Lucas nada diz sobre a natureza da pobreza, aludida por Jesus na primeira bemaventurança. Segundo Lucas, é a pobreza material a que abre as portas do Reino. Segundo Mateus, essa pobreza tem um matiz necessário: é a pobreza fomentada no espírito, no desejo, no interior ou pensamento, ou tomada como objetivo na vida, que implica não considerar as riquezas materiais como finalidade da vida. Na realidade, ambos os termos podem ser vistos com uma convergência: a pobreza material é um pré-requisito para a pobreza espiritual, muito mais difícil de se conseguir quando a riqueza é o berço em que fomos aninhados. Uma interpretação moderna é de que os homens só podem ser abençoados por Deus quando diante dEle se comportarem como mendigos às portas de sua misericórdia. Vejamos duas interpretações: 1°) Do ponto de vista católico e fundamentada em Mateus: a) a primeira Bemaventurança seria a bênção divina para os que escolhem ser pobres, porque no lugar da riqueza, estes terão a Deus por seu único Rei, que, por sua parte, escolhe os válidos e preferidos entre os pobres e oprimidos. No texto de Mateus podemos interpretar pobres no espírito como aqueles que não têm ambições de riqueza, que não se deixam levar pela avareza. b) Finalmente, pobres no espírito pode significar aqueles que carecem de qualidades humanas. Qual delas é a mais correta na interpretação das palavras de Jesus? Segundo a maioria dos autores, Ptochoi traduz o hebraico Anawim que Jesus explicará em Mateus 6, 19-21; 24 em que Jesus rejeita o desejo das riquezas e as antepõe ao serviço devido a Deus, já que não podemos servir a dois senhores. Quando da recusa do jovem em abandonar suas riquezas, Jesus comentará que é difícil para um rico entrar no Reino, pois na realidade ele está dominado pelo senhor contrário ao verdadeiro Senhor: Deus (Mt 19, 16+). E é nesta última situação que as palavras de Lucas adquirem o verdadeiro valor como Bemaventurança. Um último comentário: Pelo que Mateus nos dá a conhecer sobre o sermão da montanha parece que as bemaventuranças foram redigidas sobre a frase tão repetida neste capítulo V: Ouvistes que foi dito aos antigos; eu, porém vos digo. Isto é: nas sinagogas vos foi ensinado; porém, a verdade é outra diferente que eu vos declaro agora. Por isso a melhor tradução, sob o ponto de vista exegético, seria: Ouvistes que vos foi ensinado que os ricos eram benditos de Deus; eu, porém, vos digo que são os mais pobres os escolhidos e os que verdadeiramente são os benditos de Deus, que na terra vão constituir seu Reino. De fato, Paulo dirá aos de Corinto: Não há entre vós muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de família prestigiosa… Deus escolheu o que no mundo é vil e desprezado… a fim de que aquele que se gloria, glorie-se no Senhor. (1 Cor 1, 26-31). A bênção era tão inusitada para a época em que a pobreza era considerava pior que a lepra como castigo divino, que Mateus ou o seu copiador, se sentiu obrigado a introduzir um pequeno parêntese explicativo para restringir a pobreza a limites aceitáveis pelos seus leitores e assim fala dos pobres de coração que hoje chamaríamos pobres sem ambição, e que os evangélicos traduzem por humildes de espírito. Porém, devemos manter o original de Lucas que fala dos simplesmente pobres, indigentes, porque a bênção divina é tanto mais completa quanto mais miserável aparecer a condição humana. Assim se cumpre o dito de Jesus que afirma ter vindo salvar o aparentemente perdido. Como consequência, não devemos desprezar esses mendigos que tratamos de vagabundos, porque eles merecem um lugar de destaque no reino, e nosso amor para com eles só será um espelho do amor de Deus exemplificado nesta bênção. Em termos gerais, podemos considerar que se Lucas é o taquígrafo das palavras de Cristo, Mateus é seu intérprete e catequista. Daí as diferenças. Segundo as palavras de Jesus, citando, em Lucas, Isaías 61, 1: Ele me enviou a anunciar a boa-nova aos pobres [anawim e ptochoi, o latim mansueti, que traduz o italiano umili e a VA quebrantados] os pobres poderiam ser os aflitos por suas necessidades materiais. De fato, as classes inferiores, escravos e necessitados se beneficiaram do evangelho em forma tal, que Jesus teve que afirmar que dificilmente um rico entraria dentro do esquema do mesmo. Serão, pois os pobres materiais os sujeitos da bemaventurança, embora devam ser excluídos da mesma os que se rebelam contra sua pobreza e não a aceitando, rejeitam os planos de Deus que prefere os deserdados aos ricos e opulentos. 2°) A evangélica de Robert H Mounce; em resumo será: Jesus exclama que não são os ricos e poderosos, mas os pobres e humildes dos quais se podem dizer, na verdade, que são bemaventurados. A apreciação de Jesus das coisas que constituem a vida, como deve ser vivida, ressalta em forte contraste com a sabedoria convencional… Na linguagem hebraica, pobre não era apenas a pessoa em desvantagem econômica, mas todos quantos, em sua necessidade, apelam a Deus em busca de ajuda (Sl 69, 32 e Is 81, 11). Estes são os anawim, "os humildes pobres que confiam na ajuda de Deus". Pobre de espírito significa depender totalmente de Deus para ajuda, segundo o Salmo 34, 6: Clamou este pobre e o Senhor o ouviu; salvou-o de todas as suas angústias.
REINO DOS CÉUS: A promessa mais explícita, como esperança de cada bemaventurança, é a entrada no Reino, que Mateus chama dos céus, especialmente explicitada na primeira e na última, oitava e final, da lista por ele apresentada. Mateus é praticamente o único evangelista que chama reino dos céus [15 vezes] enquanto os outros dois denominam Reino do (sic) Deus. Em que consiste esse Reino que parece ser a base da pregação de Jesus? Nas suas parábolas Jesus o descreve como um banquete nupcial (Mt 22,1+), como um precioso tesouro (Mt 13, 44). Mas, em que consiste? No AT só encontramos uma vez e em grego a frase Reino de Deus [basiléia theou] no livro da Sabedoria que não é admitido como canônico pelos evangélicos: Ela [a sabedoria] guiou por sendas retas o justo [Jacó], que fugia da ira de seu irmão [Esaú], lhe mostrou o reino de Deus e deu-lhe o conhecimento das coisas santas [significando o governo do mundo por meio de seus anjos e em particular a bondade de Deus para com o patriarca] (Sb 10, 10). Por Daniel, especialmente no capítulo 7, sabemos que os quatro reinos procedentes do mar [do abismo, símbolo do mal] foram substituídos pelo reino que procedia das nuvens do céu [de Deus]. Era o Reino dos céus segundo Mateus ou Reino de Deus do qual Jesus se diz representante, assumindo a figura de Filho do Homem (Dn 7, 13). Das palavras de Jesus, dificilmente saberemos a resposta positiva; sabemos quais são as pessoas que entram facilmente [pobres, crianças] (Mt 5,3 e 19, 14) e quais as que têm dificuldade [ricos, autoridades religiosas] (Mt 19, 23 e 21, 31) . Sabemos que o Reino exige uma honestidade própria [mais estrita que a dos escribas e fariseus] (Mt 5, 20). Que para um escriba era necessária uma espécie de renovação como novo nascimento, que é da água e do espírito (Jo 3,5). Um reino que implica uma nova relação com Deus, não em forma aparente e externa, mas interior (Lc 17, 21). Um reino que consiste essencialmente em que a vontade divina seja a norma indispensável da vida (Mt 6, 10). Um reino que se mostrará patente após a morte de Cristo porque muitos dos ouvintes de Jesus estarão presentes ao seu início visível (Lc 9, 27) para o qual haverá sinais prévios (Lc 21, 31). Reino que terá Pedro como supremo supervisor (Mt 16, 19). Os apóstolos, seguindo esta linha de Jesus, nos dizem que o Reino consiste não em palavras, mas em poder (1 Cor 4, 20). Não em comilanças e bebedeiras, mas em honestidade, paz e gozo no Espírito Santo (Rm 14,17); que nem luxuriosos, nem idólatras, nem adúlteros, nem depravados, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem injuriosos herdarão o mesmo (1 Cor 6, 9-10); coisa que repetirá Paulo em Gl 5, 21. Trabalham pelo reino os apóstolos e com eles os que os ajudam (Cl 4, 11). Deste reino que podemos chamar na sua face terrena, chegamos ao definitivo ao eschaton do qual temos a palavra de Jesus que beberá do fruto da vide quando chegar o Reino de Deus (Lc 22, 18). Este é o reino que Jesus admite como próprio e do qual como gozo definitivo promete participar aos que nele confiam (Lc 23, 42-43). Podemos, pois, responder à pergunta qual é esse reino que a eles é prometido? Sem dúvida, que eles serão a maior e melhor parte desse novo povo de Deus que constitui o Reino por Cristo fundado e do qual ele era Senhor. Não é sem uma ideia proposta e preconcebida, que Mateus escolhe no monte onde pronuncia a novidade do reino, os doze que deveriam ser os novos pais das novas tribos do novo Israel, não como genitores materiais, mas como pais espirituais, dos quais todos nós recebemos a nova vida no Espírito.
