* por Tom Coelho
* Tom Coelho, com formação em Economia
pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP, especialização
em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA-FEA/USP,
é empresário, consultor, professor universitário,
escritor e palestrante. Diretor da Infinity Consulting e Diretor Estadual
do NJE/Ciesp. Contatos através do e-mail
atendimento@tomcoelho.com.br.
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O gargalo do crescimento brasileiro chama-se
infra-estrutura. A este, somam-se entraves de ordem institucional. Conheça
aqui uma proposta de agenda mínima para o desenvolvimento do agronegócio
brasileiro.
Desafios ao Agronegócio
"Não há segurança nesta terra; há oportunidades."
(General Douglas MacArthur)
O Brasil é o terceiro maior exportador agrícola
do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da União Européia.
E o setor primário é responsável por 34% de nosso
PIB, 37% dos empregos gerados e nada menos que 85% do superávit
da balança comercial obtido em 2005, sem o qual o desequilíbrio
nas contas nacionais teria levado ao colapso da política econômica
do governo.
Todavia, por opção, miopia ou ambos,
as políticas públicas parecem desconsiderar esta importância
do agronegócio. Relevam a um segundo plano o setor primário
de nossa Economia, como que dando as costas para uma tradição
e, mais do que isso, uma vocação agrícola que acompanha
nossa história.
O consumo mundial de carne bovina é crescente
e os rebanhos vêm se reduzindo gradualmente, elevando os preços
internacionais. Por isso, a participação brasileira nas
exportações mundiais mais que triplicou em apenas dez
anos: de 6,7% em 1994 para 21,4% em 2004. Doenças como a gripe
aviária e a vaca louca atingiram países asiáticos
e europeus, permitindo este crescimento, interrompido apenas com o foco
de febre aftosa ocorrido no Mato Grosso do Sul em fins do ano passado
e que gerou embargos à carne bovina brasileira.
Ainda assim, no que tange a frangos, suínos
e bovinos, o Brasil é referência em qualidade. A pecuária
tem sido tecnificada, utilizando mais animais por hectare. E o custo
do hectare de terra no Brasil é inferior a 10% do valor norte-americano.
Com relação a grãos, a redução
de subsídios agrícolas na Europa e nos EUA por força
das negociações travadas na OMC (Organização
Mundial do Comércio), associada à saturação
de novas terras disponíveis nestes lugares, colocaram o Brasil
em posição privilegiada, elevando nossa participação
no comércio global.
Condições climáticas favoráveis
e novas técnicas de plantio propiciaram-nos a criação
de uma base exportadora de frutas de clima tropical e temperado.
Porém, transcorremos o ano de 2005 migrando
da euforia à apreensão. Da estiagem registrada no Sul
do país ao surto de aftosa, passando pela superprodução
de soja norte-americana, nada abalou mais o desenvolvimento do agronegócio
do que a queda na taxa de câmbio. Com muitos insumos (defensivos
e fertilizantes) adquiridos no início do ciclo produtivo com
dólar sobrevalorizado, a comercialização da produção
na baixa cambial acarretou uma terrível queda na renda do produtor.
As conseqüências serão sentidas na próxima
safra: redução da área plantada, abrindo espaço
para concorrentes como a Argentina; diminuição dos estoques,
causando pressão sobre a inflação; menor investimento
em implementos, fragilizando a qualidade da colheita.
O gargalo do crescimento brasileiro chama-se
infra-estrutura. A este, somam-se entraves de ordem institucional.
Uma agenda mínima capaz de contemplar estas questões deve
considerar os seguintes aspectos:
1. Transporte: nossa produção
é escoada através de estradas esburacadas – quando
há estradas – e mediante uma frota antiga. Na década
de setenta o governo investia 1,8% do PIB em estradas; hoje, apenas
0,1%. Na Argentina, a opção também é pelo
transporte rodoviário, porém as distâncias percorridas
são muito menores. Os EUA utilizam o transporte hídrico
em larga escala, com custos até 80% menores. O Brasil escoa apenas
5% de sua produção de soja por hidrovias. Basta olhar
para o mapa hidrográfico brasileiro para enxergar a grande oportunidade
que temos em nossas mãos. Além disso, faltam também
investimentos em ferrovias, que poderiam integrar especialmente o Centro-Oeste
à rede portuária. Nossa malha ferroviária é
de apenas 30 mil quilômetros de extensão, a mesma de oitenta
anos atrás.
