GOTAS DE REFLEXÃO - EVANGELHO DOMINICAL
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! Em tantos momentos de nossa vida nos perguntamos: Que sentido tem o sofrimento e a dor que acompanham a caminhada da humanidade? Qual a "posição" de Deus diante dos dramas que marcam a nossa existência? A liturgia deste domingo reflete justamente sobre estas questões fundamentais. Garante-nos que o projeto de Deus para o homem não é um projeto de morte, mas é um projeto de vida verdadeira, de felicidade sem fim. Jesus nos ensina a celebrar e a viver a partir de nossas dores. Ele nos toma pela mão e nos garante a vida em plenitude. Para isso, somos convidados a nos colocar a serviço, à semelhança Dele, que se fez servo de todos. Lembramos que no próximo sábado celebramos a solenidade de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira de nossa Diocese. Rezemos por todos que doam sua vida para que muitos possam ter vida em nossa Diocese. Sintamos o júbilo real de Deus em nossos corações e cheios dessa alegria divina entoemos cânticos jubilosos ao Senhor!
(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Jó 7, 1-4.6-7): - "Jó comenta, com amargura e desilusão, o fato de não conseguir perceber Deus diante dos sofrimentos que passa. Apesar disso, é a Deus que Jó se dirige, pois sabe que ele é a sua única esperança."
SALMO RESPONSORIAL 147(146): - "Louvai a Deus, porque ele é bom e conforta os corações."
SEGUNDA LEITURA (1 Cor 9, 16-19.22-23): - "Na ação e no testemunho, os discípulos de Jesus não podem ser guiados por interesses pessoais, mas sim pelo amor a Deus, ao Evangelho e aos irmãos."
EVANGELHO (Mc 1,29-39): - "Na ação libertadora de Jesus em favor da humanidade, começa a manifestação do mundo novo sem sofrimento, sem opressão que Deus sonhou para os homens. A ação de Jesus tem de ser continuada pelos seus discípulos."
Homilia do Diácono José da Cruz – 5º Domingo do Tempo Comum
"A PERIGOSA FÉ DA MAGIA..."
Gosto muito de ouvir histórias de pessoas que montaram um pequeno negócio, e após muito esforço foram bem sucedidas, tornando-se gestores de grandes empresas, agindo sempre com ética e honestidade. O bom empreendedor é sempre ousado e pensa “grande”, tendo uma visão audaciosa do futuro, atitude muitas vezes até criticada e questionada pelos acomodados que pensam “pequeno” porque têm medo de arriscar. Se o empreendedorismo é fator dos mais importantes no desenvolvimento de uma nação, de uma empresa ou de qualquer negócio, no reino de Deus não poderia ser diferente, porém, é preciso ter os pés no chão, trabalhando a cada dia com vistas à grandiosidade que se vislumbra, pois o homem de fé, mais do que ser otimista, já vai construindo no hoje da história, o reino de Deus alicerçado pelo próprio Cristo.
No evangelho desse quinto domingo do tempo comum, podemos perceber nitidamente essa diferença no modo de pensar e agir, entre Jesus e os seus discípulos. Enquanto o mestre pensa em algo grandioso, querendo expandir o projeto recém iniciado, os discípulos estão seguros de que já alcançaram o sucesso e demonstram grande interesse em montar ali, na casa de Simão, uma “Tenda dos Milagres”, pois o carisma de Jesus já tinha atraído uma grande e imensa clientela, ao curar os enfermos e expulsar os demônios, por isso aonde ele ia, a multidão maravilhada com os sinais prodigiosos, o seguia.
Há nesta fé da magia, a perspectiva de um negócio altamente lucrativo em todos os sentidos, pois Jesus tem o perfil do Messias esperado, poderia ser ele o salvador da pátria, capaz de dar a grande virada na história de Israel, e um populismo assim, era tudo que eles queriam para concretizar a libertação com que sonhavam. Não conseguiam vislumbrar em Jesus algo além dos seus ideais humanos, que também eram importantes e tinham o seu valor, mas Jesus não veio para ser o Rei dos Milagreiros, nem para ser um libertador político, pensar assim é pensar “pequeno”, ter uma fé com essa expectativa de um Cristo prodigioso, que interfere com seu poder na vida das pessoas, quando essas fazem por merecer, realizando milagres e curas inexplicáveis, é menosprezar toda a obra da Salvação, é fazer da Igreja uma simples tenda dos milagres, é abusar de certos carismas recebidos, explorando assim a boa fé das pessoas, e Cristianismo não é isso.
Curas de enfermidades o Cristo as realizou ontem, e realiza também hoje, mas estas são simples sinais de algo maior, de um empreendimento mais arrojado, com o qual todos têm de se comprometer, acreditar, deixar de ser um torcedor para entrar em campo e “suar a camisa” por aquilo em que se acredita. E como é que podemos, com nossas limitações e fraquezas, sermos parceiros de Deus nesse projeto tão arrojado, que plenifica e ao mesmo tempo transcende, qualquer empreendimento humano?
O evangelho responde em seu início, logo que Jesus sai da sinagoga e vai á casa de Simão, onde os discípulos correm para lhe falar que a sogra de Pedro estava acamada e com muita febre. Era uma pessoa debilitada, entregue ao desânimo, que muitas vezes chega à vida de alguém, que doença seria essa? O comodismo e o desânimo, o egocentrismo, a indiferença na relação com as pessoas, nas comunidades cristãs há pessoas assim, que precisam de ajuda, para cair na realidade. Jesus não diz uma só palavra, mas apenas estende a mão e a ajuda a levantar-se do seu leito. Como é bom quando sentimos que o outro nos estende a mão, em um grandioso gesto de ajuda...
Como é bom agarrar com firmeza a mão amiga, que nos permite levantar e dar a volta por cima, diante de tantas situações difíceis da nossa vida.Amor que se traduz em gestos de solidariedade, um toque de mão que transmite segurança, afeto, ânimo e esperança, sem muito ritual pomposo, sem êxtases arrebatadores. Como resultado desse gesto de ajuda, a mulher se levanta a febre a deixa e agora se põe a servir a comunidade. É na oração íntima com Deus Pai, que Jesus de Nazaré fortalece a sua missão, cumprindo a vontade daquele que o enviou, pois sem a oração, a nossa igreja seria apenas um Posto de atendimento de serviço religioso ou balcão de Sacramentos.
É na oração que acontece este colóquio com o Pai, aonde vai se descortinando para nós a plenitude do Reino, que humildemente vamos construindo com gestos simples como o de Jesus, capaz de erguer as pessoas que estão ao nosso lado.
Os discípulos, encantados com o carisma e o Poder do mestre, querem urgentemente abrir um “pequeno negócio”, um salãozinho de fundo de quintal, onde eles teriam naturalmente o monopólio sobre Jesus e seus milagres, mas o Mestre pensa grande, ele não veio para que as pessoas o buscassem, mas para ir ao encontro delas, curando de suas enfermidades e as libertando dos males físicos e espirituais, como um sinal da libertação plena.
É esse o Cristo que devemos anunciar como Igreja missionária, pois qualquer outra imagem diferente da que nos apresenta o evangelho, seria apenas uma caricatura grotesca, uma cópia falsificada de um mero “Salvador da Pátria”, desses que vez ou outra, o povo gosta de aclamar como Rei...
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa –5º Domingo do Tempo Comum
“Orar pelos outros”
Não sei se também durante a vida terrena do Filho de Deus as sogras já tinham má fama, o fato é que Jesus estende a sua mão misericordiosa a todos: no dia de hoje, lemos que ele curou a sogra de Simão. Você já ouviu aquela piadinha que defende ironicamente que Pedro traiu Jesus porque tinha curado a sua sogra? Ainda assim, conheço sogras admiráveis. Você também, querido leitor, talvez seja dessas pessoas que teve a ventura de não só conhecer, mas de ter uma sogra maravilhosa. No entanto, a bem da verdade, o meu interesse não é falar de sogras, eu quero sublinhar o fato de que ela só foi curada porque outros pediram, intercederam por ela.
O Catecismo da Igreja Católica contêm três parágrafos muito expressivos sobre a oração de intercessão (cf. Cat. 2634-2636). Em primeiro lugar, nos apresenta Jesus e o Espírito Santo como os grandes intercessores junto do Pai. Depois, mostra-nos a beleza e eficácia da intercessão que nós podemos fazer em favor dos outros. Pedir pelos outros “é próprio de um coração que está em consonância com a misericórdia de Deus”. O Catecismo também nos apresenta a oração de intercessão em conexão com aquela verdade de fé tão importante que é a comunhão dos santos, como expressão dessa comum-união. Neste sentido, também fica patente que devemos viver tudo isso não de maneira individualista, mas como membros da grande assembleia das filhas e dos filhos de Deus, como membros da Igreja.
Jesus está totalmente dedicado ao serviço do seu Pai do céu e, por amor ao Pai, de todos os seres humanos. Na primeira parte do Evangelho ele aparece curando a sogra de Simão; na segunda, ele ajuda a tantas outras pessoas necessitadas; na terceira, ele dedica-se a oração para continuar aquela ação penetrada pelo diálogo com Deus: “Ele retirou-se dali, pregando em todas as sinagogas e por toda Galileia, e expulsando os demônios” (Mc 1,39). A oração e a ação de Jesus são inseparáveis: ele reza para agir em nosso favor, ele faz o bem a todas as criaturas contemplando o Pai e com ele dialogando, ou seja, em oração.
Rezemos pelos outros, especialmente por aqueles que estão mais necessitados. Santa Teresa animava as suas carmelitas a rezarem pelos outros com as seguintes palavras: “tenhamos, irmãs, cuidado particular de suplicar, e não descuidar, já que é uma grande esmola rezar pelos que estão em pecado mortal; é um ato de caridade muito grande; é como se víssemos um cristão com as mãos amarradas com fortes correntes, amarrado a um poste e morrendo de fome, não por falta de comida, já que perto de si tem verdadeiros manjares, mas não pode comer porque não consegue levá-los à boca, está também muito cansado e vê que já vai morrer, não morte como esta, mas eterna. Não seria grande crueldade ficar olhando para ele e não chegar-lhe à boca um pouco de comida Pois então… e se pela oração as correntes fossem retiradas Vejam que maravilha! Por amor de Deus vos peço que sempre tenhais presente em vossas orações almas semelhantes” (S.Teresa de Jesus, Moradas 7ª,1,4).
Não somente pelos pecadores (entre os quais nos incluímos), mas também pelas necessidades da Igreja e do mundo, pelo Santo Padre Bento XVI e seus colaboradores, pelo Bispo e por toda a Diocese, pelos que governam o País, pelos nossos familiares e amigos, pelas almas do purgatório etc. Por todos!