TÊM A DEUS POR REI: Esta é a tradução preferida pelos modernos intérpretes. Assim, o grego Basileia não significa aqui reino, mas 'reinado'. "Seu é o reinado de Deus" quer dizer que esse reinado se exerce sobre eles, que somente sobre eles age Deus como rei. A pobreza a que Jesus convida é a renúncia a acumular e reter bens, a considerar algo como exclusivamente próprio; esses pobres estarão sempre dispostos a compartilhar o que têm. A opção final que Jesus propõe, realiza o prescrito pelo primeiro mandamento de Moisés: Não terás outros deuses diante de mim (Dt 5, 7). A idolatria concretizava-se na posse da riqueza (Mt 6, 24); por isso o enunciado desta bemaventurança é porque estes e não outros, têm a Deus por Rei. A opção proposta pela primeira bemaventurança leva à sua perfeição a metanoia ou emenda, pois quem escolhe ser pobre, renunciando a monopolizar riquezas, e com isso, à posição social e ao domínio, exclui de sua vida a possibilidade de injustiça. É a visão da teologia da libertação.
CONCLUSÃO: As palavras de Jesus são um convite a refletir de forma nova sobre fatos que consideramos desafortunados, mas que o evangelho torna afortunados. Entre eles a pobreza, considerada como um castigo divino, mas que agora devemos ver como uma circunstância providencial, uma verdadeira bênção do céu, porque facilitará a entrada no reino dos que a sofrem.
OS QUE CHORAM: Ditosos os que pranteiam [penthountes]. Eles serão consolados (4). Beati qui lugent quoniam ipsi consolabuntur. O latim e a maioria das traduções modernas modificam a ordem desta bemaventurança colocando-a em terceiro lugar. Mas que significa o verbo grego penthountes [<3996>=lugent]? Ele significa propriamente lamentar os mortos, ou seja, prantear, derramar lágrimas por alguém, estar de luto. Precisamente a palavra luto deriva do latim lugere de onde luctus. O grego pentheö [lugere latino] sai 4 vezes nos evangelhos: Duas em Mateus e uma em Marcos e Lucas. É traduzido por lugere, enquanto o pranto ou choro como o de um menino é klaiö. Pedro chorou [eklausen, ploravit] amargamente após suas negações (Mt 26, 75). As carpideiras, ou pranteadeiras, choravam [klaiontas, flentes] na casa de Jairo por causa da morte da filha (Mc 5, 38). Lucas, neste lugar paralelo, usa klaiö em vez de pentheö de Mateus (Lc 5, 21). Sobre pentheö temos Mt 9, 15 que diz que os amigos do noivo não podem estar de luto no dia da boda do mesmo. Marcos diz que a Madalena anunciou a Ressurreição aos que estavam lamentando [penthosin, lugentibis] e chorando [klaiousin, flentibus]. Os mesmos dois verbos sucessivos usa Lucas em 6, 25. Também o grego admite como tradução os que se lamentam ou estão afligidos, como aceitam traduções modernas. Poderíamos traduzir por os que sofrem. A razão que motiva esta bemaventurança é a de que encontrarão consolação a sua dor. Logicamente o pranto não é devido a uma dor física, mas a uma perda de uma pessoa amada ou de bens estimados, necessários para a vida: um infortúnio, uma desgraça. Alguns traduzem: os que sabem o que significa a tristeza. É o próprio Deus que será seu consolo, segundo Is 61, 2: A consolar todos os que choram. Lucas, como a vulgata de Mateus, traz esta bemaventurança em terceiro lugar e a palavra usada é Klaiontes [o latim flentes, derramando lágrimas] que como sempre traduz muito literalmente o grego. O texto não diz as razões que motivaram as lágrimas. Mas no texto de Isaías, citado por Jesus quando do início de sua missão, encontramos: que foi enviado a consolar [parakalesai] os que estão tristes [penthountas]. Usa, pois, Mateus os dois verbos que a Setenta, a bíblia-guia dos primitivos cristãos, emprega. Poderíamos afirmar que o consolador é o próprio Jesus na sua função de Messias Salvador, ou Cristo. Ele toma as funções divinas atribuídas a Deus na passiva do verbo correspondente. Recorda a passagem: Vinde a mim todos vós que estais cansados… E eu vos aliviarei (Mt 11, 28). OS MANSOS: Ditosos os mansos [praeis <4239>] porque eles herdarão a terra (5). Beati mites quoniam ipsi possidebunt terram. PRAEYS: é palavra própria dos mansos, benignos, não violentos, o mites ou mansuetus latino, que aceitam sua fragilidade e sua situação social sem revolta, mas com a confiança em Deus que será o último fautor da História. É uma imagem tomada do Salmo 37, 11: Pois os mansos herdarão a terra e se deleitarão na abundância da paz. É notável como as palavras prays e klëronomeo são também as usadas pelo salmista. O sentido claro é que, definitivamente, o Reino é um reino de paz e que os não violentos são os herdeiros desse reino que substitui o antigo Israel, a verdadeira terra bíblica. Por isso Jesus afirma que os contrários do Reino são os violentos que estão a destruí-lo (Mt 11, 12). No tempo de Jesus, os Zelotas pensavam que fosse a terra [nome dado à Palestina pelos israelitas] matéria de conquista e guerra. Jesus, porém, toma a palavra do profeta no salmo 37, 8-9 para indicar que não é a violência que conquista a terra. Deixa a violência, abandona o furor, não te inflames: só farias o mal; porque os maus vão ser extirpados e os que aguardam o Senhor possuirão a terra. De Si mesmo dirá que devemos aprender porque é manso [praos] e humilde [tapeinos] de coração (Mt 11, 29). De novo temos a presença de Jesus nesta bemaventurança, agora como modelo humano e não como Deus que cumpre uma promessa. Esta bemaventurança é uma antecipação do número 7: os fazedores da paz. Só que, neste último caso, a situação é ativa e na nossa 3a bemaventurança o sujeito é passivo: pacífico. Terra [gë] era o termo com o qual declaravam os judeus a porção geográfica que Jahweh tinha dado a eles por herança (Dt 1, 36 e Nm 26, 53) que Dt 9, 29 identifica com o povo de Israel. De modo que podemos afirmar que unicamente os pacíficos ocuparão o espaço dos que pertencem ao Reino.
FOME E SEDE DE JUSTIÇA: Ditosos os famintos e sedentos de justiça, porque serão saciados (6).Beati qui esuriunt et sitiunt iustitiam quoniam ipsi saturabuntur. Esta bemaventurança está refletida, mas de modo material, na segunda de Lucas: Os famintos [peinontes] agora, pois serão saciados. Esta oposição à materialidade de Lucas nos descobre uma interpretação espiritualista de Mateus das palavras de Jesus. Ao mesmo tempo, Mateus conecta com o AT segundo sua proposição de que Jesus veio não para revogar a Lei, mas para completá-la (Mt 5, 17). São duas as passagens de Isaías que falam sobre sede e fome: 55, 1 e 65, 13. Especialmente nesta última Jahweh se refere aos seus servos que terão comida e bebida em abundância. Mas que significa a justiça que é a fonte ou motivo de sede e fome? Em grego dikaiosyne significa: 1) Justiça divina que premia o bem e castiga o mal. 2) Justiça humana equivalente a santidade moral. 3) Fidelidade divina que cumpre sempre suas promessas que é sinônimo de salvação. 4) Justiça distributiva humana que respeita o direito e defende em nome de Deus os mais necessitados. Qual delas é a justiça de nosso versículo? Provavelmente, a terceira. A justiça bíblica é sinônimo de santidade ou correção de vida em conformidade com a vontade divina. Não é a justiça comutativa, mas a essencial da qual nos fala Paulo e que em certo modo se identifica com salvação e santidade. O lugar paralelo é Mt 6, 33 no qual a justiça está unida ao Reino. Justos eram aqueles cujo sangue foi derramado desde Abel até o último profeta (Mt 23, 33). Uma salvação que inclui também o primeiro significado. Era o desejo manifestado por Simeão: Meus olhos viram a tua salvação (Lc 2, 30), porque essa salvação foi comparada a um banquete no qual todos podiam entrar, ricos e pobres, sãos e aleijados, bons e maus. A entrada é livre, pois a justiça divina se transformou em misericórdia. Unicamente os convivas deveriam ter uma veste limpa: não buscar a própria exaltação como os fariseus, mas revestidos de Cristo (Rm 13, 14) de sentimentos de compaixão, benevolência, humildade, doçura, paciência (Cl 3, 12).
