Texto de Max Gehringer (enviado pela amiga Carmen Taiar)
Max Gehringer é palestrante e colunista de EXAME
Durante minha vida profissional, eu topei com algumas
figuras cujo sucesso surpreende muita gente. Figuras sem um vistoso
currículo acadêmico, sem um grande diferencial técnico,
sem muito networking ou marketing pessoal.
Figuras como o Raul. Eu conheço o Raul desde
os tempos da faculdade. Na época, nós tínhamos
um colega de classe, o Pena, que era um gênio. Na hora de fazer
um trabalho em grupo, todos nós queríamos cair no grupo
do Pena, porque o Pena fazia tudo sozinho. Ele escolhia o tema, pesquisava
os livros, redigia muito bem e ainda desenhava a capa do trabalho -
com tinta nanquim.
Já o Raul nem dava palpite. Ficava ali num canto,
dizendo que seu papel no grupo era um só, apoiar o Pena.
Qualquer coisa que o Pena precisasse, o Raul já
estava providenciando, antes que o Pena concluísse a frase.
Deu no que deu.
O Pena se formou em primeiro lugar na nossa turma.
E o resto de nós passou meio na carona do Pena - que, além
de nos dar uma colher de chá nos trabalhos, ainda permitia que
a gente colasse dele nas provas. No dia da formatura, o diretor da escola
chamou o Pena de "paradigma do estudante que enobrece esta instituição
de ensino". E o Raul ali, na terceira fila, só aplaudindo.
Dez anos depois, o Pena era a estrela da área de planejamento
de uma multinacional. Brilhante como sempre, ele fazia admiráveis
projeções estratégicas de cinco e dez anos. E quem
era o chefe do Pena?
O Raul. E como é que o Raul tinha conseguido
chegar àquela posição? Ninguém na empresa
sabia explicar direito.
O Raul vivia repetindo que tinha subordinados melhores
do que ele, e ninguém ali parecia discordar de tal afirmação.
Além disso, o Raul continuava a fazer o que fazia na escola,
ele apoiava. Alguém tinha um problema? Era só falar com
o Raul que o Raul dava um jeito. Meu último contato com o Raul
foi há um ano. Ele havia sido transferido para Miami, onde fica
a sede da empresa.
Quando conversou comigo, o Raul disse que havia ficado
surpreso com o convite. Porque, ali na matriz, o mais burrinho já
tinha sido astronauta. E eu perguntei ao Raul qual era a função
dele. Pergunta inócua, porque eu já sabia a resposta.
O Raul apoiava. Direcionava daqui, facilitava dali, essas coisas que,
na teoria, ninguém precisaria mandar um brasileiro até
Miami para fazer.
Foi quando, num evento em São Paulo, eu conheci
o vice-presidente de recursos humanos da empresa do Raul. E ele me contou
que o Raul tinha uma habilidade de valor inestimável:... ele
entendia de gente. Entendia tanto que não se preocupava em ficar
à sombra dos próprios subordinados para fazer com que
eles se sentissem melhor, e fossem mais produtivos.
E, para me explicar o Raul, o vice-presidente citou
Samuel Butler, que eu não sei ao certo quem foi, mas que tem
uma frase ótima: "Qualquer tolo pode pintar um quadro, mas
só um gênio consegue vendê-lo".
Essa era a habilidade aparentemente simples que o Raul
tinha, de facilitar as relações entre as pessoas. Perto
do Raul, todo comprador normal se sentia um expert, e todo pintor comum,
um gênio.