* por Luciano Pires
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Luciano Pires, formado em Comunicação
Social, diretor de Comunicação Corporativa da Dana, cartunista
premiado duas vezes no Salão de Humor de Piracicaba, colaborador
de várias revistas, jornais e sites, conferencista e escritor.
E-mail:
luciano@lucianopires.com.br
Internet:
http://www.lucianopires.com.br
Fui xingado. De moralista. Moralista é palavrão?
Sei lá, mas que incomoda, incomoda.
Tudo em razão da crítica que fiz a uma
propaganda de cerveja onde um grupo de senhoras de idade corria atrás
de um moço, que fugia desesperado. O texto dizia que "todos
querem o novo...". O que é que eles queriam dizer? Que aquelas
senhoras queriam sexo com o garoto? Não pode ser. Sou muito burro.
Não entendi.
Numa propaganda de automóvel, um rapaz bonito
estaciona seu carro. Passa uma moça feia e coloca o rosto dentro
do carro. Transforma-se numa deusa da beleza... Tira o rosto do carro,
fica feia outra vez. E quando o rapaz sai do carro, vira um tribufú...
É aquela história do "não existe homem feio,
existe homem a pé?" Com a palavra as mulheres.
Teve uma de outra montadora que mostrava um sujeito
discursando sobre coisas velhas e coisas novas, enquanto lavava o carro
e da mangueira saíam litros e litros de água que eram
desperdiçados. Não consegui ver a propaganda, só
vi a água...
E o Zeca Pagodinho, com a voz pastosa, recomendando:
"beba com moderação" ao final de uma propaganda
de cerveja? Coisa de Macunaíma, "tiração"
de sarro mesmo.
Pois agora se superaram... Lançaram o "Selo
de Qualidade Zeca Pagodinho...".
Não faz muito tempo, bêbados eram marginais,
inspiravam cuidados ou pena. Eram maus exemplos. Pois nossos criativos
publicitários transformaram o bêbado em ídolo, aval,
referência, numa inversão de valores que não consigo
classificar.
Uma rede popular de móveis e eletrodomésticos
nos bombardeia dia após dia com um sujeito insuportável,
cheio de micagens e frases tipo "quer pagar quanto?..." O
argumento? "Preço baixo, prazo alto". Ponto.
Qual é o pensamento por trás disso tudo?
É fácil: o povo é ignorante, tem que ser tratado
como imbecil. E se você reclamar, os marqueteiros dirão
que "a campanha é um sucesso!" Claro! Dêe-me
os milhões que aquela rede investiu em veiculação
na tv pra ver se não vendo até cocô enlatado.
Provavelmente serei trucidado pelos brilhantes criativos.
Dirão que estou ultrapassado, que não consigo entender
as mensagens geniais dos publicitários premiados internacionalmente.
Dirão que sou preconceituoso. Moralista.
Pode ser. Mas continuarei berrando pra todo mundo ouvir:
cadê a inteligência na propaganda? O que existe hoje é
cinema, entretenimento: tudo se resume a um filminho, uma frase de efeito,
uma gracinha. "Nã, nã, nã, nããããã..."
O problema é que estamos ocupados demais pra
pensar. A cultura da forma já liquidou o conteúdo. É
colorido, tem uma bela bunda e uma gracinha? Bota no ar que a boiada
repete. Pois estou com o saco cheio de gracinha.
Um dia os anunciantes, já despocotizados, não
admitirão ver seus clientes tratados como imbecis. Talvez então
a propaganda ajude a reduzir a ignorância tão em moda no
Brasil.
Mas... "Propaganda não é pra educar.
É pra vender". "Propaganda não tem que ter nenhum
compromisso com a sociedade". Mas será que é normal,
aceitável e natural mostrar desperdício de água,
transformar bêbados em heróis, dizer que velhos não
servem pra nada? É natural aplicar truques e técnicas
para levar as pessoas a trocar seu dinheiro por produtos, sem se importar
com os valores morais envolvidos nessa troca?
E em horário nobre na TV?
E quando o produto são políticos?
Pois é...
Eu trabalho com marketing, desde 1977. Sou "marqueteiro".
Mas hoje, quando digo isso pros outros, fico incomodado.
Acho que é vergonha.
"Seráááá?".