Peçamos também a intercessão daqueles que já estão na glória do Senhor. Claro está que se uma pessoa, um comedor de arroz com feijão, pode orar por mim… Como não intercederá por mim de maneira eficaz alguém que já está contemplando o rosto de Deus? E caso se afirmasse que os que morreram em Cristo estão simplesmente dormindo, seria preciso lembrar aquela passagem segundo a qual “está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo” (Hb 9,27) e a recompensa eterna: “hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). O coração daqueles que estão reinando com Cristo se dilatou pela perfeição da caridade, eles amam os seus irmão, nós que estamos ainda peregrinando, e nos ajudam com as suas orações, intercessões e súplicas ante o trono da Divina Majestade.
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
Comentário Exegético – 5º Domingo do Tempo Comum - Ano B
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA (1 Cor 9, 16-19. 22-23)
NECESSIDADE DE EVANGELIZAR: Se, pois, anuncio o evangelho,não há lugar a me gloriar; porque a necessidade me obriga. Já que, ai de mim se não evangelizar!(16). Nam si evangelizavero non est mihi gloria necessitas enim mihi incumbit vae enim mihi est si non evangelizavero. Paulo passa agora à defesa de seu modo de realizar o ministério apostólico. Não só foram os trabalhos e sofrimentos; mas, o que era mais importante, é que Paulo não recebeu nenhuma recompensa por seu trabalho apostólico. Evangelizar era um dever para Paulo e uma necessidade. Seu mérito era fazê-lo sem receber recompensa. Um outro motivo de vanglória é que Paulo se tornou servo de todos para ganhá-los assim para o evangelho. Não prega como superior, mas como quem presta um serviço, acomodando-se aos desejos do amo. ME GLORIAR [kauchëma <2745>=gloria] não existe motivo para me possuir ou orgulhar.Kauchëma é a palavra usada por Paulo em Rm 4, 2 ao dizer que se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus. A razão é que foi obrigado a evangelizar, como disse em Rm 1, 14: Eu sou devedor, tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes. E o afirma dizendo que a NECESSIDADE [anagkë <318>=necessitas] como si fosse uma espada de Dâmocles pendente em sua vida, pois usa o verbo epikeimai [<1945>=incumbere], o verbo usado por João para descrever o sepulcro de Lázaro que era uma caverna, e tinha uma pedra posta sobre ela (Jo 11, 38). Chamado para isso, segundo a voz dos profetas, que lhe impuseram as mãos e o enviaram junto com Barnabé (At 13, 2-3). Era um chamado ou vocação por parte de Deus que não podia ser recusado. Daí que se sentisse devedor para com todos como afirma em Rm 1, 14.
A RECOMPENSA: Se, pois, voluntariamente isso pratico, tenho recompensa; se porém forçado, estou encarregado de uma administração (17). Si enim volens hoc ago mercedem habeo si autem invitus dispensatio mihi credita est. Neste versículo, Paulo continua falando de seu ministério, que podia realizar de duas maneiras diferentes: voluntariamente, e de modo forçado. VOLUNTARIAMENTE [ekön<1634>=volens] como em Rm 8, 20: Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou. O contrário é obrar FORÇADO [akön<210>=invitus] apax neste versículo. Trabalhando por livre vontade, como homem livre, é lógico que Paulo tem direito a uma recompensa ou SALÁRIO [misthos<3408>=merces]. Assim era o costume que o direito romano ratificava. Mas se o trabalho era o de um escravo, forçado a fazê-lo, unicamente se podia concluir que era como o de um administrador que na época era efetuado pelo escravo responsável; e que, segundo o evangelho, não tinha outra opção nem outro prêmio que o de ter feito o mandado: Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos sem retribuição, porque fizemos somente o que devíamos fazer (Lc 17, 10).
GRATUITAMENTE: Qual é então minha recompensa, a fim de que evangelizando, de graça proponha o evangelho de(o) Cristo para não abusar de minha autoridade? (18). Quae est ergo merces mea ut evangelium praedicans sine sumptu ponam evangelium ut non abutar potestate mea in evangelio. DE GRAÇA [adapanos <77>=sine sumptu] é também um apax que só sai neste versículo e significa sem paga, composto do negativo a e do nome dapanë que significa custo, despesa ou gasto. Nisso Paulo acha causa de orgulho e vanglória. E acrescenta: para não ABUSAR [katachrësasthai<2710>=abutar]. O verbo é usado uma outra vez em 1 Cor 7, 31: E os que usam [chrömenoi] deste mundo, como se dele não abusassem [katachrömenoi], porque a aparência deste mundo passa. Como vemos o prefixo Kata transforma o uso natural e necessário em abuso e exploração. Paulo pensa que obter proveito e paga por evangelizar é um abuso de sua AUTORIDADE [exousia<1849>=potestas] de apóstolo. Segundo ele, o ideal é evangelizar gratuitamente, sem receber salário ou recompensa. Assim o fez nas suas missões evangélicas e assim o declara como sendo seu título de orgulho. Ele recordará no seu sermão de despedida aos de Éfeso, como não recebeu emolumento algum por seu ministério e recordou as palavras do Senhor Jesus, que disse: Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber (At 20, 35).
TORNOU-SE ESCRAVO: Pois sendo livre de todos, a todos me escravizei para ganhar os mais (19). Nam cum liber essem ex omnibus omnium me servum feci ut plures lucri facerem. LIVRE [eleutheros<1658>=liber] num mundo classista, os homens se dividiam entre livres e escravos. Paulo afirma que ele não é escravo, sujeito a amo algum. Ele mesmo o tinha afirmado pouco antes na mesma carta: Não sou eu apóstolo? Não sou livre? Porém, se tornou escravo, ME ESCRAVIZEI [edoulösa<1402>=me servum feci] para servir a todos. E assim poder ganhar o maior número possível [para Cristo]. E, na continuação, que não forma do texto epistolar, declara como se tornou como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei (v 20). Essa foi a razão pela qual circuncidou Timóteo por causa dos judeus que estavam naqueles lugares; porque todos sabiam que seu pai era grego (At 16, 3). Ou para os gentios, os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. De modo que não obrigou aqueles cujo pai era gentio a se circuncidar e por isso teve com Pedro uma discussão em Antioquia (Gl 2, 11). Neste instante, o texto é reassumido pela liturgia.
FEZ-SE TUDO PARA TODOS: Tornei-me para os débeis como débil, para ganhar os débeis; para todos fiz-me tudo para de todos os modos salvar alguns (22). Factus sum infirmis infirmus ut infirmos lucri facerem omnibus omnia factus sum ut omnes facerem salvos. DÉBEIS [astheneis<772>=infirmi] a palavra asthenës pode significar enfermo como em Lc 10, 9: E curai os enfermos que nela houver. E pode significar pessoas que por seu baixo nível de nascimento e posses nunca chegam a ter influência, mas são desprezadas na sociedade, como em 1 Cor 4, 10: Nós somos loucos por amor de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos [astheneis], e vós fortes; vós ilustres, e nós vis. Evidentemente é esta última a situação que Paulo quer descrever aos de Corinto. O texto anterior claramente define esta política de Paulo. É uma prática de acomodação à cultura e pensamento dos ouvintes do evangelho, sempre que não esteja em detrimento da verdade cristã e fraternidade entre as igrejas.
PARTE DO EVANGELHO: Pois isto faço pelo evangelho para me tornar coparticipante do mesmo (23). Omnia autem facio propter evangelium ut particeps eius efficiar. Essa atitude de Paulo é um ato de serviço, que sempre o situa em humilhado ao quem presta seu ministério em nome de Cristo. Cumpre-se assim o que Jesus disse de sua missão: o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos (Mt 20, 28). COPARTICIPANTE [sigkoinönos<4791>=participes] É parceiro ou associado; alguém como diz João no Apocalipse 1, 9: Eu, João, que também sou vosso irmão, e companheiro na aflição, e no reino, e paciência de Jesus Cristo. Com esse mesmo espírito, Paulo diz que ele forma parte do anúncio evangélico.
EVANGELHO (Mc 1, 29-39) - MILAGRES E ORAÇÃO DE JESUS
(Lugares paralelos: Mt 8, 14-17 e Lc 4, 38-41)
INTRODUÇÃO: O milagre assim como a parábola é uma característica da vida pública de Jesus. Não é o milagre, pelo maravilhoso do fato, que a Bíblia o apresenta, mas pelo que contém de acontecimento em que se pode ver a revelação do poder de Deus e o signo da salvação. Por isso, João os chama de semmeia [sinais] no lugar de dynamis [força ou poder; work of power inglês] a palavra usada pelos outros evangelistas. Em geral, o milagre é uma cura extraordinária, ou a expulsão de um demônio, como era acreditadas determinadas doenças na época. Porém, há outros fatos extraordinários que também recebem os nomes anteriormente escritos: A conversão da água em vinho, segundo João foi o primeiro dos sinais feito por Jesus na Galileia. A multiplicação dos pães também recebe este apelativo (Jo 6, 26). Mas os judeus esperavam algo mais contundente: um sinal do céu (Mt 12, 38) que não seria dado (Mt 12, 39).
PRIMEIRA PARTE: A CURA DA SOGRA DE SIMÃO(29-31)
SAINDO DA SINAGOGA: Assim, imediatamente, tendo saído da sinagoga, entraram na casa de Simão e André, junto com Jacó e João (29). Et protinus egredientes de synagoga venerunt in domum Simonis et Andreae cum Iacobo et Iohanne. Imediatamente, dirá Marcos, saindo da sinagoga ou levantando-se da sinagoga entraram na casa de Simão, dirá Lucas (4, 38). Os serviços religiosos demoravam toda a manhã do sábado, de modo que terminavam ao meio dia. Era, pois, a hora da refeição. Junto com Simão e André, estavam os dois novos discípulos de Jesus: Jacob [Tiago] e João. A distância não era grande, pois a cidade era pequena, como vimos em comentários anteriores.
A SOGRA: Estava, porém, a sogra de Simão deitada, febril, e logo lhe falam sobre ela (30). Decumbebat autem socrus Simonis febricitans et statim dicunt ei de illa. Os três evangelistas falam sobre a SOGRA [penthera] de Simão que estava doente, de cama, com febre muito alta. Tomada de grande febre, dirá Lucas (4, 38). E pediram a Jesus por ela. Qual era a doença? Talvez impaludismo, ou malária, porque tinha começado com uma febre muito alta; assim tão de repente, só poderia ser uma dessas doenças a causa. O impaludismo é endêmico em países pantanosos. O agente é o mosquito anopheles que transmite o plasmodium; e o sintoma característico é a febre, com acessos de dois ou três dias de intervalo, que se espaçam com a evolução da doença. Ainda não existe uma vacina nos dias de hoje. O nome de malária foi dado na Itália em 1847 por Torti, porque se acreditava que o mal era causado pelo ar mau [malaria em italiano] ou miasmas que se desprendia das águas estancadas e dos terrenos pantanosos; o de impaludismo [paludismo em espanhol] porque predominava nos lugares pantanosos que em italiano eram paludes do latim palus. Era doença que se dava principalmente na terminação da época pluvial e início da seca. Do relato, deduzimos que Simão Pedro era casado. Imediatamente, depois de chegar em casa, Jesus se informa da doença da sogra de Simão.
