* por Luciano Pires
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Luciano Pires, formado em Comunicação
Social, diretor de Comunicação Corporativa da Dana, cartunista
premiado duas vezes no Salão de Humor de Piracicaba, colaborador
de várias revistas, jornais e sites, conferencista e escritor.
E-mail:
luciano@lucianopires.com.br
Internet:
http://www.lucianopires.com.br
Ouvi Soninha Francine, ex-vj da MTV que hoje é
vereadora, explicando a razão por escolher a carreira política.
Soninha disse que, preocupada em cumprir um papel social, fazia parte
de um grupo que dava aulas de teatro para crianças em favelas.
E achava legal. Mas quando as crianças terminavam a atividade
e voltavam para casa, suas vidas continuavam ameaçadas pela pobreza,
violência e tráfico de drogas. A sensação
de que seu trabalho social não rendia, fez Soninha entrar para
a política. Como vereadora ela teria mais poder e capacidade
de influenciar na criação e revisão das leis e
regras que causam impacto na sociedade.
Pois é... Soninha sabe que está se metendo
no meio de cobras e que a imagem dos políticos nunca esteve tão
por baixo. Mas também sabe que, de fora, o máximo que
conseguiria fazer seria expor seus ressentimentos passivos. Ressentimentos
passivos.
Você também é mais um (ou uma)
dos que preenche seu tempo com ressentimentos passivos?
Conhece gente assim? Pois é... O Brasil tem
milhões de brasileiros que gastam sua energia distribuindo seus
ressentimentos passivos. Olham o escândalo na televisão
e exclamam "que horror". Sabem do roubo do político
e exclamam "que vergonha". Vêem a fila de aposentados
ao sol e exclamam "que absurdo". Assistem a quase pornografia
no programa dominical de televisão e dizem "que baixaria".
Assustam-se com os ataques dos criminosos e choram "que medo"...
E pronto!
Pois acho que precisamos de uma transição
"nestepaíz". Do ressentimento passivo para a participação
ativa. A minha transição começou quando li num
texto de Érico Veríssimo, um trecho delicioso:
..."o menos que um escritor pode fazer, numa época
de atrocidades como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer
luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão,
propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim,
segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se
não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso
toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente,
como sinal de que não desertamos nosso posto."
E tudo ficou mais fácil quando entendi que não
preciso mudar a vida de 180 milhões de brasileiros. Basta começar
mudando a vida de um. Veio daí a motivação para
lançar meus textos na internet, manter meus sites, escrever e
distribuir meus livros, fazer minhas palestras, meus comentários
em rádio e tudo que ainda vem por aí. Não sei se
provoquei alguma mudança em alguém. Mas acredito que estou
cumprindo um papel. Homeopático, pequenino e simples. Pra mim,
relevante. Tem gente que escreve me chamando de ególatra, metido
e elitista. Para essas pessoas, eu incomodaria menos se permanecesse
confortavelmente usufruindo da vida de executivo de uma multinacional,
pacatamente curtindo meus ressentimentos passivos. É uma opção.
Mas acho que sou parecido com a Soninha, sem a coragem dela. Ela comprou
a briga. Virou vereadora, meteu os pés num ambiente recheado
de lama. Incomoda-se, ouve abobrinhas, sofre com os conchavos e, se
bobear, é ofendida na rua.
Mas ela sabe que uma idéia sua bem implantada
muda a vida de milhares de brasileiros.
Soninha encontrou um jeito de mudar o mundo, mudando
o sistema. De dentro.
Soninha escolheu participar ativamente.
Quem mais tem a coragem dela?