OS MISERICORDIOSOS: Ditosos os misericordiosos [eleëmones<1655>=misericordes] porque serão tratados com misericórdia (7). Beati misericordes quia ipsi misericordiam consequentur. Eleëmones é o termo grego significando que tem compaixão. Eles alcançarão essa mesma compaixão que têm com os homens, mas da parte de Deus. Eleëmones só sai esta vez nos evangelhos. A palavra que é usada da mesma raiz é eleeö <1653>, [ miserere, ter compaixão]. É o verbo usado pelos pedintes de Jesus para uma cura, como os cegos, a mulher cananeia, o pai do filho epiléptico, etc. É o verbo usado por Jesus na parábola do servo devedor, a palavra que usa o rico para pedir de Abraão uma gota d'água. É a compaixão para com aquele que está necessitado ou pede perdão de uma dívida impagável. O próprio Lucas traduz a perfeição cristã por misericórdia: sede misericordiosos como vosso Pai (Lc 6, 36). A palavra usada por Lucas oiktirmön <3629> [misericors, que tem pena de] é mais próxima de compaixão que de misericórdia. Precisamente a eleëmosunë <1654>=eleemosyna latina [esmola portuguesa] provém dessa raiz grega que é eleëmosunë. Daí o grande motivo para dar esmolas entre os cristãos.
LIMPOS DE CORAÇÃO: Ditosos os limpos no coração porque eles verão a Deus (8). Beati mundo corde quoniam ipsi Deum videbunt. Katharoi<2513> [mundi,limpos]. Na verdade, o latim com mundo corde diria: ditosos (aqueles) com coração limpo. O coração limpo, por outros traduzido por os puros de coração nada tem a ver com a castidade, mas visa os de intenções limpas, os não malvados, nem torcidos em seu íntimo entre pensamento, palavra e ação por terem o pensamento diverso de sua palavra mentirosa. Ou seja, os não hipócritas, os que só pensam em fazer o bem, sem outras intenções espúrias ou indignas por segundos interesses. Limpos de coração é tomado do Salmo 24, 4: Quem é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à falsidade, nem jura dolosamente. O salmo 15, 2 fala de quem vive com integridade e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade, o que não difama com sua língua, não faz mal ao próximo nem lança injúria contra seu vizinho. Esta é a limpeza do coração, mente, ou intenção, diríamos hoje. O prêmio desta vez é que verão [opsontai] a Deus. Quando? Evidentemente na figura de Jesus. Como exemplo: os fariseus viram o demônio expulsando seu colega, quando a gente simples via o dedo de Deus (Mt 12, 22-24). Por outro lado, eles, os limpos de coração, são os que buscam a verdade e a encontrão e por isso verão a Deus em suas vidas porque Deus é a única verdade. A Carta aos Hebreus afirma que sem a santificação é impossível ver a Deus (Hb 12, 14). Não se trata unicamente do além, mas do tempo presente em que a premissa básica para encontrar o verdadeiro Deus é a pureza de intenção. Precisamente Jesus dirá que é no coração onde se prepara e cozinha a maldade (Mt 16, 19). A presença de Deus era o Templo, onde Deus estava assentado sobre os querubins da arca (1 Sm 4, 4). Agora o verdadeiro templo é o crente (1 Cor 3, 16), e só se Deus é adorado em verdade (Jo 4, 24) é que estará ali como estava sobre os querubins no antigo Templo (1 Sm 4, 4). E nesse templo interior Ele se manifestará.
OS QUE TRABALHAM PELA PAZ: Ditosos os que trabalham pela paz [eirënopoioi <1518>] porque eles serão chamados filhos de Deus (9). Beati pacifici quoniam filii Dei vocabuntur. Os eirenopoioi grego, [pacifici latino], tem como tradução direta os que fabricam a paz, que infelizmente o latim traduz impropriamente por pacifici e que a maioria das bíblias adotou como pacífico; mas pacífico corresponde a 3a bemaventurança com o nome de praeis. Uma coisa é ser pacífico ou afável, e outra é trabalhar pela paz. Um comentarista diz que um trabalhador pela paz é um homem que experimentou a paz de Deus e pretende levar a mesma aos que com ele convivem. De fato, esta é a única vez que é empregada no NT. Serão chamados filhos, está no lugar de serão verdadeiros filhos de Deus. Precisamente, segundo Isaías, o filho que nos foi dado, terá como nome Emanuel [Deus conosco] será chamado Príncipe da paz (9,5). Esse Jesus que como rei da paz entra em Jerusalém montado num jumento e não num cavalo, montaria de guerra, para anunciar a paz às nações (Zc 9, 9-10). Os pacificadores são os verdadeiros continuadores do labor feito por Jesus, levam a paz entre os homens e a paz para com Deus. Trabalham como Jesus trabalhou, com o mesmo objetivo e o mesmo motivo: reconciliação e amor.
OS PERSEGUIDOS(10): Ditosos os perseguidos [Dediögmenoi<1377>] por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus (10). Beati qui persecutionem patiuntur propter iustitiam quoniam ipsorum est regnum caelorum. Dediögmenoi [pesecutionem patiuntur, perseguidos] é o particípio passado passivo do verbo diökö <1377> buscar ou acossar alguém de modo a ter que fugir por causa do acossamento. Esta deveria ser a oitava e última bemaventurança, mas nos encontramos com um makarismo a mais, o nono. A justiça é como temos explicado no parágrafo de sede e fome de justiça, a correção de vida que se ajusta aos planos divinos, e que no AT consistia no cumprimento exato dos preceitos da Lei, como era o caso de José, esposo de Maria, que devia por lei denunciar Maria publicamente, mas pensava em repudiá-la ao modo antigo, ou seja, secretamente (Mt 1, 19). Jesus claramente abona a teoria de que a moral entra dentro dos planos divinos.
A JUSTIÇA DO REINO: Ditosos sois quando vos reprovarem e perseguirem e dizendo palavra má contra vós mentirem por minha causa (11). Beati estis cum maledixerint vobis et persecuti vos fuerint et dixerint omne malum adversum vos mentientes propter me. Parece que este é o nono macarismo, porém os autores afirmam que ele é a explicação do oitavo, indicando quais são a justiça e a perseguição dos justos. De fato, neste último macarismo, Jesus passa da terceira pessoa, em termos gerais, para a segunda pessoa dirigindo-se aos seus ouvintes: vós. A justiça é a que está representada na pessoa de Jesus [por causa de mim]. A perseguição ou os perseguidos, do verbo dioko, são os buscados ou acossados pelos inimigos de Jesus, porque atrás deles está o Mestre, como Ele disse a Saulo, perseguidor dos seus discípulos (At 9, 4): Saulo, Saulo, por que me persegues? O grego usa neste versículo o mesmo verbo dioko. Dentro da explicação, vemos que a perseguição implica a injúria, o acossamento e a mentira. Todos eles, os perseguidos, pertencerão ao Reino e são os verdadeiros membros do mesmo, o constituem. A última bemaventurança promete a mesma recompensa que a primeira: o Reino.
A RECOMPENSA: Ficai alegres e exultai porque vossa recompensa (é) grande nos céus. Assim também perseguiram os profetas, os anteriores vossos (12). Gaudete et exultate quoniam merces vestra copiosa est in caelis sic enim persecuti sunt prophetas qui fuerunt ante vos. A recompensa, ou melhor, o salário misthós <3408> é uma remuneração que só Deus pode dar e que ninguém poderá diminuir ou anular, como é o tesouro que as riquezas bem repartidas adquirem para os que delas se desprendem. Assim podeis comparar-vos com os profetas que me precederam. A ação profética é precisamente o testemunho de suas vidas, aparentemente desperdiçadas inutilmente, maltratadas e vilipendiadas pelos que tinham a obrigação de ouvir e respeitar seus testemunhos. É uma profecia do que aconteceria após a morte e ressurreição de Jesus, do qual eles se tornariam testemunhas e profetas. Em todas as bemaventuranças, vemos alguma correlação com o AT. Jesus interpreta, pois, o AT de modo a encontrar o verdadeiro sentido do mesmo. Assim são válidas as suas palavras em Mt 5, 17: Não penseis que vim revogar a lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir.