A CURA: Então, tendo-se aproximado, a levantou, tendo segurado a mão dela e a febre a abandonou. E imediatamente os servia (31). Et accedens elevavit eam adprehensa manu eius et continuo dimisit eam febris et ministrabat eis. Therapeuô em grego significa servir, estar em serviço a um superior, cuidar de [como os médicos] e finalmente curar. A palavra cura significa também em latim estar ao serviço de, cuidar. No AT traduz o hebraico ebed como therapon [servo]. As línguas modernas tomam a raiz de therapeia e usa terapia para indicar tratamento de cura. No NT das 43 vezes em que aparece a palavra therapeuô, 40 é para significar o mesmo que Iaomai, termo médico para curar uma doença. E, especialmente nos evangelhos, usa-se therapeuô para os atos de Jesus, em que demonstra seu poder para restituir a saúde dos diversos enfermos. Nestes fatos estão se cumprindo a profecia de Is 53, 4 como declara Mt 8, 16-17. Eram atos de serviço muito mais do que prodígios, semelhantes aos que os theoi anthrópoi [homens divinos] operavam para demonstrar sua capacidade através de milagres. Tendo como base que toda doença era um castigo pelos pecados, quer individual, quer do coletivo correspondente [ver Mc 2, 5 no caso do paralítico, e Jo 8,11 e 9, 2], a cura é um sinal do perdão recebido e da libertação dos laços do maligno (Lc 13, 16). Por isso devemos ter em conta estas premissas, para afirmar que a cura não era uma simples compaixão de quem era médico supremo, mas a ação de uma visão muito mais ampla, como é o ofício de um salvador. O importante na cura era a visão teológica do Salvador e por isso Jesus exigia a fé. Fé no seu ministério, como poder sobre doenças malignas, muito mais do que fé na sua eficácia como médico ou mágico. Segundo o que vemos no evangelho de Lucas em lugar paralelo, Jesus mandou [epetimêsem] à febre que saísse do corpo da sogra de Simão (4, 39). Esta conduta de Jesus segue o pensamento contemporâneo de ver nas doenças, espíritos malignos pessoais, a exemplo do centurião (Mt 8, 8-9) que via em Jesus um homem com autoridade sobre determinadas doenças. Outra coisa foram os dois milagres de devolução de vida ao filho da viúva de Naim e ao seu amigo Lázaro: Em ambos, a compaixão foi a determinante da ação salvífica de Jesus (Lc 7, 13 e Jo 11, 35 e 38). No caso da filha de Jairo, ele ordena à menina e não à doença, embora houvesse dito que estava só dormindo (Mc 5, 41 Lc 8,54). Por isso, a exousia [autoridade] sobre os demônios é parte da dynamis [poder] sobre as doenças que Jesus transmite a seus discípulos. E uma importante observação: Quando Jesus cura o paralítico na casa de Simão disse: Para que saibais que o filho do homem [eu] tem poder para perdoar os pecados, ordena ao paralítico: levanta-te e anda. Ou seja, o poder de cura demonstra o poder de perdoar. Logo o poder de cura dos discípulos é a base de seu poder de perdoar ou reter os pecados (Jo 20, 23). Uma explicação teológica paulina é que Satanás tem poder de atormentar o corpo, pois entrega o incestuoso de Corinto de modo que o corpo fosse destroçado, mas pudesse se salvar no dia do Senhor (1 Cor 5, 5). As curas eram realizadas com a simples imposição das mãos, ou usando algumas poucas palavras, porque os rabinos proibiam orações sobre os enfermos por temerem que fossem palavras mágicas. Sabemos que os discípulos curavam usando óleo (Mc 6, 13) e que esta prática foi normativa na primitiva Igreja, como relata Tiago (5, 14). Nas recomendações finais de Jesus que manda proclamar o evangelho, lemos que os que tiverem crido serão acompanhados por sinais entre os quais está a imposição das mãos sobre os enfermos e estes serão curados (Mc 16, 18). Texto que serve, sem reserva nenhuma, para que muitos dos chamados carismáticos tomem o lugar dos médicos modernos. Este procedimento pode ser uma imprudência e temeridade: Tentar a Deus. As duas posturas, os curandeiros que recorrem às orações de Vodum e os espíritas, são inaceitáveis do ponto de vista católico. Também devemos ter muito cuidado com os carismáticos que se atribuem o dom de cura. Há exemplos de falhas tremendas. Os santos nunca falavam de ter esse dom, e o usavam de modo pontual e sem espetáculos de multidões.
SEGUNDA PARTE: AS CURAS (32-35)
CHEGADA À TARDE: Chegada à tarde, quando o sol se pôs, trouxeram-lhe todos os doentes e os possessos pelos demônios (32). Vespere autem facto cum occidisset sol adferebant ad eum omnes male habentes et daemonia habentes. Opsias<3789>de genomenes [chegada à tarde] não é uma frase redacional como parece, mas uma conformidade com a realidade, um pequeno detalhe que indica a grande autenticidade evangélica. Após a cura do endemoninhado, todos sabem que Jesus tem um poder de cura e pretendem aproveitar o Kayrós [oportunidade]. Mas a cura era um dos trabalhos não permitido em dia de sábado, e por isso esperam o pôr-do-sol, como diz com propriedade Marcos, ou seja, o início do dia seguinte. E Jesus cura tanto os que tinham doenças, os male habentes latino, que traduz literalmente o grego kakös echontes, assim como os endemoninhados. Já temos explicado a diferença entre os dois poderes de Jesus: a autoridade sobre os demônios e o poder sobre as doenças, que os evangelistas distinguem perfeitamente.
A RESPOSTA: E a cidade toda estava reunida junto à porta (33). E curou muitos que estavam doentes de muitas enfermidades e muitos demônios expulsou e não permitia que falassem os demônios porque o conheciam. Et erat omnis civitas congregata ad ianuam. Et curavit multos qui vexabantur variis languoribus et daemonia multa eiciebat et non sinebat loqui ea quoniam sciebant eum. A cidade era pequena e não podemos falar de grandes multidões como o texto poderia sugerir. NÃO DEIXAVA FALAR: A razão de que não deixasse falar os demônios é que sabiam quem ele era. Já explicamos no comentário do domingo anterior em que consistia o segredo messiânico de Marcos. Um Messias, rei davídico, era o que entenderiam através da linguagem demoníaca e não um servo sofredor que era a verdadeira imagem do autêntico Messias. Por isso a mentira devia ser calada para não ofuscar a verdade. O contrário seria suplantar o VERDADEIRO Messias, que era o que Paulo pregava nas sinagogas (At 9, 22) e que ele descrevia como o Messias CRUCIFICADO (1 Cor 2, 2), por um FALSO Messias produto de uma insatisfação política do momento. É a mesma mentira que a Igreja moderna teve que enfrentar com certos aspectos ou certas Teologias de libertação. Substitui-se a misericórdia e o perdão do pecado pela justiça e desta vez, não como nos tempos de Jansênio, mas a justiça humana. O Papa Bento XVI claramente advertiu que o opus primum da Igreja é a caridade. Os demônios antigos foram substituídos por alguns teólogos modernos.
TERCEIRA PARTE: ORAÇÃO DE JESUS (36-39)
CEDO DE MANHÃ: E muito cedo, na profunda noite, tendo-se levantado, saiu e foi a um lugar inóspito e lá orava (35). Então o procuraram Simão e os que com ele [estavam] (36). Et diluculo valde surgens egressus abiit in desertum locum ibique orabat. Et persecutus est eum Simon et qui cum illo erant. Sem dúvida que as curas, não muitas, porque a população de Cafarnaum não era tanta assim, demoraram algum tempo. Logo houve o descanso do sono noturno. Jesus levantou-se, como diz Marcos, muito cedo [prôi], bem à noite [ennychan lian], quando todos estavam ainda dormindo. Jesus se dirigiu a um lugar inabitado e lá estava orando. Assim o encontraram Simão e seus companheiros que o buscaram. Parece que este era um costume habitual de Jesus, que os apóstolos mais íntimos tiveram ocasião de presenciar no monte Tabor, sendo que talvez, fosse mais habitual essa conversa de Jesus com seres supranaturais, como parece que encontramos nas duas ocasiões em que os discípulos foram testemunhas: Moisés e Elias, na primeira vez (Mc 9, 4) e um anjo na segunda (Lc 22, 44). Ao falar de Simão e outros companheiros, Marcos delata certamente a origem deste comentário; pois, segundo a tradição, Marcos foi discípulo de Pedro.
MISSÃO MAIS AMPLA: E tendo-o encontrado, lhe dizem que todos te buscam (37). Então diz-lhes: Vamos para as aldeias vizinhas para que eu pregue lá. Para isto, pois, foi enviado (38). Et cum invenissent eum dixerunt ei quia omnes quaerunt te. Et ait illis eamus in proximos vicos et civitates ut et ibi praedicem ad hoc enim veni. Temos traduzido o grego nos tempos correspondentes para dar uma ideia melhor do texto, que vemos estar escrito num presente histórico. Uma vez encontrado, lhe disseram: todos te buscam. Ele respondeu: Vamos às vilas próximas [Eis tas echomenas kômopoleis]. Kômopolis é uma palavra composta de Kômê [=vila, aldeia] e polis [=cidade], indicando uma localidade habitada do interior. A palavra echomenos que poderia ser traduzida por habitado, tem em grego um significado próprio de próximo, contíguo. Vamos a essas próximas cidadezinhas para que também nelas pregue; pois para isso fui enviado. Com estas palavras, Jesus declara uma parte principal de sua missão: pregar o reino. A outra parte era o sacrifício, sem o qual, não haveria redenção. A Igreja tem o dever duplo de pregar o evangelho [nome com o qual se designa o Reino] e de renovar o sacrifício da cruz através da Eucaristia, que é um exemplo do que nós devemos fazer em nossas vidas. A GALILEIA: Por isso, Jesus pregava nas sinagogas da Galileia, lugar escolhido por Deus como privilegiado, para ouvir as palavras do Filho, que seriam luz também para as nações, em próximos anos (Mt 4, 15-16 e Lc 2, 32). EXPULSANDO DEMÔNIOS: Não é narrado como uma especialidade, mas como a derrota de um reino oposto ao divino, reino este que agora estava agindo (Mt 12, 28). Portanto o reino do mal ou de Satanás, agora encontrava o mais forte que o tinha reduzido em sua casa para apoderar-se da mesma (Mc 3, 27). É por essa razão que o evangelista propositadamente traz esta locução, como final do período de evangelização. Se os homens não se submeteram à palavra do Filho de Deus, pelo menos os demônios não puderam se subtrair a sua autoridade. Isso quer dizer que o Reino definitivamente triunfará.
