* por Luciano Pires
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Luciano Pires, formado em Comunicação
Social, diretor de Comunicação Corporativa da Dana, cartunista
premiado duas vezes no Salão de Humor de Piracicaba, colaborador
de várias revistas, jornais e sites, conferencista e escritor.
E-mail:
luciano@lucianopires.com.br
Internet:
http://www.lucianopires.com.br
Waldemar Seyssel, o Arrelia, faleceu esta semana no
Rio de Janeiro, aos 99 anos. Qualquer adulto, na faixa dos 40, que ainda
mantenha dentro de si uma criança há de se lembrar com
carinho do palhaço Arrelia. Houve um tempo em que o Circo do
Arrelia era o programa obrigatório para as crianças na
tv. Era uma época em que não existia controle remoto e
as pessoas assistiam tv comentando, saboreando e compartilhando em grupo
uma atividade que hoje realizamos praticamente a sós.
Arrelia não gostava que seus companheiros usassem
maquiagem carregada nem roupas muito espalhafatosas. Ele acreditava
que as crianças pequenas teriam medo do exagero. Um palhaço
que respeitava seu público.
Arrelia era um cartunista. Exprimia valores morais
sob a forma de pequenos quadros de humor, piadas ingênuas e uma
presença em cena que era hipnótica. Seu abraço,
sempre levantando um dos pés... o cumprimento que virou bordão
num tempo em que os publicitários não haviam se apoderado
dos bordões para vender produtos, entrou para a história:
"Como vai, como vai, como vai? Como vai, como vai, vai, vai? Muito
bem, muito bem, muito bem. Muito bem, muito bem, bem, bem...".
Assisti uma apresentação de Arrelia
na Associação Luso Brasileira de Bauru, acho que no comecinho
dos anos 70 ou final dos 60. Eu tinha lá meus 12 anos e ele já
tinha mais de 60. O que me chamou a atenção foi que eu
vi, debaixo daquela maquiagem, um velhinho. Dava para perceber as rugas
e isso me incomodou. Pela primeira vez passou pela minha cabeça
que talvez aquela figura mágica não fosse eterna. O meu
palhaço Arrelia estava envelhecendo. E isso me dava uma dimensão
diferente da vida. Se meu herói ficava velho...
Talvez tudo ficasse também.
Pois desconfio que Arrelia sabia do impacto de seu
envelhecimento sobre seus pequenos fãs. Tanto que esperou até
que todos se tornassem adultos para então morrer, aos 99 anos.
Salvo os parentes, sua morte não causará
lágrimas em criança alguma.
Mais ou menos... Eu não sei quanto a você,
mas eu, de adulto, só tenho a casca. Sentadinho lá na
sala de comando, esperando a chance pra sair, continua o Lucianinho
que, na ilimitada sabedoria de seus eternos 12 anos, ao ser perguntado
"Como vai, como vai, como vai?", só tem uma resposta:
"Muito bem, muito bem, muito bem. Muito bem, muito bem, bem, bem".
O Lucianinho sente falta do Arrelia. Não entende
a pressão do mundo para que responda "Mais ou menos... muito
mal... não interessa... pra que você quer saber?...".
Nem entende o Brasil aonde o palhaço mais famoso
vem do estrangeiro, chama-se Ronald McDonald´s e tem como função,
em vez de fazer rir, vender hambúrguer.
Por sorte, no lugar onde o Lucianinho vive, tem um
espaço pro Arrelia.
Um espaço onde seus heróis nunca envelhecem.