PISTAS:
1) Jesus [ou a Igreja primitiva] coloca as bemaventuranças no início da sua atuação pública, imediatamente após a escolha dos doze. Pelos detalhes de Mateus, elas ocupam o lugar dos mandamentos recebidos por Moisés no Sinai, ou seja, Jesus prega uma Boa Nova em oposição a Moisés que proclama uma lei de servidão. 2) É um evangelho positivo no qual Deus quer mostrar a sua face de bondade e salvação. E são precisamente esses homens passivos da ação divina que o mundo pensaria serem os de pior sorte, os que são beneficiados [makarioi, ditosos] pela riqueza e misericórdia de Deus. 3) Não se trata de uma moral nova a ser cumprida –à parte o capítulo V- mas de umas circunstâncias nas quais Deus quer se mostrar magnânimo e divinamente generoso. Por isso, as Bemaventuranças estão sendo proclamadas a todos os que de alguma maneira encontram em Jesus o seu Mestre e Salvador. 4) As bemaventuranças resumem o espírito evangélico, ou apresentam um modo novo de olhar para a realidade crua, dos discípulos de Jesus? Antes parece um juízo feito pela sabedoria divina dos momentos e das pessoas que nós consideramos desafortunados. Nessas situações tão indesejáveis, a esperança provém do olhar para a verdadeira essência das coisas: ver a realidade como Deus a vê. 5) As primeiras constituem a bênção de circunstâncias que podemos chamar de infortúnio. Estar nas mesmas não é um azar, mas uma sorte do ponto de vista da providência divina. As segundas implicam uma recompensa para determinadas virtudes que são essencialmente cristãs. Todas constituem a Boa Nova para necessitados ou almas de boa vontade. A Boa Vontade divina agora inclui a boa vontade humana.
EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA
- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.
- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.
Interpretação errada do evangelho:
- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).
Consequências:
- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! A violência da linguagem adotada por Jesus para com os fariseus, que se haviam sentado na cátedra de Moisés, pode surpreender à primeira vista, mas é proporcional à gravidade da distorção da vida religiosa que eles tinham provocado. A mais áspera censura que Jesus lhes dirige é a da hipocrisia. Esses fariseus eram fiéis que se tinham empenhado pessoalmente na aventura da fé e na reconstrução da vida religiosa de seu tempo. Sabiam muito bem que a fidelidade à Aliança não se reduz à práticas cultuais, mas acarreta exigências morais precisas. Conheciam todas as prescrições da lei quanto à justiça e misericórdia, mas o perder de perder suas posições buscavam na própria Lei os recursos para manter suas posições reduziam a fidelidade à Deus à observância da Lei e a fé à religião, com um grande sentimento de superioridade e de total desprezo pelos irmãos mais desfavorecidos. Eles se consideravam os verdadeiros seguidores da Lei e impunham aos demais fardos pesados e insuportáveis, enquanto se aproveitavam da boa vida que a posição lhes dava. Então ficava evidente a hipocrisia: quem tinha espírito farisáico mente a sí mesmo e engana os outros e em vez de levar os homens para Deus, nada mais fazem do que atrair os olhares e atenções sobre sí mesmos. Peçamos a Deus a luz e sabedoria para praticar seus ensinamentos com bondade e misericórdia, conduzindo a todos somente para a Glória de Deus. Entoemos cânticos jubilosos ao Senhor!
(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Ml 1,14b-2,2b.8-10): - "Acaso não é um só o pai de todos nós? Acaso não fomos criados por um único Deus? Então, por que cada um de nós é desonesto com seu irmão, violando o pacto de nossos pais?"
SALMO RESPONSORIAL 130(131): - "Guardai-me, ó Senhor! Convosco, em vossa paz!"
SEGUNDA LEITURA (1Ts 2,7b-9.13): - "Foi com muita ternura que nos apresentamos a vós, como uma mãe que acalenta os seus filhinhos."
EVANGELHO (Mt 23,1-12): - "Quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado"
Homilia do Diácono José da Cruz – 31º Domingo do Tempo Comum – Ano A
"Os Donos da Verdade Sagrada"
Nada pior do que a postura de certos cristãos, de qualquer de nossas igrejas ou denominação religiosa, e que se apropriam da Sagrada Escritura, considerando-se os seus interpretadores oficiais, só o jeito deles é que está correto, e qualquer interpretação contrária, o sujeito estará condenado ao inferno. Essas pessoas são radicais, intolerantes e insuportáveis, acreditam que o Céu já lhes pertence, só falta tomar posse, e são rápidos em mandar alguém para o inferno, são eles que decidem quem já está salvo, e quem está condenado. Quanta hipocrisia...
Os Escribas e Fariseus eram assim e neste evangelho Jesus faz uma crítica pesada a eles, desmascarando diante do povo ás suas ações maléficas. Esses tais gostam e fazem questão de serem respeitados e sempre ouvidos, se na comunidade algo lhes foge ao controle, ficam estressados e são capazes de brigarem até com a sombra.
São especialistas em inventarem normas e proibições, e na comunidade sempre quando questionados, usam o nome do coitado do padre, para legitimar suas norminhas particulares. Na verdade pessoas com esse perfil acabam sempre caindo no ridículo sendo sempre desmascaradas. O conceito de Mestre era de quem conhecia e mandava, tinha autoridade e notoriedade, era sempre servido pelos seus discípulos, que sonhavam um dia também serem mestres, para ter status e poder.
Jesus é o único e Verdadeiro Mestre, nunca escondeu isso "Vocês me chamam de Mestre e Senhor, e de fato eu o sou..." irá dizer aos discípulos, logo após ter se rebaixado diante deles, lavando-lhes os pés. Mas é um Mestre, que sendo infinitamente superior a todos os demais, se fez Servo de todos. Assim deve ser em nossas comunidades, quem tem um carisma especial, uma sabedoria acima da média, deve servir a comunidade, com a mesma alegria e amor, do irmão ou irmã que procede a limpeza da igreja. Pois quanto mais alto a gente quer estar, no final de tudo, quando o Reino se tornar pleno, o tombo será mais feio...
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – 31º Domingo do Tempo Comum – Ano A
“Comediante sagrado”
Não é a primeira vez que encontramos a oposição entre Jesus e os fariseus. Ao folhear o Evangelho, se percebe que esse grupo estava constantemente armando ciladas contra Jesus. Lemos noutra passagem: “os fariseus vieram perguntar-lhe para pô-lo à prova” (Mt 19,3). Quem eram os fariseus? Era um dos vários grupos que compunham o judaísmo de então. Eles eram extremadamente religiosos, daí a meticulosidade em observar mandamentos e preceitos. E havia muitos preceitos… Lê-se, por exemplo, no Talmude: “seiscentos e treze mandamentos foram entregues a Moisés, trezentos e sessenta e cinco negativos, correspondendo ao número dos dias do ano solar, e duzentos e quarenta e oito positivos, correspondendo às partes do corpo do homem” (Talmude babilônico, Makkot, 24). É lógico: quem tem tantos mandamentos a cumprir pode estar todo o dia agoniado procurando não cair em faltas contra tais preceitos.
Mas, também é lógico: diante de tanta coisa religiosa para ser cumprida, não é difícil viver uma vida dupla. Explico-me: como há uns mandamentos cuja prática deixa patente, diante dos outros, o que é bom; para que eu seja considerado bom, tenho que observar esses mandamentos fidelissimamente. Não obstante, existem as fraquezas humanas, as debilidades; todas elas colaboram para que haja certo fastio no cumprimento de tantas coisas. O perigo então é cumprir aquilo que externamente mostra uma boa conduta e não cumprir aqueles que os outros não podem julgar porque simplesmente não podem ver o cumprimento de tais preceitos.
Graças a Deus que o cristianismo não é uma religião de mandamentos, mas a revelação da vida, isto é, de que Deus enviou o seu Filho para que vivêssemos já neste mundo a vida dos filhos de Deus, salvados, divinizados. Uma das consequências dessa vida nova será cumprir os dez mandamentos, mas, repito, a vivência de tais precitos surge como algo co-natural a essa vida nova em Cristo pela ação do Espírito Santo.
Ainda assim, também nós, cristãos, temos o perigo real de sermos “hipócritas”. Caso falte em nós a unidade de vida – essa coerência nas ações, nas palavras e nos pensamentos com a vida em Cristo – estamos no caminho da comédia sagrada.
Explicava S. Isidoro que “a palavra grega ‘hipócrita’ traduz-se ao latim por ‘simulator’ (simulador), que é aquele que, sendo mal por dentro, aparece externamente como bom; em efeito, ‘hypo’ significa ‘falso’ e ‘crisis’, ‘juízo’ ”. E o mesmo autor continua: “o nome ‘hipócrita’ vem dos atores de teatro, lá eles cobrem os próprios rostos, maquiando-se com cores diversas que fazem recordar a tal ou qual personagem: umas vezes representam o papel de homem, outras, de mulher”. Santo Agostinho conhecia a palavra ‘hipócrita’ para os comediantes, ou seja, aqueles que representam aquilo que não são. Desta maneira, dizia o santo bispo de Hipona, na vida espiritual também é hipócrita quem aparenta o que não é.