PISTAS:
1) A cura está diretamente unida ao kêrygma evangélico ou é uma prova de que ele é autêntico? Quando os discípulos do Batista foram enviados para perguntar a Jesus se ele era o Messias ou deviam esperar um outro, Jesus responde com curas prodigiosas (Lc cap 7). A resposta de Jesus é a resposta de todos os tempos. Sua doutrina não depende das curas, mas sua credibilidade está baseada nas mesmas. Não faz outra coisa a Igreja quando canoniza um santo. A sua vida heróica precede todo milagre que a confirma.
2) Portanto, separar a cura da doutrina é desvirtuar esta e idolatrar aquela. A cura confirma a doutrina e não pode ser separada da mesma, como se fosse a base evangélica em si mesma. Marcos dirá: Proclamai o evangelho…. E estes são os sinais que acompanharão os que tiverem crido (Mc no final do cap. 16). São, pois, sinais que testemunham a fé e não objetivos em si mesmos de uma religião de cura.
3) A expulsão dos demônios teve, nos tempos de Jesus, um papel fundamental. Eram os tempos da iniciação do Reino e a luta de poder determinava os dois inimigos: Jesus e Satanás. Hoje o Reino está instituído e a luta está dentro de nós mesmos. Somos Reino, ou, pelo contrário, as trevas do mal nos situam na calçada da frente?
4) De onde tirava Jesus a sua autoridade e o seu poder? Vemos como, enquanto Jesus ora, os discípulos dormem e só o buscam porque muitos querem ser curados. Hoje também muitos de nós dormimos e só nos interessamos pelos bens materiais, saúde, bem-estar, comida, vestido, casa. Jesus fala de um Reino em que a justiça do mesmo tem prioridade (Mt 5, 37). Certamente essas coisas não correspondem à justiça do Reino que consiste, como diz o Papa atual, no amor a Deus e ao próximo. Quando esse amor estiver realmente presente, a justiça humana terá muito pouco a reclamar.
5) A descristianização do mundo contemporâneo nos obriga a escutar com maior atenção as palavras finais do evangelho de hoje: Vamos para essas cidades, para que também nelas seja pregado o evangelho, porque para isso estamos sendo enviados.
EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA
- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.
- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.
Interpretação errada do evangelho:
- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).
Consequências:
- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! A liturgia deste domingo lança a pergunta: quem é Jesus para mim? A esse interrogante não existe subterfúgio, pois é uma inquietação que interpela a todos. O conhecimento que Jesus quer que tenhamos dele é mais profundo. Tal conhecimento provém de uma grande proximidade e de uma experiência vivencial. A nossa Liturgia nos garante que Deus não se conforma com os projetos de egoísmo e de morte que invadem o mundo e que escravizam os homens, e afirma que Ele encontra formas de vir ao encontro para lhes propor um projeto de liberdade e de vida plena. Elevamos o nosso coração numa reta vontade de não nos perder em distrações, para que não ocorra que nos peça contas por não ter escutado a sua Palavra, devido às impurezas de coração. Sintamos o júbilo real de Deus em nossos corações e cheios dessa alegria divina entoemos cânticos jubilosos ao Senhor!
(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Dt 18,15-20): - "O profeta é alguém que Deus escolhe, chama e envia para ser a sua palavra viva no meio dos homens."
SALMO RESPONSORIAL 95(94): - "Não fecheis o coração, ouvi hoje a voz de Deus!"
SEGUNDA LEITURA (1Cor 7, 32-35): - "São Paulo convida os cristãos a repensarem as suas prioridades e a não deixarem que as realidades transitórias sejam empecilhos diante do compromisso com o serviço de Deus e dos irmãos."
EVANGELHO (Marcos 1, 21-28): - "Jesus, o Filho de Deus, cumpre o projeto libertador do Pai, pela sua Palavra e pela sua ação. Ele renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem pr isionei ros do egoísmo, do pecado e da morte."
Homilia do Diácono José da Cruz – 4º Domingo do Tempo Comum
"CALA-TE E SAI DELE!"
A primeira bicicleta que ganhei, aos oito anos, tinha duas rodinhas de sustentação para facilitar o equilíbrio no aprendizado, e o futuro ciclista deveria fazer de conta que elas não existiam, para que o treinamento surtisse efeito. Por puro comodismo comecei a me exibir para os familiares, imprimindo velocidade nos pedais e até largando das mãos, para mostrar que estava seguro, mas na verdade colocava toda minha segurança nas rodinhas auxiliares, que não deixavam a bicicleta cair em minhas arrojadas manobras.
A turma me olhava com uma pontinha de inveja, quando eu passava “esnobando” com a bicicleta, meus familiares sentiam-se orgulhosos e tudo ia bem até que apareceu um chato, um estraga-prazer de nome Odair, colega de escola, garoto de grande vivacidade e inteligência, que me desafiou. “Ah quero ver você andar sem essas rodinhas aí...!”.
Tentei em vão argumentar, que as rodinhas não eram importantes, mas o Odair pegou de brabo e comentou com a turma, que eu não sabia andar coisa nenhuma, e que só estava enganando a todos. Lembro-me que fiquei quase duas semanas de “beiço caído” sem falar com ele, entretanto, com o passar dos dias fui vendo que tinha razão, se não tivesse coragem de tirar as rodinhas auxiliares, nunca iria aprender de verdade, a andar de bicicleta, porque a minha habilidade de ciclista não passava de uma mentira.
Essa é exatamente a missão do profeta: denunciar todas as nossas falsas seguranças, mostrando-nos a verdade que tem de ser buscada e cultivada, em nossa relação com Deus e com os irmãos, para que a nossa vida de cristãos não seja uma grande mentira em uma religião só de aparência.
No Antigo Testamento os profetas lembravam ao povo a fidelidade à aliança, toda vez que dela se afastavam. A Palavra de Deus manifestada através de Moisés, antes de ser uma norma rígida era um dom, pois oferecia orientações seguras de como viver bem e ser feliz, sob o amparo e a proteção do Deus da Aliança, nesta relação exclusiva e particular “Vós sereis o meu povo e eu serei o Vosso Deus”. Mas os profetas e todos os demais que falaram ao povo em seu nome sofreram muito, foram rejeitados, incompreendidos e até perseguidos e mortos, pois muitos não estavam dispostos a ouvir a Verdade que os faria mudar de vida.
O evangelho desse domingo faz uma apresentação solene de um novo, único e verdadeiro profeta que não vem para fazer mais promessas, mas sim para cumpri-las uma a uma. O seu múnus profético se revela na comunidade onde irá realizar um sinal, como prenúncio da sua obra de salvação, que tem na libertação do homem o seu ponto mais alto, naquele sábado na sinagoga, a comunidade conheceu Jesus de Nazaré, o Messias de quem falaram todos os profetas. O seu ensinamento causava admiração, pois ensinava com autoridade e não como os mestres da lei.
Ensinar com autoridade não é falar grosso, gritar e dar murros na mesa, como certos pregadores, que gostam de fazer terrorismo religioso, mas é mostrar primeiro a vivência daquilo que se ensina, unir fé e vida, celebrar aquilo que se Crê, é ter uma fé encarnada na história, é sempre falar em nome de Deus.
A palavra é libertadora porque gera vida nova, renova o homem por inteiro, Jesus é a palavra viva, o Logus de Deus, o Verbo encarnado no meio dos homens. Para surpresa de todos, na comunidade há um homem possuído por um espírito do mal que conhece Jesus, inclusive manifesta esse conhecimento em palavras bonitas “Sei que tu és o Santo de Deus”, sabe, portanto quem ele é e a que veio, mas não o aceita, não admite que o seu ensinamento interfira no modo de pensar e viver. Parece que Marcos fala às autoridades religiosas do seu tempo, e ao homem da modernidade, que apenas o conhecimento da pessoa de Jesus e sua missão, sem o compromisso de vida com o santo evangelho, jamais vai nos conferir uma fé autêntica. Jesus ornamenta muitos lugares públicos e está em uma correntinha no peito de muita gente, mas falta uma abertura maior para que as atitudes dos que nele dizem professar a fé sejam realmente atitudes de um cristão.
O tratamento que Jesus dá ao homem possuído pelo espírito do mal, é de choque – Cala-te e sai dele! CALA-TE: porque a palavra que o mal nos propõe é enganosa e mentirosa, traz a morte e não a vida; aprisiona em vez de libertar. O homem da modernidade parece não ter forças para fazer calar tantas vozes mentirosas que seduzem, corrompem, e destrói a dignidade do ser humano, o homem da modernidade se acha importante com o seu conhecimento e o progresso e, entretanto, é totalmente impotente diante das forças do mal, justamente porque não professa uma fé verdadeira e perdeu totalmente a noção do pecado, que contraria a graça de Deus e a sua santa palavra.
As Igrejas cristãs devem ter coragem e ousadia, para fazer calar e expulsar tantos “espíritos do mal” que continua a enganar o ser humano, com propostas sedutoras de vida, arrastando muitos para a morte. Ouçamos o apelo dos nossos pastores e sejamos uma igreja mais profética e menos sacramentalista, mais missionária e menos ritualista, fazendo um ensinamento novo, capaz de derrubar as velharias ideológicas escravisadoras, contrárias aos princípios do Reino Novo, que Jesus inaugurou um dia, lá na sinagoga de Nazaré... Quando mostrou quem ele é, e a que veio...
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – 4º Domingo do Tempo Comum
“Autoridade de Jesus – liberdade do cristão”
“Jesus entrou na sinagoga e pôs-se a ensinar” (Mc 1,21). Lemos nas páginas do Evangelho como o Senhor Jesus dá importância à pregação da boa nova: indo de uma cidade a outra para anunciar a sua mensagem e realizando-a com perfeição, com autoridade. As pessoas reconhecem-no: “eis um ensinamento novo, e feito com autoridade; além disso, ele manda até nos espíritos imundos e lhe obedecem!” (Mc 1,27).
Por nossa parte, deveríamos estar muito interessados no que ele nos diz. A formação que vamos recebendo de Cristo através da Igreja tende a fazer-nos homens ou mulheres responsavelmente livres. A nossa liberdade vai sendo educada paulatinamente para que possamos escolher aquelas coisas que nos fazem mais humanos e mais cristãos. Longe, portanto, da autêntica formação a coação e o controle sobre os outros. Não se trata de asfixiar as pessoas para que façam o bem. O importante é ajudá-las a amar o bem, a desfrutar na prática das coisas boas, a ver que somente na realização do bem verdadeiro encontra-se a felicidade. De fato, a autoridade de Jesus não retira a liberdade do cristão, mas a favorece aperfeiçoando-a.