2. Portos: pouco eficientes e sobrecarregados,
apresentam custos operacionais elevados que comprometem a competitividade
de nossas commodities. As taxas portuárias, por exemplo, representam
de 1% a 1,5% do valor da carga na Argentina e nos EUA. Por aqui, chegam
ao patamar de 5%.
3. Armazéns: a seca ocorrida
ano passado na região Sul, a pior em quarenta anos, que provocou
uma queda de 75% da safra de soja, adiou um problema iminente representado
pela estocagem de grãos. Nos últimos cinco anos a produção
brasileira saltou cerca de 50% enquanto a capacidade de armazenagem
cresceu apenas 5,7%. Segundo a OCB (Organização das Cooperativas
Brasileiras) temos um déficit de capacidade de armazenagem da
ordem de 35 milhões de toneladas. Isso provoca congestionamento
nos portos, elevação do preço dos fretes e até
perda de parte da produção.
4. Crédito Rural: a política
de crédito precisa ser revista e ampliada em especial aos pequenos
produtores. Pesquisa elaborada pelo professor Guilherme Leite da Silva
Dias, da Universidade de São Paulo, comprova que 15% dos tomadores
de recursos, os grandes agricultores, respondem por 85% da inadimplência
na carteira de crédito. E são estes agricultores que,
respaldados por sua força política orquestrada pela bancada
da UDR no Congresso, atrasam seus pagamentos mesmo em períodos
de bonança no campo, como estratégia de dependência
sistemática do setor público.
5. Seguro Rural: variações
climáticas e oscilação nos preços internacionais
são riscos inerentes ao agronegócio, mas que podem e precisam
ser gerenciados através de mecanismos de salvaguarda. O seguro
rural é um instrumento praticamente inexistente neste país.
E, propriamente por não ser difundido, apresenta custos proibitivos
para contratação, desestimulando companhias seguradoras
e contratantes. A exemplo do que o governo federal fez com o sistema
bancário, o setor primário necessita de um fundo garantidor
para custear crises causadas por estiagens, problemas fito-sanitários
ou redução abrupta dos preços decorrentes de variações
cambiais expressivas ou oscilações dos preços no
mercado externo. Um funding auto-sustentável alimentado por um
percentual dos prêmios de seguro, do crédito rural e dos
lotes comercializados funcionaria como hedge.
6. Recursos Públicos: o orçamento
deve prever recursos para defesa sanitária, custeio e comercialização
da produção. Mas o sistema de contingenciamento precisa
ser aprimorado. É lamentável observar a retenção
dos já escassos recursos previstos na dotação orçamentária
da União por força da burocracia institucional que impõe
como regra para a efetivação dos repasses que o Estado
beneficiado esteja adimplente com o governo federal.
7. Questões Fundiárias:
há cartórios pelo interior do país que fazem registro
de terra a mão, sem qualquer precisão geográfica.
Além disso, o direito de propriedade deve ser respeitado, o que
significa equacionar a questão do Movimento dos Sem Terra e buscar
uma atuação sinérgica do INCRA, no que tange à
demarcação de terras indígenas.
8. Rastreabilidade e Certificação:
numa nação com dimensões continentais, torna-se
imprescindível adotar medidas como a regionalização,
proibindo o trânsito de animais vivos de uma região para
outra, possibilitando conter o foco de eventuais doenças identificadas.
A emissão de certificados de origem também permitiria
monitorar e elevar a qualidade dos bens transacionados.
9. Biotecnologia e Agroenergia: o
investimento em pesquisa e desenvolvimento deve ser estimulado, tendo
a inovação tecnológica como meta. O Brasil está
diante da oportunidade ímpar de liderar em posição
de vanguarda a geração de fontes energéticas renováveis,
avançando além do álcool combustível.
10. Cooperativismo e Associativismo:
são instrumentos capazes de impulsionar a atividade agropecuária,
fortalecendo os pequenos produtores e criadores, auxiliando-os na redução
de custos, no aumento da produtividade, no custeio através das
cooperativas de crédito, no desenvolvimento tecnológico,
na difusão de práticas de gestão e na obtenção
de melhores preços na comercialização, elevando
consequentemente a renda no campo.
Os desafios são tão amplos quanto as
oportunidades. Enfrentar os desafios e aceitar as oportunidades pode
ser o caminho mais breve para o desenvolvimento sustentável do
agronegócio brasileiro, selando nossa condição
de grande celeiro do mundo.
(Artigo publicado originalmente na revista Visão
da Agroindústria)