Pelo teor das palavras de Jesus se conclui facilmente a atitude de comediantes que tinham os escribas e fariseus: “dizem e não fazem. Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com um dedo” (Mt 23,3-4).
A hipocrisia – diz Santo Tomás de Aquino – é uma espécie de simulação. Mas como a simulação é uma mentira através das obras ou das coisas, a hipocrisia “é uma classe de simulação: aquela segundo a qual uma pessoa finge ser distinta do que verdadeiramente é, como no caso do pecador que quere aparentar ser justo”. Leiamos mais uma vez o Evangelho: “sois semelhantes aos sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão. Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade” (MT 23,27-28).
Deus nos livre de representar uma comédia sagrada e, desta maneira, sermos comediantes na vida espiritual. Assim acontece com aquele cristão que procura comportar-se de tal maneira que todos os chamem ‘santo’, mas na verdade a sua vida está composta de incoerências graves. Ninguém tem que andar por aí se denunciando, ninguém está obrigado a fazê-lo. Na verdade, é suficiente que o cristão – para ter unidade de vida – procure lutar de verdade para pensar, amar e atuar como Cristo. Uma pessoa que luta para ser bom, de verdade, mas mesmo assim é fraco e cai não é um hipócrita. Graças a Deus existe o sacramento da confissão. Uma pessoa que luta para agradar a Deus, mas sente a própria fraqueza e inconstância é uma pessoa normal. É até providencial o fato de que o Senhor permite que vejamos a nossa própria debilidade até o último momento da nossa vida, desta maneira descobrimos que tudo o que de bom temos vem de Deus, a ele a glória e infinitas ações de graças.
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
Comentário Exegético - 31º Domingo do Tempo Comum - Ano A
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA (1 Ts 2, 7b-9.13)
COMO UMA MÃE: Tornamos-nos amáveis no vosso meio, como uma mãe que acaricia seus próprios filhos(7). Facti sumus lenes in medio vestrum tamquam si nutrix foveat filios suos. AMÁVEIS [ëpios<2261>=lenis] ëpios significa afável, cortês, agradável. Paulo dirá em 2 Tm 2, 24: Quem está ao serviço do Senhor não deve andar metido em discórdias. Mas deve tratar toda a gente com delicadeza, deve saber ensinar e ser capaz de suportar o mal. E ele próprio, como exemplo, em meio dos corintianos escreve em 1 Cor 2, 3: Entrei no vosso meio como um homem sem forças, cheio de medo e ansiedade. Talvez porque Paulo tinha por norma se fazer fraco para os fracos, para ganhar os fracos (1 Cor 9, 22). Numa sociedade classista, como era a de seu tempo, Paulo, cujo nome indicava baixinho, entrou como quem pede e não como quem exige e manda, pois também tinha como norma a dada pelo Mestre: servidor e último de todos (Mc 9, 35), que ele, Paulo imitou em sua pregação aos de Corinto: Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus (2 Cor 4,5). Coisa que já tinha feito segundo 1 Cor 9, 19: Porque, sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos para ganhar ainda mais. Daí que dá o mesmo conselho como exemplo aos gálatas: Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne, mas sede escravos uns dos outros pelo amor (Gl 5, 13). AMA [trofë<5162>=nutrix] em grego ama de leite, o trofë é propriamente a pessoa que alimenta, e sai unicamente neste versículo. Neste caso, devemos traduzir por mãe, pois é a que amamenta seus filhos. ACARICIA [thalpö<2282>=foveo] É o presente subjuntivo do verbo thalpö, tratar com carinho, afagar, acariciar. Paulo não entrou como aquele que é dono da verdade, mas como quem ama e procura o desgarrado, assim como alegava um sacerdote diante da posição de poder de seu bispo: sou ministro da misericórdia e não da justiça. Porque Paulo precisamente exortava e consolava a cada um deles como o pai a seus filhos (1 Ts 2, 11). Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à Igreja – dirá Paulo aos de Éfeso em 5,29. E foi deste modo que Paulo se dedicou aos de Corinto.
A PREDILAÇÃO DE PAULO: Assim sentindo profundo afeto por vós, resolvemos dar-vos não só o evangelho de(o) Deus, mas também as próprias vidas, já que vos tornastes nossos prediletos (8). Ita desiderantes vos cupide volebamus tradere vobis non solum evangelium Dei sed etiam animas nostras quoniam carissimi nobis facti estis. Este versículo prova que Paulo tinha um amor especial pelos tessalonicenses. SENTINDO PROFUNDO AFETO [omeiromenoi <2442>=desiderantes cupide] é o particípio do verbo omeiromai na voz reflexiva, e cujo significado é ter um grande afeto, e que unicamente sai neste versículo no NT. Sua tradução é querendo muito, que vemos traduzido por levados de nosso amor por vós. RESOLVEMOS [eudokoumen <2106>=volebamos] indicativo imperfeito do verbo eudokeö com o significado de considerar bom, consentir, resolver, ter prazer, aprovar, comprazer. Como exemplos: AGRADAR: Não temais, ó pequeno rebanho, porque o vosso Pai agradou dar-vos o reino (Lc 12, 32). PARECER BEM: Porque pareceu bem à Macedônia e à Acaia fazerem uma coleta para os pobres (Rm 15, 26). COMPRAZER: E eis que uma voz dos céus dizia: Este é o Meu Filho amado, em quem me comprazo (Mt 3, 17). ALEGRAR-SE: Alegro-me, portanto, com as fraquezas, as injúrias, as privações, as perseguições e as angústias que passei por amor de Cristo (2 Cor 12, 10). No nosso caso optamos por CONSIDERAR: A nossa ternura por vós era tal que estávamos dispostos, ou seja, resolvemos DAR [metadounai<3330>=tradere] [até a própria VIDA [psychë <5590>=anima] A palavra Psychë tem vários significados em grego no NT: ALMA, como princípio da vida: E disse-lhes: A minha alma está profundamente triste até a morte; ficai aqui, e vigiai (Mc 14, 34). VIDA: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e volta para a terra de Israel, porque já morreram aqueles que procuravam tirar a vida ao menino (Mt 2, 20). Ou Mc 10,45: Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos. Aqui optamos, como na maioria das traduções modernas, por vida. Sobre o verbo metadounai a tradução pode ser prover, Compartilhar, ou simples dar. COMPARTILHAR como em Lc 3, 11: E, respondendo ele, disse-lhes: Quem tiver duas túnicas, reparta com o que não tem. Neste versículo é entregar ou comunicar. PREDILETOS [agapëtoi<27> =carissimi]: o grego é querido, amado, especialmente do filho primogênito, como em Mt 3, 17: Este é o Meu Filho, o amado, em quem me comprazo. Assim, Paulo chama de meu filho amado a Timóteo (1 Cor 4, 17). Mas pouco antes fala aos de Corinto como a filhos amados (1 Cor 4, 14). Pois para Paulo os que, por meio de seu ministério se transformaram em fiéis cristãos, eram seus filhos, como confirma nesta mesma carta em 1 Ts 2, 11: Assim como bem sabeis de que modo vos exortávamos e consolávamos, a cada um de vós, como o pai a seus filhos. E que confirma com o que diz aos de Corinto: Porque ainda que tivésseis dez mil aios em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; porque eu, pelo evangelho, vos gerei em Jesus Cristo (1 Cor 4, 15).