Cristo é o Mestre por excelência. Ele, pacientemente, foi formando os discípulos e os apóstolos para uma missão que, sem dúvida, os superava. Não obstante, o Senhor os ensinou a confiar na graça e a lutar decididamente pelas causas que valem a pena e… conseguiram! Os apóstolos não cumpriram a vontade de Deus à força de prescrições legais, mas graças ao fogo do amor de Deus que lhes aquecia o coração e à formação recebida e assumida. Primeiro, o Senhor os fez ativos no amor e, consequentemente, essa caridade tornou-se fecunda através do apostolado que trouxe muitas pessoas ao encontro com o Divino Mestre.
Um dos efeitos do ensinamento de Cristo feito com autoridade é a formação da nossa consciência. Neste sentido, o Concílio Vaticano II ofereceu-nos uma definição de enorme beleza: “a consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa a sua voz” (GS 16). Na consciência ressoa a voz de Deus… É preciso escutá-la! A formação da consciência é um dos requisitos indispensáveis para conseguirmos a perfeição da liberdade. Como se lê no Catecismo da Igreja Católica, “a consciência deve ser educada e o juízo moral, esclarecido. Uma consciência bem formada é reta e verídica. Formula seus julgamentos seguindo a razão, de acordo com o bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador. A educação da consciência é indispensável aos seres humanos submetidos a influência negativas e tentados pelo pecado a preferir seu julgamento próprio e a recusar os ensinamentos autorizados. (…) A educação da consciência garante a liberdade e gera a paz do coração” (Cat.1783-1784).
Deus quer que sejamos os responsáveis pelas nossas próprias ações livres. Mas para que elas fossem verdadeiramente responsáveis e livres, Deus infundiu em nós, por criação, uma luz natural que nos faz agir segundo a reta razão. Contudo, isso não é suficiente! Pela nossa debilidade e pelo pecado, essa luz enfraqueceu-se e, nalguns casos, quase apagou-se. A graça, junto com as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo, iluminam e fortalecem de maneira nova o nosso organismo natural tornando mais suave a consecução do fim para o qual fomos criados. Esse fim, que é Deus, torna-se presente em cada um dos fins intermediários que escolhemos diariamente.
Estar atentos ao ensinamento de Cristo formará a nossa consciência de maneira eficaz. Mas é preciso conhecer a sua doutrina cada vez mais. E não há como conhecê-la profundamente se não aplicarmos a nossa mente e o nosso coração a ela, especialmente através da leitura da Sagrada Escritura e do Catecismo da Igreja Católica. Mas não é só questão de doutrina, é questão de conhecer o próprio Jesus, a sua Pessoa e a sua obra; é preciso, portanto, tratá-lo na oração, conversar com ele, aprender dos seus gestos e palavras.
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
Comentário Exegético – 4º Domingo do Tempo Comum - Ano B
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA (1 Cor 7, 32-35)
INTRODUÇÃO: No domingo anterior vimos como Paulo fala do matrimônio, aclarando serem lícitas as duas opções: casar ou optar por ficar solteiro. Porém, afirma que esta última opção é preferível do ponto de vista religioso. As razões estão nestes versículos que constituem a epístola deste domingo.
A PREOCCUPAÇÃO DO SOLTEIRO: Quero, pois, que estejais despreocupados: o não casado preocupa-se das coisas do Senhor; como agradar ao Senhor (32). Volo autem vos sine sollicitudine esse qui sine uxore est sollicitus est quae Domini sunt quomodo placeat Deo. DESPREOCUPADOS [amerimnos<275>=sine sollicitude]. Além deste versículo encontramos unicamente esta palavra em Mt 28, 14: E, se isto chegar a ser ouvido pelo presidente, nós o persuadiremos, e vos poremos em segurança, dirão os chefes sacerdotais aos soldados que guardavam o sepulcro ao calar suas bocas com dinheiro: Não vos preocupeis se a vossa falta de disciplina chegar aos ouvidos de Pilatos. Esse é o verdadeiro sentido da palavra: estar apreensivo e inquieto, agitado ou perturbado. A causa da perturbação é o matrimônio. Quem não tem mulher e filhos está livre das inquietudes que os familiares causam e só atende ao serviço de Deus, sendo esta a única preocupação de sua vida. Paulo o declara com poucas, mas gráficas palavras: só se preocupa em agradar ao Senhor. Com esta conclusão, Paulo declara duas premissas importantes, tanto para a vida de um casado como para a vida dedicada a Deus: Primeiro, a finalidade é agradar ao cônjuge, sem o qual o matrimônio seria um uso egoísta do mesmo. E a segunda, que todo serviço religioso, e o que poderíamos chamar a liturgia diária da vida, é um agradar a Deus para que este possa dizer como disse de Jesus no batismo: nele tenho minhas complacências.
AS DIFERENÇAS: Mas o casado, preocupa-se das coisas do mundo: como agradar à mulher (33). Está dividido. A mulher e a virgem, a não casada, preocupa-se das coisas do Senhor a fim de ser imaculada tanto no corpo como no espírito. A casada, porém, preocupa-se das coisas do mundo: como agradar o marido (33). Qui autem cum uxore est sollicitus est quae sunt mundi quomodo placeat uxori et divisus est. Et mulier innupta et virgo cogitat quae Domini sunt ut sit sancta et corpore et spiritu quae autem nupta est cogitat quae sunt mundi quomodo placeat viro.PREOCUPA-SE [merimna<3309>=solicitus est] presente de merimnaö com o significado de estar ansioso, preocupado, como em Mt 6, 25: Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Ou como em 1 Cor 12, 25: Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros. Porém é evidente que o significado deste versículo é o mesmo que em Fp 4,6: Não estejais inquietos por coisa alguma. Paulo faz uma distinção entre coisas do mundo e o serviço do Senhor. O caso mais semelhante é o de Marta a quem Jesus teve que repreender: Marta, porém andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? (Lc 10, 40). Como vemos pelas palavras de Jesus em Mt 6, 25, AS COISAS DO MUNDO são a comida, a bebida e o vestido, tudo para conservar a vida e agasalhar o corpo. Mas se casado, a mulher é também causa de preocupações. Segundo Paulo ela é carne e ossos do marido como lemos no Gn 1, 23-24 e que ele cita em Ef 5, 31: Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne. Logicamente, o esposo está dividido entre o agrado à mulher e o serviço a Deus. Neste momento, Paulo passa para a mulher e em primeiro lugar propõe a preocupação da não casada a que é ainda VIRGEM [parthenos<3933>=virgo] não tendo marido, preocupa-se das coisas do Senhor, assim como a viúva. Não toda mulher que perdeu o marido é considerada viúva, segundo Paulo, mas as de uma idade marcada de, pelo menos, 60 anos (1 Tm 5, 9) e logicamente deve ser cuidada pelos filhos ou netos (1 Tm 5, 4) que eram os que deveriam cuidar dos avós. Logo a verdadeira viúva devia estar livre de toda incumbência e assim ser semelhante a uma virgem. Na época de Paulo as mulheres eram donas de casa e não eram necessários os avós para cuidarem dos netos; mas antes, estes cuidavam dos avós. Assim, as verdadeiras viúvas eram consideradas como virgens, sem outra preocupação que os deveres religiosos. Portanto, livres de outra preocupação, elas estavam unidas ao serviço de Deus, como eram as mulheres que acompanhavam Jesus e o serviam (Lc 8, 2). A elas pede Paulo que se mantenham IMACULADAS [agia<40>=sancta], propriamente sagradas, coisa a Deus consagrada que não deve ser tratada como comum, mas com o respeito que merece uma pessoa dedicada ao serviço de Deus. E Paulo acrescenta tanto no corpo [alude à virgindade] como no espírito, ou seja, sem intenção de matrimônio. Este é o melhor elogio da virgindade como superior ao estado matrimonial. E isso, tendo em conta que a doutrina dos rabinos da época era tudo o contrário: Deus tinha abençoado o matrimônio, como diz o Gênesis em 1, 28: E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra. Porém, foi Jesus quem substituiu esta bênção especial por um depoimento evangélico: Há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus (Mt 19, 12). Finalmente, Paulo repete, com respeito à mulher, o que no versículo anterior afirmou dos homens solteiros: A casada preocupa-se das coisas do mundo: como agradar o marido.
A FORÇA DO TESTEMUNHO: Portanto digo isto, conveniente para vós mesmos: não para lançar-vos uma cilada, mas (como coisa) honorável e devota ao Senhor, sem distração (35). Porro hoc ad utilitatem vestram dico non ut laqueum vobis iniciam sed ad id quod honestum est et quod facultatem praebeat sine inpedimento Dominum observandi. CONVENIENTE [symferov<4851>=utilitas] benéfico, vantajoso, útil, lucrativo e como substantivo, proveito. Um exemplo é 1 Cor 10, 33 em que Paulo fala eu em tudo agrado a todos, não buscando o meu próprio proveito, mas o de muitos, para que assim se possam salvar. CILADA [brochos<1029>=laqueus] propriamente significa laço e sai unicamente neste versículo. Lançar um laço a alguém é o mesmo que obrigar a gente a fazer uma coisa ou escravizá-la de modo a forçá-la a obedecer. Paulo não obriga a ninguém a ser celibatário, mas apresenta o celibato como coisa HONORÁVEL [euschëmon<2158>=honestus] digna de honra como era José de Arimateia: senador honrado, que também esperava o reino de Deus (Mc 15, 43). E DEVOTA [euprosedron<2145>=facultatem praebeat] é um apax e não existe outro caso no NT que possa nos dar o sentido bíblico da palavra. Derivada de eu [bom] e prosedros [sentado próximo de] o seu significado é o de estar devotado, que modernamente traduzem como estando para vos unirdes ao Senhor. A tradução direta seria assíduo e por isso termina o apóstolo falando sem distração alguma. Outra tradução: ao trato do Senhor sem preocupações. Conclusão: a pessoa que tem o ministério de ser de alguma maneira apóstolo ou seguidor do Senhor deve escolher o celibato. É a forma mais perfeita de agradar o Senhor. Assim o tem feito a Igreja após o Concílio de Elvira (305) e Niceia (325), pondo limitações ao matrimônio de clérigos, até que finalmente Gregório VII em 1074 ordena que todo sacerdote deve ser celibatário; para finalmente, no Concílio I de Latrão decretar que os matrimônios dos clérigos não são válidos.
EVANGELHO (Mc 1, 21-28) - LUGAR PARALELO: Lc 4, 33-37
O PODER CONTRA OS DEMÔNIOS.
INTRODUÇÃO: São dois os ensinamentos que podemos extrair do evangelho de hoje. E ambos têm como raiz a pessoa de Jesus e sua autoridade. O primeiro é sobre a sua palavra: autêntica no sentido de diferente dos ensinamentos humanos e com a força de um mandato muito mais do que uma doutrina peculiar ou nova. O segundo é que ele era o único, na época, que podia confirmar suas asseverações com fatos extraordinários que serviam de sinal divino que confirmava sua atuação. Mas vamos explicar as palavras chaves do evangelho em particular.
A SINAGOGA: Então, entraram em Cafarnaum e, imediatamente, aos sábados, tendo entrado na sinagoga ensinava (21). Et ingrediuntur Capharnaum et statim sabbatis ingressus synagogam docebat eos. CAFARNAUM: Foi à cidade, centro do ministério de Jesus onde foi morar, situada à beira mar, nos confins de Zabulon e Neftali (Mt 4, 13). Segundo João, depois do sucesso das bodas de Caná desceram a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ali ficaram alguns dias (Jo 2, 12). Foi chamada a própria cidade (Mt 9, 1). Hoje não sabemos com absoluta certeza a localização exata da cidade, como temos escrito nos comentários do domingo anterior. Dentro de Cafarnaum estava a casa de Pedro na qual Jesus residia como hóspede (Mc 1, 29). SINAGOGA: É uma palavra grega que literalmente significa convocação ou assembleia. Para os judeus, era o lugar onde se celebrava o culto religioso aos sábados. Era o substituto de Casa de Deus. A sinagoga começou a existir na Babilônia nos tempos do exílio como substituto do serviço do templo ou talvez para suprir uma necessidade dos exilados de se reencontrarem para matar suas saudades (ver Salmo 137). Foi introduzida por Esdras na Palestina e logo se difundiu por toda a Eretz Israel [terra de Israel]. A palavra hebraica que traduz sinagogé é Knesset. Com o domínio da língua latina, sinagoga entrou em todas as línguas modernas. Antes de tudo, a sinagoga é uma casa de oração e por isso é traduzida como Beit Knesset [casa de reunião] Beit Tefilá [casa das rezas] Beit Midrash [casa de estudo]. Desde o século I dC há notícias de sinagogas nos lugares onde existiam judeus, até mesmo fora da Palestina, como nos diz o livro dos Atos (At 15, 21). Também se reuniam no segundo e quinto dia da semana para ouvir a leitura das Escrituras. Os homens tomavam assentos separados das mulheres. As bênçãos iniciais: Um dos membros da sinagoga é quem fazia oração: Barehú et Adonai hamevorah [Bendizei ao Senhor que é Bendito]. E todos respondiam: Bendito seja o Senhor que é bendito para sempre. O dirigente: Bendito seja o Senhor que é bendito para sempre. Bendito és tu, nosso Deus, rei do universo que nos escolhestes entre todos os povos, e que nos destes a Torah. Bendito és tu Javé Deus, por nos teres dado a Torah. A primeira parte consistia principalmente na leitura de Dt 6, 4-9; 11, 16-21; Nm 15, 37-41 e em repetir algumas, ou todas as dezoito orações ou bênçãos [shemoné eshré], já em uso nos tempos de Jesus e das quais temos um exemplo em 2 Mc 1, 24-29, que começa: Senhor, Senhor Deus, criador de todas as coisas, temível e forte, justo e misericordioso, o único rei e o único bom, o único generoso e o único justo, todo-poderoso e eterno, que salvas Israel de todo mal, que fizestes de nossos pais teus escolhidos e os santificastes. Sob a palavra oração encontramos a Tefilá [prece] e também a chamada Amida [de pé, porque era recitada nessa posição]. Finalmente a Shemoné Esré ou as dezoito Bênçãos, foram ordenadas pelos homens que constituíam a Grande Assembleia e logo algumas outras adicionadas após a destruição do templo. Uma delas é a bênção contra os Minim [hereges ou sectários], inserida pelo rabino Gamaliel, em Jabne, contra os cristãos, no final do século primeiro. As três primeiras bênçãos eram para louvar o Criador do céu e da terra como o Deus dos patriarcas em sua onipotência e santidade. Seguem doze bênçãos, com caráter de súplica, pela santificação do nome de Deus, pelo conhecimento derivado da Torah, pela conversão e renovação da vida, pela remissão dos pecados, a salvaguarda das calamidades, cura das dores, por um ano frutífero, pela liberação do povo, e aí entrava a aniquilação dos apóstatas e heréticos [os cristãos], por Israel, Jerusalém, Sião e o templo, e o advento do Messias. Após pedir que a oração fosse atendida, dava-se opção aos desejos particulares. As duas últimas bênçãos eram de ação de graças pelos benefícios obtidos, terminando: Impõe tua paz sobre teu povo Israel e abençoa a todos. Louvado sejas tu, Yahveh, que crias a paz! Eram as BERAHOT que começavam com baruk ata Adonai [louvado seja o Senhor]. O povo ficava de pé durante as orações e todas as pessoas presentes diziam “Amém” quando terminavam. A segunda parte consistia na leitura da lei, feita por diversos assistentes, cada um dos quais lia um parágrafo alternadamente, correspondente a 3 ou 4 versículos atuais. O principal leitor era chamado Ba’al al Koré, e o número de pessoas a ler a mesma, não podia ser inferior a três. Começava e terminava com ação de graças. Seguia-se uma lição dos profetas [Neviim] ou haftará que era lida pelo Maftir [quem conclui] pela mesma pessoa que abria o serviço com a oração. Depois da leitura o leitor ou qualquer outra pessoa presente fazia uma exposição sobre ela. É o que aconteceu em Nazaré, quando da visita de Jesus após sua fama na Galileia (Lc 4, 16-17). O culto terminava com a bênção, pronunciada por um sacerdote, se havia algum presente; e a congregação dizia Amém. Provavelmente era esse momento da leitura dos Neviim, em que Jesus usava a oportunidade da palavra para pregar o advento do Reino. Um pequeno exemplo da pregação de Jesus nas sinagogas é o relato de Lucas acontecido na sinagoga de Nazaré em 4, 16-27. Seu comentário estava limitado à explicação das palavras do profeta lido anteriormente. Outro é o discurso ante as multidões explicando as qualidades do Reino à beira do mar e nas montanhas da Galileia.
O ENSINO: E se admiravam sobre o seu ensinamento; pois estava ensinando-os como tendo autoridade e não como os escribas (22). Et stupebant super doctrina eius erat enim docens eos quasi potestatem habens et non sicut scribae. A DOUTRINA: O grego didachê, propriamente é doutrina e não método de ensino. Porém a explicação dada na continuação por Marcos, mais parece apontar para o método, pois Jesus tinha uma maneira peculiar de fazê-lo, como quem tem autoridade e não como os escribas, que geralmente só citavam autoridades anteriores com o argumento de magister dixit [o mestre disse]. Jesus se transforma em mestre dos mestres como um novo Moisés que dita leis e proclama verdades com autoridade própria e não apoiada em superiores prestígios. É só abrir Mateus para ver que Jesus começa muitas de suas asseverações com o ouvistes que foi dito ou ensinado, eu, porém, vos digo ou afirmo (Mt 5, 21).
O POSSESSO: E havia na sinagoga deles um homem com um espírito imundo e gritou (23) dizendo: Ah, que a nós e a ti (sic), Jesus Nazareno? Vieste nos destruir? Tenho conhecido quem és tu: o consagrado de(o) Deus (24). Et erat in synagoga eorum homo in spiritu inmundo et exclamavit dicens quid nobis et tibi Iesu Nazarene venisti perdere nos scio qui sis Sanctus Dei. Chama a atenção que um possesso estivesse dentro da sinagoga. Por isso os evangélicos traduzem: Não tardou que aparecesse um homem possesso. O possesso diabólico não é admitido no sentido estrito pela versão persa, e hoje é discutido entre os modernos como foi possível que a pessoa que Jesus mandou calar, segundo Marcos, estivesse dentro da sinagoga sendo um possesso. Lucas não deixa dúvida alguma, pois fala de um homem tendo um espírito de demônio imundo (4, 33), embora estas palavras possam ser traduzidas como alguém mal intencionado. Houve tempos em que a única história conhecida e a única cosmogonia aceita eram as procedentes dos textos sagrados. Hoje isso não é mais possível, e ambas são consideradas insuficientes e defeituosas. Será que a mesma coisa não está passando com a demonologia? Porque o que antigamente por todos os cientistas ou médicos era atribuído ao demônio ou espíritos do mal, hoje sabemos que são doenças sem intervenção de seres supra-humanos, ou talvez atribuídas a causas paranormais. A questão é se tais fenômenos são totalmente humanos ou se existem a possibilidade e probabilidade de seres superiores intervirem na consciência e vontade humanas. Desde já podemos afirmar que os fenômenos supranaturais positivos, [influência do Espírito Santo, anjos e santos] são possíveis e é uma realidade da qual nenhum cristão duvida, devido a fatos milagrosos, profecias, etc. afirmadas no N T, como os anjos do sepulcro (Lc 24,4). Como fenômeno que desafia a ciência temos, após as aparições de Guadalupe no México, uma tilma ou manto que avalia a verdade das mesmas. Mas vamos reproduzir, no possível, as ideias da época. No grego clássico existem duas palavras Daimon [=masculino, deus de segunda ordem, ou destino, porque estava particularmente unido ao deus da sorte] e Daimonion [=neutro, era diminutivo, que é o caso dos evangelhos, e que significa ser espiritual superior ao homem , uma espécie de gênio que pode ser bom ou mau, e que geralmente nos evangelhos só designa uma potência do mal]. Há passagens em que espírito impuro e demônio se identificam pelo mesmo evangelista (Mc 7,25 e 26). Destes textos e outro paralelos, deduzimos que os espíritos impuros e os demônios eram palavras alternativas de um mesmo fenômeno. Mais: toda pessoa que tivesse algum dom, profético ou milagroso e que não fosse atribuído ao Enthusiasmos [=impulso divino] era considerada movida pelo demônio, como o caso de João Batista que não comia nem bebia (Mt 11,18) ou o próprio Jesus com autoridade sobre os espíritos do mal (Mt 9,34) que tinha por sua vez demônio (Jo 7,20 e 8, 48) ou tinha um espírito impuro (Mc 3, 30). Por isso é que Marcos fala de um homem em espírito impuro [sem falar de possessão] (1,23). E ao falar das diversas curas refere-se a expulsar daimonia, demônios (34 e 39). Na passagem de Lucas, em que Jesus, imediatamente após esta cura do possesso (?) da sinagoga, cura a sogra de Pedro, podemos ler que Jesus repreendeu a febre como se se tratasse de um demônio e esta deixou o corpo da sogra de Simão (Lc 4,38). Em Mateus e Marcos não existe essa ordem, pois Jesus toma a mão da doente e a febre desaparece. Isso nos leva a perguntar: há alguma relação entre doença e demônios? No grego do NT daimonion é preferível sobre daimon e, muitas vezes, será traduzido por espírito impuro ou imundo, de impureza legal por estar unido aos deuses pagãos, que também recebem o apelativo de demônios (Lv 17,7 e I Cor 10,20); era o oposto ao espírito sagrado que toma posse de um indivíduo de modo temporal ou contínuo. Daimon só aparece três vezes nos evangelhos (MT 8,31; Mc 5,12 e Lc 8.29), sempre