O TRABALHO PAULINO: Estais lembrando, portanto, irmãos, nossa labuta e fadiga, pois de noite e também de dia, trabalhando para não sobrecarregar algum de vós, vos anunciamos o evangelho de(o) Deus (9). Memores enim estis fratres laborem nostrum et fatigationem nocte et die operantes ne quem vestrum gravaremus praedicavimus in vobis evangelium Dei. LEMBRAIS [mnëmoneite<2442>=memores estis] é o presente indicativo do verbo mnëmoneuö, com o significado de lembrar, como em Mt 16, 9: Não compreendeis ainda, nem vos lembrais dos cinco pães para cinco mil homens. LABUTA [kopon<2873>=labor]. Kopus inicialmente, designava um batido do coração em pena (Jr 51, 3 na Septuaginta), para depois significar trabalho, labuta, unido à fadiga; daí, aflição. Como em Lc 11, 7: Se ele, respondendo de dentro, disser: Não me importunes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para te dar os pães. Paulo usa-o com o significado de FADIGAS em 2 Cor 6, 5: espancamentos, prisões, tumultos, fadigas [kopois], vigílias e fome. Paulo repete aqui o que tinha escrito no capítulo primeiro, no versículo 3. Mas agora é de sua conduta como trabalhador para ganhar o pão e não ser uma carga para os fiéis, ao mesmo tempo que era seu título de glória: não se ter servido do evangelho para viver, mas ter anunciado o mesmo sem compensação. Paulo afirma que ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho (1 Cor 9, 14). Mas ele não usou deste poder (idem 9. 15). De modo que seu prêmio estava em que evangelizando, proponha de graça o evangelho de Cristo para não abusar do meu poder no evangelho (idem 9, 18). Assim, pode afirmar aos tessalonicenses que nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. Não porque não tivéssemos autoridade, mas para vos dar em nós mesmos exemplo, para nos imitardes (2 Ts 3, 8-9). Esta segunda carta aos de Tessalônica parece indicar que os fiéis de Tessalônica eram da classe trabalhadora. Escravos? Ou libertos e judeus para os quais o trabalho manual não era uma desonra, mas a forma mais normal de vida. Por isso, Paulo termina essa sua declamação, afirmando: quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também (2Ts 3, 10). Além de uma notícia sobre seu modo de anunciar o evangelho, Paulo faz uma declaração em evidente contraste com os costumes da época: o trabalho, segundo o disposto por Deus, é a forma de comer o pão (2Ts 3, 12); e, na época de Paulo, quem podendo trabalhar não trabalhava, como faziam os romanos livres. Se não houvesse outra razão, como a do Gn 3, 19: no suor do teu rosto comerás o teu pão, existe a sempre válida que o apóstolo anota: para não sermos pesados a nenhum (2 Ts 3, 8). Viver do clientismo como os romanos, ou viver de esmolas não é próprio de um cristão que não está impedido por natureza ou por falta de trabalho. Pois por cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber, como diz Robert Crosbi.
AGRADECENDO: Portanto, também nós damos graças a(o) Deus sem cessar, porque recebendo (a) palavra ouvida de nós, a de Deus, acolhestes não uma palavra de homens, mas como é em verdade, palavra de Deus, a qual também está operando em vós os crentes (13). Ideo et nos gratias agimus Deo sine intermissione quoniam cum accepissetis a nobis verbum auditus Dei accepistis non ut verbum hominum sed sicut est vere verbum Dei qui operatur in vobis qui credidistis. PALAVRA DE DEUS: Quando Paulo falava, anunciando o evangelho, ele usava as palavras de Cristo, palavras de Deus e, portanto, conservadas em sua primitiva totalidade e integridade pelos ouvintes e assim relatadas nos evangelhos. Por isso, vemos que os sinóticos coincidem quase literalmente em grego, quando é uma frase emitida pelo Senhor Jesus. No AT seria oráculo de Jahveh. O próprio Paulo distingue entre o que disse Jesus e sua opinião: Com respeito às virgens – escreve – não tenho mandamento do Senhor, porém dou minha opinião, como tendo recebido do Senhor a misericórdia de ser fiel (1Cor 7, 25). E quando fala de verdades essenciais do evangelho, diz que são verdades recebidas por tradição e sempre em conformidade com as Escrituras [palavra de Deus]: Antes de tudo vos entreguei o que também recebi; que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras e que foi sepultado e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras (1 Cor 15, 3-4). Não existe melhor apologia do valor da tradição adotado pela Igreja Católica que esta afirmação de Paulo. OPERANDO [energeitai<1745>=operatur] essa palavra evangélica está também operando atualmente entre os de Tessalônica em fé e obras ou se queremos em frase paulina pela Fé que atua pelo amor (Gl 5, 6).
EVANGELHO (Mt 23, 1-12)
CONDENA DO FARISAÍSMO
LUGARES PARALELOS:
Mc 12, 38-40; Lc 11, 37-52 e 20, 45-47
INTRODUÇÃO: Jesus acabava de demonstrar que os fariseus não podiam ser os verdadeiros líderes religiosos de Israel, porque desconheciam a verdadeira essência do Messias, o assunto mais importante da época (Mt 22, 41-46). Agora os desmascara, demonstrando seus vícios, os menos apropriados para líderes religiosos: mentira e ambição. Esta perícope de Mateus é única. Nos outros evangelistas encontramos pragas dirigidas contra as condutas afetadas e detalhistas da lei nos fariseus (Lc cap 11). Mas no sentido de arrasar a liderança doutrinária dessa ideologia, esta passagem de Mateus, não tem comparação. Por isso começa Jesus dizendo: Na cátedra (= cadeira de mestre) de Moisés, sentaram-se os escribas (=leguleios) e os fariseus. É uma afirmação que quer dizer: com a autoridade do primeiro legislador de Israel eles querem também legislar e mandar, como se fossem a lei, a Torá. De fato chegavam a afirmar que a tradição era tão mais importante do que a lei.
A CÁTEDRA DE MOISÉS: Jesus falou depois à multidão e aos seus discípulos desta maneira(1). Dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus(2). Tunc Iesus locutus est ad turbas et discipulos suos dicens super cathedram Mosi sederunt scribae et Pharisaei. O grego KATHEDRA [<2515>=cathedra] significa cadeira em termos gerais, ou seja, um lugar para se assentar. Isso vemos nas duas vezes que aparece com este sentido geral em Mt 21, 12 e Mc 11, 15 quando Jesus derruba as cadeiras dos que vendiam pombas. Porém se traduz em particular como o assento especial donde o professor administrava suas lições ou o juiz ditava suas sentenças. De modo especial era um banco de pedra existente na plataforma da sinagoga, perto da qual estavam os rolos sagrados e onde os leitores da Lei se assentavam para pronunciar seus discursos ou comentários ao texto lido (Lc 4, 20). E é neste sentido que devemos traduzir a kathedra deste evangelho. A cátedra de Moisés é, pois, tanto como afirmar a autoridade do mesmo. De fato a tradução da Bíblia Pastoral fala de ter autoridade para interpretar a Lei. As traduções inglesas, espanhola e italiana conservam a palavra cátedra. A latino-americana usa ocupar o posto e a francesa se tornaram intérpretes de Moisés. Cremos que esta última tradução não está conforme com os fatos reais. Na verdade, os escribas, como veremos mais tarde, não só interpretavam a Torah, mas até acrescentaram muitos mandatos que não estavam dentro da lei mosaica. Chegaram até afirmar que as leis de impureza legal, próprias dos sacerdotes, obrigavam o laicato igualmente. Por que tal autoridade entre os escribas? Segundo Dt 18, 15 anunciavam-se profetas, sucessores de Moisés. Como veremos no parágrafo seguinte, os profetas foram substituídos pelos sábios, ou seja, pelos doutos na Lei.