no mesmo caso: o de Gerasa ou Gadara, que formavam legião e foram enviados aos porcos. Daimonion aparece 45 vezes. João nos dá uma dica de que daimonion não significa possessão diabólica tal e qual a entendemos hoje, mas um desarranjo mental ou perturbação temporal, tipo loucura ou psicopatia. Vejamos: Os judeus dizem de Jesus que tem demônio e é um herege ou samaritano (Jo 8,48). Jesus se defende, dizendo que não está com demônio. É o que pensavam seus parentes: que perdera o juízo (Mc 3,21) e que os fariseus traduzem por ter um espírito impuro (Mc 3,30). Deduzimos de tudo isso que os demônios e as possessões dos mesmos devem ser selecionados muito criteriosamente, porque abrangem casos de loucura, de epilepsia e outras doenças mentais, sem que hoje possamos discernir as mesmas dentro dos relatos evangélicos. OS DEMÔNIOS: como espíritos que habitam lugares desertos, sem água, misturados às bestas selvagens (Mc 1,13 e Is 13,21) dos quais Lilit é o representante da noite (Is 34,14) são puro folclore do AT. Os demônios como causadores de toda enfermidade – e isso acontece hoje nas sociedades indígenas primitivas- não existem. Nem toda doença é causada por um espírito maligno (Jo 9,2) e não é através de exorcismos que ela é curada (Mt 17,21). Hoje, por meio da medicina e da psiquiatria sabemos que doenças físicas ou psicofísicas têm como causa os micróbios, os vírus e até a própria psique alterada do homem. Muitos fenômenos que poderíamos pensar ultrapassarem as forças naturais são entendidos de modo neutro, sem recorrer a seres malignos, explicados por pura parapsicologia, e são denominados paranormais. O que fica do demônio, outrora confundido com deuses pagãos (Dt 37,12) e com eles identificado (Sl 96,5; Br 4,7)? Praticamente nada. Por isso dos 3 fenômenos que a teologia tradicional atribui ao poder do maligno – tentação, obsessão e possessão – esta última está, na prática, totalmente descartada. Sua explicação é dada pela dupla personalidade adquirida pelo esquizofrênico. Como exemplo vou usar um caso acontecido nos meus tempos de seminário com um adolescente. Ele acreditava que era Nossa Senhora, e apareceu um bom dia cantando a Ave Maria de Gounod em falsete. Quando a sua voz engrossou ao cair da tarde, e não podia cantar com voz de mulher, sua personalidade mudou para a de S. José. Logicamente ninguém acreditou numa possessão benéfica de Maria ou José no pobre louco. Mas se no lugar de tomar essas personalidades tivesse babado, gritado e rolado no chão, blasfemando, sem dúvida que muitos diriam ser um possesso e como tal sobre ele deviam ser lançados os exorcismos da Igreja. Pessoalmente me inclino a pensar que a possessão diabólica é mais uma doença chamada esquizofrenia. Mas como homem de ciência deixo a porta aberta a causas sobrenaturais para casos que considero raríssimos, e que em tempos modernos seriam mais fáceis de distinguir das verdadeiras doenças psíquicas. Segundo o pensar comum da época, bíblico e não bíblico, o ar estava cheio de espíritos, assim como o nosso ar está cheio de micróbios e vírus. Esses espíritos podiam ser bons ou maus. Estes últimos, que são os que nos interessam, habitavam os lugares desertos em grande número, sem água (Lc 11,24). Nos sinópticos, estes espíritos maus eram chamados de espíritos impuros, sujos, akatharta, traduzido por imundos nas bíblias evangélicas (Mc 1,23). Lucas os chama de maus em 7,21 e 8,2, ou causadores de doenças (8,2). Esses espíritos tinham como chefe Beelzebu (Mt 12, 24) ou Belial (II Cor 6,15). Causavam doenças de todo tipo, especialmente as que não tinham uma causa conhecida. Tais eram surdez, acompanhada da correspondente mudez (Mc 9,17 e Lc 11,14). A loucura, como no homem de Gérasa (Mc 9,17), a quem Lucas chama de endemoninhado (8,27). A epilepsia, como no caso da filha da mulher siro-fenícia (Mc 7,25) em que vemos que no lugar de espírito impuro também os sinópticos usam o termo demônio. A esclerose múltipla como o caso da mulher encurvada que tinha um espírito de doença (Lc 13, 11), atribuído a Satanás (13,16). Resulta estranho que João, no 4o evangelho, nunca fale deles. SATANÁS OU O DIABO: As duas palavras indicam um mesmo personagem, só que o primeiro é de origem semítica e o segundo é a tradução grega. O significado primordial é de Tentador, fiscal ou promotor. Era o anjo caído, a antiga serpente ou dragão do Éden, que se chama Diabo ou Satanás (Ap 12, 9). É o inimigo frontal de Cristo e que lutará contra o reino, mas será derrotado no final. É um ser pessoal cuja ação se manifesta também através de seres subalternos por meio da tentação (Mc 1,23) e da disseminação do mal (Mt 13,25). Ele é o adversário do desígnio de Deus sobre a humanidade. No AT mais do que como adversário ele é tratado como anjo da corte divina que desempenha a ação de fiscal ou acusador (Jó 2, 1). Sem opor-se diretamente a Deus, desejaria que sua noção de falsa santidade em Jó fosse a que prevalecesse. Em Zc 3, 1-5 já se torna adversário de Deus. Em Gn 3,1 vemos como, sob a forma de serpente, uma misteriosa personagem tem um papel importante na introdução do pecado, da doença e da morte. Suas armas são a astúcia e a mentira (Jo 8,44). A essa serpente, a Sabedoria dá o nome de Diabo (2,24). A humanidade, vencida um dia, triunfará de seu adversário (Gn 3,15). Cristo veio para reduzir à impotência a quem tinha o domínio da morte (Hb 2,14) e para substituir o reino do maligno pelo reino de Deus (I Cor 15,24-28 e Cl 1,13). Os evangelhos apresentam a vida pública de Jesus como uma luta contra Satanás, luta que começa com as tentações do deserto, nas quais, após o Gênesis, vemos pela primeira vez um filho de Adão (Lc 3, 38) cara a cara com o Diabo (Lc 4,3). Esta luta terá dois aspectos diferentes: um físico ao vencer Jesus com autoridade o que se acreditava era domínio do mal entre os homens possessos, e outro espiritual no enfrentamento com os judeus incrédulos dos quais reclama falta de lógica e maldade do coração por julgarem como falsa sua missão messiânica, tornados por isso verdadeiros filhos do Diabo (Jo 8,44), os mesmos que o Batista já chamou raça de víboras (Mt 3,7). Na hora da paixão, Satanás parece vencer (Jo 13, 2; 27; 14,30 e Lc 22,3); mas na realidade não tem poder algum sobre Cristo e sua missão messiânica, que se cumprirá por meio de seu sacrifício na cruz, como obra do amor e obediência ao Pai (Jo 14,30-31). O império do mundo pertence agora ao Cristo (Fl 2,10-11). Porém esta luta entre Cristo e Satanás terá que ser repetida em todo cristão. Por vezes será evidente, como quando Paulo é impedido de ir a Tessalônica (I Ts 2,18). Satanás semeia o joio (Mt 13, 39) e arranca a semente boa da palavra (Mc 4, 15). Como em Judas, entrará em possessão do anticristo ou anticristos (2 Ts 2,7) que já estão em ação e ocultará sua obra maléfica, revestido de anjo de luz ( 2 Cor 11,14). As almas simples jamais sentirão sua presença, pois Cristo as protege com seus anjos (Mt 18,10). Porém as almas santas que têm experimentado a presença de Deus serão tentadas como os discípulos (Lc 22,31) por meio de dúvidas de fé, orgulho pela sua santidade e desesperação pelos pecados cometidos e dos quais parece nunca se livram. O maligno pode tomar até forma sensível, como diz Teresa de Jesus, como um anjo belo e formoso, mas que traz angústia e dúvidas ao coração. Porque Deus permite que as tentações acompanhem as visões para purificação e mérito dos santos. Satanás, pois, existe: é um personagem maligno, empenhado mais na derrota do bem que no triunfo do mal. Nos tempos modernos ele inspira cantos [heavy metal] e através de drogas, ritos e cultos, promove independência e liberdade absolutas, fora de toda obediência, em busca da felicidade total. Mas os resultados são destruição e morte [Manson], novos líderes messiânicos [Jim Jones] que levam seus adeptos ao suicídio e aniquilamento. Estes sim são fenômenos que sociólogos, teólogos e pastoralistas deveriam estudar para que a fumaça de Satanás não penetre na Igreja de Deus, em palavras de Paulo VI. Outro problema ao qual não é fácil encontrar solução é por que Deus permite sua atuação que, em certo sentido, converge com a existência do mal no mundo. Esse problema só será resolvido no outro mundo e cada um de nós verá como, em definitivo, o mal provocou um bem maior em nossas vidas como canta a Igreja no hino pascal: Feliz culpa que teve tão grande redentor! É índice de maior amor, amar o que não é digno de ser amado, como é o pecador que volta redimido ao bem! Sem o mal- dirá o filósofo – não pode existir o bem. CONCLUSÕES: A) Nos tempos de Jesus: Como temos visto há uma série de doenças que hoje certamente sabemos nada tem a ver com espíritos ou demônios. Logo as palavras dos evangelhos não podem ser tomadas fundamentalmente ao pé da letra. A maioria das doenças curadas por Jesus eram normais, quer dizer, sem intervenção sobrenatural. Autores há que afirmam que todas as doenças atribuídas aos demônios têm uma explicação completamente natural, incluídos fatos hoje chamados paranormais. É uma opinião que não deve ser descartada. Quando Jesus escolhe os 12 é para morar com Ele, para enviá-los a evangelizar e ter autoridade de expulsar demônios (Mc 3,15). Este fato era de grande importância no seu tempo: A mentalidade judaica era de que os demônios tinham um poder praticamente supremo no mundo, devido à idolatria, e que seriam vencidos pelo poder messiânico (Mt 12, 22-45 e Lc 11, 14-26). Jesus usa esse poder e os inimigos o atribuem ao próprio maligno, o que constitui pecado contra o Espírito Santo, Espírito que Jesus tinha e através do qual imperava nos demônios. B) Tempos atuais: Existem endemoninhados no mundo moderno? Uma grande parte dos pastores protestantes afirma que sim. Escutando suas rádios e vendo seus programas televisivos, abundam os possessos tanto quanto os enfermos de câncer. Pelo contrário, não conheço nenhum Padre católico que afirme tal coisa. Pessoalmente eu tenho conhecido epilépticos, neuróticos e histéricos; mas jamais me deparei com um endemoninhado. É verdade que o munus de exorcista não tem sido eliminado dos ritos católicos. Mas vejamos o testemunho de um deles, José Antônio Fortea, pároco de Na. Sa. de Zulema. É um dos dois exorcistas que existem na Espanha. Ele diz que as influências diabólicas são seis, das quais a mais