ESCRIBAS: A palavra grega é GRAMMATEUS [<1122>=scriba], que etimologicamente vem da palavra gramma, escrito ou carta. Logo significa um escrevente, um copista, passando a ser escrivão ou tabelião, porque eram na sua maioria oficiais públicos. No AT existiam escolas que treinavam sacerdotes e levitas, que por sua vez, instruíam o povo na Lei. O mais notável foi Esdras um soper [escriba] para ensinar em Israel os estatutos e as normas do Senhor (Esd 7, 6-10). A profissão de escriba recebeu ímpeto considerável após o exílio, pois surgiu a necessidade de copiar, estudar e expor as Escrituras a fim de fazer delas a base da vida nacional. Dentre eles, conhecemos dois nomes: o já citado Esdras (396 aC) e Bem Sirac (180 aC) o autor do Livro do Eclesiástico, que descreve o escriba como homem sábio (Eclo 38, 24 ); e no hino que declara as virtudes do homem dedicado a meditar a lei do Altíssimo, dirá que manifestará a instrução recebida, gloriar-se-á da lei da aliança do Senhor (Eclo 39, 8). Nos tempos dos Macabeus o termo soper foi substituído por hakamim [sábios]. Na revolta dos Macabeus, uma companhia de escribas quis conferenciar com o Sumo sacerdote Alcimo, nomeado pelos gregos e com o general Báquides. No NT a palavra aparece 60 vezes nos evangelhos sinóticos e 4 nos Atos e um a vez em Paulo. Fora de At 19, 35, em que se emprega de um oficial civil, sempre Grammateus é usado com o significado de erudito na Torah, rabino, teólogo ordenado. Dois outros termos usados são equivalentes a grammateus, nomikos, advogado, intérprete da Leis e nomodidaskalos, [mestre da lei]. Marcos não usa a palavra nomikos, porque no mundo romano a palavra significava um perito na lei civil e para os judeus era perito na lei de Moisés. Nomodidáskalos , mestre da lei é usado só por Lucas e unicamente em escritos cristãos. Pela frequência com que aparecem os grammatoi é claro que tinham uma grande influência entre o povo. Longe de serem meros copiadores ou copistas, eram professores e mestres da lei, intérpretes e doutores da mesma. Alguns deles eram membros do Sinédrio (Mt 16, 21) . Eram escribas do povo (Mt 2, 4) e escribas dos fariseus (Mc 2, 16) . Os escribas se dedicavam a vários campos: 1) O estudo e a interpretação da lei, tanto civil como religiosa, à determinação da sua aplicação aos detalhes da vida diária. As decisões dos grandes escribas ficaram sendo a lei oral ou tradição. 2) O estudo das Escrituras, de modo geral, no que diz respeito a assuntos da história e da doutrina. Um exemplo: Elias deve vir primeiro (Mt 17, 10) é doutrina dos escribas. 3) O proselitismo: cada escriba de renome atraia para si um grupo de discípulos (Mt 7, 29) tendo um sistema de ensino que ele mesmo desenvolvera (Mc 1, 2). Formavam um grupo que originalmente era chamado de sábios, mas que logo receberam o nome de rabis, formando uma ordem fechada, na qual somente estudiosos, plenamente qualificados e após uma ordenação, recebiam o espírito oficial de Moisés e se tornavam membros legítimos da associação dos escribas. A alta reputação dos rabinos entre o povo (Mt 23, 6-7) baseava-se no conhecimento que aqueles tinham da lei e das tradições orais, como também das doutrinas secretas teosóficas, cosmogônicas e escatológicas, ocultadas por uma disciplina esotérica. Jesus condena rotundamente a abordagem dos escribas quanto à vontade de Deus [o mais importante na vida] como vemos neste capítulo, embora sociologicamente eles fossem considerados como os sucessores dos profetas e assim a proclamavam na instrução e na sua pregação, determinando a conduta conforme a interpretação que eles faziam da mesma. Era uma tarefa necessária, pois o hebraico bíblico não era entendido pelo povo comum. Não eram homens de riqueza ou possuidores de bens, mas de influência e responsabilidade o que lhes conferia um grande prestígio. Buscavam a sua glória. Os escribas argumentavam na base da Escritura e principalmente na interpretação da mesma pelas grandes autoridades passadas. Jesus fala de modo direto e em seu próprio nome: Eu, porém, vos digo (Mt 5, 22; 28; 32; 34). Contrariamente à opinião dos rabinos ordenados, a voz de Jesus soava como a de um profeta que falava em nome de Jahweh: oráculo do Senhor. Alguns escribas estavam perto do Reino (Mc 12, 34), mas a maioria deles criticavam Jesus porque não seguia as tradições (Mt 15, 3), ou perdoava os pecados (Mt 9, 3) e esperavam um milagre espetacular para acreditar nele, sendo que atribuíam alguns dos milagres de Jesus a uma aliança diabólica. Como vemos hoje, o pior pecado será não saber, ou melhor, não querer reconhecer o Messiado de Jesus. Não acreditaram nele e nem em suas obras (Jo 10, 38).
OS FARISEUS: Inicialmente formavam parte dos Hashidim, [traduzido por Assideus] ou piedosos, nos tempos dos Macabeus. A palavra fariseu deriva do hebraico Perishut, que significa abstinência e separação. O plural perishim é traduzido como farishim. Aparecem pela primeira vez como opositores a Alexander Janeu (103-76 aC), opostos à política militar de quem era sumo Sacerdote e rei de Israel. No ano 90, por ocasião da festa dos Tabernáculos, a multidão, em sua maioria simpatizante dos fariseus, acometeu contra ele com uma saraivada de limões quando ele se preparava para oferecer um sacrifício no templo. Injuriaram-no e o declararam indigno de realizar este ato sagrado. Tal reação foi brutalmente reprimida. Janeu matou mais de 6 mil pessoas. Janeu, no seu testamento, quis se reconciliar com os fariseus. Sua viúva, Alexandra, mulher piedosa, afastou do poder os que tomavam liberdade em relação às leis religiosas. E os fariseus praticamente tiveram o poder em suas mãos até a morte da rainha em 67. Segundo Josefo, a seita dos fariseus tinha a reputação de fornecer os intérpretes mais rigorosos das leis; eles representavam a seita superior; atribuíam tudo ao destino e a Deus. Fazer o bem ou o mal depende essencialmente do homem, mas também para ambos intervém o destino. Aceitavam que todas as almas são imortais, mas que somente as almas dos justos passam para outros corpos, sofrendo as almas dos celerados um castigo eterno. Os fariseus têm afeição uns pelos outros e vivem harmoniosamente visando o bem comum. Segundo este mesmo historiador, os fariseus se opuseram à Herodes, o Magno, e recusaram o juramento em número de 6 mil [a população da palestina era de 70 mil habitantes o que dá a ideia de que quase um de cada dez habitantes era fariseu]. Sua influência notava-se especialmente nas classes médias e pobres da sociedade. Após a guerra de 70 eles ficaram sós, desaparecidos saduceus e zelotas, e se tornaram caracteristicamente judeus, pois já não eram mais os separados. Foram os precursores dos rabanitas [os rabinos dos quais dependia o Talmud], assim como os saduceus foram os antecessores dos caraítas [movimento liderado por Anan Bem Davi de Bagdá (c 760)] que precisamente não aceitavam o Talmud, o corpus júris ou código básico da lei civil e canônica do judaísmo pós-bíblico, que compreendia a Mishná, texto fundamental em hebraico, e a Guemara aramaica.
JESUS JULGA OS ESCRIBAS: Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem (3). Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los (4).Omnia ergo quaecumque dixerint vobis servate et facite secundum opera vero eorum nolite facere dicunt enim et non faciunt. Alligant autem onera gravia et inportabilia et inponunt in umeros hominum digito autem suo nolunt ea movere. Os letrados e os fariseus determinavam a vida dos judeus por meio de preceitos que visavam aggiornare [atualizar] a lei mosaica. Jesus admite a autoridade dos mesmos ao pedir a seus seguidores [de Jesus] que realizem e guardem tudo que eles [os escribas e fariseus] dizem que deve ser cumprido (3). Mas existia um porém, que rejeitava não o ensino em si mesmo, mas o exemplo que todo mestre deve dar como sendo consequente com suas convicções. Mesmo o ensino é indiretamente criticado por Jesus quando diz que se tornara em impor preceitos impossíveis, que podemos traduzir do grego como atam cargas pesadas insuportáveis de carregar [que arrebentam as costas - diz um intérprete] (4). Essa é a primeira parte; mas logo vem a hipocrisia dos legisladores. Pois eles mesmos nem com um dedo querem mover (4). Lucas, em lugar paralelo, se refere aos nomikoi [intépretes da lei] que colocais sobre os homens cargas insuportáveis e vós mesmos nem com um dedo as tocais (Lc 11,46). Evidentemente essas cargas são obrigações e deveres a cumprir porque os nossos intérpretes as declaravam como válidas e obrigatórias. Jesus ante este oprimente espetáculo, dirá de si mesmo, novo legislador: Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração; pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt 11, 28, 30). Os juristas da época chamavam ao conjunto dos Mitzvoth [preceitos], jugo da lei. Eles diziam que era a expressão da vontade divina que elevava o homem gradativamente à condição de Devekut, isto é, de vida em sociedade com Deus, e que foram compilados como Taryag Mitzvot [taryag=valor numérico das letras =613], pois eram em número de 613, aos quais os rabinos acrescentaram outros 7 chamados de Mitzvot Derabana [mandamentos rabínicos] (ver Is 14, 25 e Jr 2, 20). Vemos como estes preceitos estão ligados ao serviço e obediência que devemos à soberania divina. Parece que o que era mais pesado eram os preceitos sobre a impureza legal, enormemente dificultosos de levar à prática, especialmente para aqueles que tinham que ganhar sua vida com um trabalho duro de sol a sol. Que significa nem com um dedo querem move-los? Talvez porque não admitiam nenhuma dispensa ou epiquéia [interpretação moderada e prudente em casos de extrema dificuldade].
OSTENTAÇÃO: E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes (5). Omnia vero opera sua faciunt ut videantur ab hominibus dilatant enim phylacteria sua et magnificant fimbrias. A afirmação de Jesus é rotunda: fazem todas as suas obras com o intuito de serem vistos pelos homens [no sentido de buscar seus aplausos] (5). E Jesus aponta uma série de exemplos: Alargam seus filactérios (5). Os filactérios [5440>=phylacteria] [Tefilim hebraico] eram duas caixinhas de couro contendo quatro trechos do Pentateuco que os israelitas usavam a partir dos 13 anos [maior de idade] durante as orações matinais, exceto aos sábados e dias festivos. Os tefilim colocam-se, um no braço esquerdo frente ao coração, e o outro na testa, ligados com fitas de couro, significando que os pensamentos e sentimentos humanos devem ser dirigidos a Deus, e sua Torah estar em nossos lábios. Os dois Tefilim simbolizam também os dois princípios da vida humana, teoria e prática, isto é: pensamento e ação. E o da mão acrescenta também o sentimento. Dentro das caixinhas estavam escritos os 4 textos do Shemá. Assim se guardava o mandato de Êx 13, 16 de ser como um sinal em tua mão e como um frontal entre teus olhos. O grego filacterion significa um lugar fortificado e também uma caixa para recordar, ou amuleto. Dentro das caixas encontravam-se enroladas as pequenas tiras de couro em que estavam escritas as palavras do Shemá; serviam, além do lembrete, como amuleto para evitar várias doenças ou males e afugentar demônios. Os fariseus acostumavam alongar as tiras e as caixas para mostrar que eles estavam mais empenhados do que a maioria em recordar a lei de Deus. Se um israelita devia tê-los postos na oração da manhã [Tefilá significa oração], um fariseu os levava durante todo o dia, expressando assim sua fidelidade à Lei. Os textos dentro das caixinhas eram: Dt 11,13-22; 6, 4-9 e Êx 13, 11-16 e 2, 10. Eram, pois, o cumprimento material de Êx 13, 9-16 e Dt 6, 8 e 11, 18. As franjas [kraspeda<2889>=fimbrias] do Talit: Os judeus cobriam com um chalé ou manto curto, a cabeça e os ombros durante a oração matinal. O Talit era de pano retangular de lã ou seda, com listas negras ou azuis paralelas e perto das bordas menores e um galão às vezes bordado com fios de prata ou ouro na borda que cobria a cabeça e rodeava o pescoço. Das quatro pontas pendiam os Tzitzit, borlas cujo número total de fios igual ao número de mandatos da Lei, segundo Nm 15, 37-41(ver figura). O Talit expressa a ideia de revestimento do espírito de santidade para executar os preceitos divinos e recordar que não devemos seguir os impulsos maus de nosso coração, nem tudo o que nossos olhos veem. O revestimento do Talit deve cobrir mais da metade da parte superior do corpo na sinagoga, é também exemplo de igualdade dos homens perante Deus, que não faz diferença entre ricos e pobres, pequenos e grandes. A palavra era Tzit significa escudo. Era a placa frontal usada pelo Sumo sacerdote, incrustada com as doze pedras preciosas coloridas, uma para cada tribo de Israel, nos ofícios litúrgicos do Templo. Hoje uma reminiscência da mesma é usada pelos judeus asquenazis, de origem oriental. Mas o Tzitzit em suas letras tem o valor numérico de 613, tantos como Mitzvot existiam na Lei. Como não se menciona o Yamulke ou Kipá usado nas sinagogas, daí que pensemos que os fariseus levavam estas vestes na rua em ostentação. Lucas resume para leitores ignotos dos costumes judaicos: gostam de levar vestidos ostentosos (Lc 20, 46). Este é também o resumo de Marcos: passear com vestidos ostentosos (12, 38).
OSTENTAÇÃO: E Mateus prossegue: Amam os primeiros lugares nos jantares [banquetes] e as primeiras cátedras [os primeiros assentos] nas sinagogas (6). E as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens: Rabi, Rabi. Amant autem primos recubitus in cenis et primas cathedras in synagogis et salutationes in foro et vocari ab hominibus rabbi. Eram estes os lugares de preferência que denotavam a sabedoria dos que os ocupavam e de modo especial nas sinagogas eram os bancos que estavam de frente ao público de onde se podia encarar a congregação. Lucas dirá unicamente ocupar os primeiros postos nas sinagogas (20, 46), porque os não-judeus nada sabiam sobre os banquetes de fim de semana, aos sábados, em que os fariseus compartiam sua fraternidade. E Mateus termina o relato dos vícios dos escribas dizendo que gostam de serem saudados nas praças e serem chamados pelos homens de Rabi, Rabi [mestre meu] (7). Tinham, pois, em grande estima sua ciência e sua preponderância. Por isso agora compreendemos melhor a razão de Jesus ao afirmar: aprendei de mim que sou manso e humilde de coração (Mt 11, 29).
A CONDUTA CRISTÃ: Vós não queirais ser chamados de Rabi, pois um só é o vosso Mestre e todos vós sois irmãos (8). E não chameis Pai a ninguém na terra; pois um é vosso Pai, o celeste (9). Nem ambicioneis ser chamados de Guias [kathegetai], porque um só é vosso guia, o Messias (10). Vos autem nolite vocari rabbi unus enim est magister vester omnes autem vos fratres estis et patrem nolite vocare vobis super terram unus enim est Pater vester qui in caelis est. Nec vocemini magistri quia magister vester unus est Christus. Era costume entre os discípulos de chamar seus mestres de Rabi, significando mestre meu, mas que provém da raiz Rab [grande] e que poderia significar meu grandioso, meu Senhor. Também chamavam de Pai o Rabi, o mestre, porque a ele deviam a honra que se dava ao pai natural. Era também o título dos membros do Grande Conselho ou Sinédrio de Jerusalém. Esta perícope é dirigida aos discípulos de Jesus para evitar atitudes farisaicas que acaba de rejeitar como vício de orgulho e ostentação entre os sectários daquela organização. Pai significava transmissor de tradição e modelo de vida. Temos que olhar mais o espírito [a fome de ser distinguidos] do que a materialidade das palavras. Por isso estão redigidas as frases na passiva: não ambicioneis ser chamados. Jesus não impede o nome, mas a ambição do título. E ao mesmo tempo dá a razão do porquê não é lícito desejar tais títulos: Na realidade só existe um Mestre [Jesus] e só um Pai (espiritual) [o celeste]. Porque este deve ser o verdadeiro sentido da palavra. A palavra grega kathegetes [<2519>=magister] significa conselheiro e guia espiritual. Algum comentarista descobre aqui uma referência ao grande Mestre da Justiça dos essênios de Qumrã.
CONSELHOS POSITIVOS: O maior de vocês será vosso servidor (11); porque quem se exalta a si mesmo será abaixado e quem se abaixa será exaltado (12). Qui maior est vestrum erit minister vester qui autem se exaltaverit humiliabitur et qui se humiliaverit exaltabitur. A palavra maior evoca o Rab [grande] de Rabi. E é como se dissesse quem quer se tornar Rabi que seja o servidor [diakonos] de todos. Ele dará uma lição inesquecível: a da verdadeira humildade, base da relação não unicamente do homem com Deus, mas dos homens entre si. A última frase é um provérbio que já foi usado no AT em Provérbios 29, 23: A soberba do homem o abaterá, mas o humilde de espírito obterá honra.
PISTAS:
1) Há duas repulsas da conduta dos escribas e fariseus que também podem ser atuais: a hipocrisia e a ambição. A hipocrisia, especialmente a religiosa, é a maior mentira ou falsidade pessoal que podemos encontrar num líder no qual temos depositado a nossa confiança. Pois por trás da hipocrisia se oculta um desejo de aproveitar-se da sinceridade dos outros. E se a hipocrisia é religiosa, afeta a fé, a mais íntima das convicções humanas. É uma total destruição do que temos de mais venerado e santo em nossas vidas. Já podemos desconfiar de tudo e de todos, pois o engano se reveste de sinceridade, e a mentira se torna verdade e as trevas se revestem com o manto da luz.
2) A ambição: O verdadeiro religioso é um servidor de Deus e dos homens. Como ele poderia, ao mesmo tempo, servir-se só a si mesmo? Pois a ambição é um culto à própria personalidade que logicamente está contra o verdadeiro culto a Deus e do serviço ao próximo. Compreende-se agora por que Jesus dirige suas mais terríveis imprecações contra esse tipo de pessoas que tanto dificultam a verdadeira religião: Ai de vós legistas e fariseus hipócritas!
3) O serviço religioso é considerado uma liderança e, portanto, pode dar lugar à vaidade. É possível que grande parte dos fracassos na evangelização tenham como causa a vaidade dos evangelizadores, dispostos a se atribuírem os êxitos quando estes são produto da graça de Deus. Por isso, Jesus dirá: depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis porque fizemos apenas o que devíamos fazer. (Lc 17,10).
EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA
- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.
- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.
Interpretação errada do evangelho:
- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).
Consequências:
- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.
CAMPANHA DA VELA VIRTUAL DO SANTUÁRIO DE APARECIDA
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QUE DEUS ABENÇOE A TODOS NÓS!
Oh! meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno,
levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente
as que mais precisarem!
Graças e louvores se dê a todo momento:
ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!
Mensagem:
"O Senhor é meu pastor, nada me faltará!"
"O bem mais precioso que temos é o dia de hoje! Este é o dia que nos fez o Senhor Deus! Regozijemo-nos e alegremo-nos nele!".
( Salmos )
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