espetacular é a possessão diabólica e esta é rara. Ele afirma que 95% dos casos são doenças mentais. Dos mais de 600 casos em que o outro exorcista teve que intervir só 4 podiam ser considerados como possessão diabólica. Porém existe uma forma de influência diabólica bastante frequente no Brasil: é o caso dos terreiros e centros espíritas. Invocam espíritos. Evidentemente não são dirigidos pelo Espírito Santo em suas formas múltiplas, logo podemos dizer que são espíritos do mal. Para ver a influência dos terreiros e seus pais de santo me contaram que numa pequena cidade de 3500 habitantes na região do sertão, num dia de propaganda política, um determinado candidato visitou 13 terreiros. Lógico é de se supor que seu oponente visitou outros tantos a ele mais próximos. É dessa forma que o inimigo semeador de joio trabalha sem necessidade de ser descoberto como mal; mas camuflado como bem entre os umbandistas, quimbandistas, macumbeiros e kardecistas. O GRITO DO ENDEMONINHADO: Que entre nós e ti? Lucas usa os mesmos termos: Ah! Que entre nós e ti, Jesus Nazareno? (Lc 4, 34). A interjeição Ea que Lucas introduz antes das palavras que entre nós e ti, é uma interjeição de indignação, de espanto misturado com medo. Talvez fosse melhor traduzir por Ai! É interessante saber que o espírito maligno usa o plural: entre nós. Esse nós abrangeria o espírito e o homem possuído, ou esse nós estava referido a todos os espíritos do mal que Marcos compreende como espíritos imundos? (26). Vemos que o oposto a esse nós é precisamente o tu de Jesus Nazareno. É o mal que encontra o Bem e o rejeita com a repugnância de um proscrito infernal. E nisso encontra sua infelicidade e desesperação. É uma visão terrena do que sucede no inferno. Realiza-se o que Tiago na sua carta diz: Os demônios creem e [por isso] tremem (Tg 2, 19). Interessante também, que o nome completo seja Jesus Nazareno. O sobrenome Nazareno está no lugar do pai [patronímico] e na realidade se José fosse o verdadeiro pai o nome completo de Jesus seria Jesus bar Josef (Jo 1, 45). Para melhor designá-lo Filipe dirá a Natanael que esse filho de José era de Nazaré e foi com este topônimo [nome do lugar] que Jesus foi e é conhecido até agora. O diabo admite a conceição virginal de Maria. Esse mesmo título era o que Pilatos colocou na cruz (Jo 19, 19). Sobre este nome existem duas acepções gregas: Nazarenos [nazareno], como habitante de Nazaré e Nazôraios [nazoreo] que foi o nome com que os cristãos foram conhecidos em primeiro lugar. A primeira voz sai 3 vezes em Marcos e uma em Lucas. A segunda sai 2 em Mateus, 1 em Marcos 2 em Lucas e 3 em João. Sem dúvida que é mais uma questão de nome e não de semântica ou de conceito. O SANTO DE DEUS: Na realidade o ‘agios grego deve ser traduzido por consagrado ou sagrado. Tomando o sentido, traduziríamos, como melhor opção, por o Ungido do [verdadeiro] Deus. Era um título messiânico indiscutível. O demônio sabia quem verdadeiramente era esse homem. Além de Messias, o demônio [ou o espírito esquizofrênico que na hora o dominava] sabia que era filho de Deus? Provavelmente não. Jesus ainda não o tinha manifestado e as tentações no deserto não podem ser tomadas como provas, porque Filho de Deus era um título puramente messiânico. Ficamos, pois, com o suficientemente provado: Tu és o Messias, o Ungido de Deus.
O MANDATO: Então Jesus o repreendeu dizendo: Cala, e sai dele (25). Et comminatus est ei Iesus dicens obmutesce et exi de homine. A ordem de Jesus é dupla: Cala-te primeiro, e logo sai desse homem. A primeira parte corresponde ao segredo messiânico que Marcos respeita quando Jesus cerca seus milagres e sua pessoa ao título de Messias, de modo que não consentia que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era (Mc 1, 34). A segunda é a que produz o milagre que todos viram admirados.
A SAÍDA: O espírito, o imundo [sic no grego] o agitou, e havendo gritado com grande som, saiu dele. Et discerpens eum spiritus inmundus et exclamans voce magna exivit ab eo Akathartós é a palavra que os evangélicos traduzem por imundo e os católicos por impuro. O significado próprio é sujo, não limpo [unclean inglês]. Oposto a ele é o espírito ‘agios [divino] (Mc 12, 36) ou espírito de Deus (Mt 12, 28) com o qual Jesus expulsa o demônio. O espírito imundo é substituído por maligno [ponerón] (Lc 7, 21 e 8, 2) ou por espírito de demônio imundo (Lc 4, 37) o espírito de enfermidade (Lc 13, 11). Por vezes esse espírito é descrito pelos efeitos de mudez: espírito mudo de Marcos 9, 17 e 25, o endemoninhado cego (Mt 9, 23) e cego e mudo (Mt 12, 22). Uma outra palavra frequente nos evangelhos [11 vezes] é endemoninhado [daimonizomenos]. Até o quarto evangelho usa a palavra contra Jesus em 10, 21. De tudo isso devemos concluir que nem sempre espírito akathartós significava possessão diabólica mas certo tipo de doenças que não tinham explicação fisiológica e mais correspondia a doenças mentais ou psíquicas. Porém, dentro das mesmas, havia algumas que se atribuíam na época a demônios e que poderíamos chamar de verdadeiras possessões malignas, com maior ou menor influência do anjo do mal ou capeta em termos vulgares. As outras eram, apesar do nome de espíritos, doenças do espírito ou mentais. E com um grande grito, chacoalhando-o em convulsão saiu dele. Lucas, no lugar paralelo, diz que o demônio o lançou no meio e saiu sem causar-lhe mal algum. Sem dúvida que essa forma de se despedir indica raiva e desesperação. É o único consolo que terá o diabo ante o triunfo de Jesus: derrotado não poderá fazer o mal como é seu costume. Exatamente como saiu do menino epilético em Marcos 9, 26, narração que para Mateus e Lucas termina com uma cura simples.
ADMIRAÇÃO DOS PRESENTES: E se admiraram todos de modo a se questionarem entre eles, dizendo: Que é isto, que doutrina esta, a nova, de modo que com autoridade ordena aos espíritos, os imundos, e lhe obedecem? (27). Et mirati sunt omnes ita ut conquirerent inter se dicentes quidnam est hoc quae doctrina haec nova quia in potestate et spiritibus inmundis imperat et oboediunt ei. O assombro dos presentes é duplo: pela doutrina que é nova, sem pretender tirar dela a exposição magistral que também influiria na admiração, pois ele, Jesus, era um simples artesão e não tinha estudos, e logo pela autoridade e comando que tinha dos espíritos imundos que lhe obedeciam. As novidades eram a doutrina e o poder de Jesus. Será o novo mestre da humanidade e o milagre será a confirmação da verdade de sua doutrina, sendo o maior, a sua ressurreição. Por isso dirá Jesus a seus oponentes; Se não acreditais em minhas palavras [e razoamentos] acreditai nas minhas obras (Jo 10, 38). Nestes momentos em que a humanidade não sabe distinguir entre a verdade e a falsidade, entre o bem e o mal, existe uma voz que se deixa ouvir com claridade em ambos os problemas: a do Papa, que é o vigário de Cristo. E existem umas obras que podemos ver como divinas: Os milagres que sempre acompanham a vida dos santos dessa Igreja tão universal que chamamos de Católica.
Pistas:
1) Existe um livro de Francisco Ansón, intitulado Três milagres para o século XXI, em que descreve a tilma de Guadalupe [México, 1531] o milagre do coxo de Calanda [Virgem do Pilar, 1640], e Fátima [1917]. Recomendo a leitura sem prejuízos e sem paixão. É um livro que produz fortes dúvidas nos agnósticos e certezas incontestáveis entre os crentes. Como sempre, se repete a visão de Simeão: Cristo será sempre sinal de contradição (Lc 2, 34).
2) Vemos como a interpretação dos fatos tem sido totalmente diferente segundo os tempos e os avanços da ciência. Que os curados por Jesus eram doentes, ninguém pode duvidar. Ora, as causas das doenças que não são visíveis diretamente, eram atribuídas a espíritos. Hoje temos outras interpretações mais convincentes e lógicas após os descobrimentos científicos correspondentes. Os fatos são reais, a cura é portentosa. Porque tanto faz seja demônio ou loucura. Ninguém, mesmo nos dias de hoje, cura um esquizofrênico repentinamente. O Milagre não é a cura, mas a falta de tempo para se realizar de modo a responder a um comando de forma imediata.
3) A modéstia de Jesus que quer evitar toda publicidade sobre sua pessoa para centrá-la na doutrina e nos ouvintes, contrasta com a publicidade de certos pregadores modernos que apelam aos fatos prodigiosos para enaltecer suas virtudes ou carismas. É lícito proclamar curas para reunir uma multidão ou devemos proclamar Jesus para anunciar a salvação?
4) No mundo moderno, os fatos que levarão os homens à fé serão as obras de caridade. Jesus já o disse: nisso conhecerão que sois meus discípulos: se permanecerdes em minha palavra (Jo 8,31) e reconhecidos como tais, se tiverdes amor uns pelos outros (Jo 13, 35).
5) A impressão de quem estuda a fundo os evangelhos é de que eles formam uma unidade de pensamento que relata uma única vida e que não contradiz o Deus do AT. Não existem contradições ou divergências. E eram quatro os narradores. Tudo o contrário do Al Corão que relata o episódio do bezerro de ouro e também culpa um samaritano pelo mesmo (sura 20, 87) ou que um dos filhos de Noé perecesse no dilúvio (sura 11, 43). Ou quando admite uma exceção sobre o matrimônio, em favor do profeta. Só se permitem 4 mulheres e a ele se permitem até 12.
EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA
- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.
- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.
Interpretação errada do evangelho:
- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).
Consequências:
- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.
CAMPANHA DA VELA VIRTUAL DO SANTUÁRIO DE APARECIDA
CLIQUE AQUI, acenda uma vela virtual, faça seu pedido e agradecimento a Nossa Senhora Aparecida pela sagrada intercessão em nossas vidas!
QUE DEUS ABENÇOE A TODOS NÓS!
Oh! meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno,
levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente
as que mais precisarem!
Graças e louvores se dê a todo momento:
ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!
Mensagem:
"O Senhor é meu pastor, nada me faltará!"
"O bem mais precioso que temos é o dia de hoje! Este é o dia que nos fez o Senhor Deus! Regozijemo-nos e alegremo-nos nele!".
( Salmos )
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