* por Tom Coelho
* Tom Coelho, com formação em Economia
pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP, especialização
em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA-FEA/USP,
é empresário, consultor, professor universitário,
escritor e palestrante. Diretor da Infinity Consulting e Diretor Estadual
do NJE/Ciesp. Contatos através do e-mail
atendimento@tomcoelho.com.br.
Visite:
http://www.tomcoelho.com.br.
Os humildes
não lêem receituários porque não entendem
a letra, não lêem bula porque isso é coisa de médico
e fazem apenas o que o “doutor” recomenda porque estes são
tidos como mensageiros de Deus na terra. E acabam por morrer achando
o ato natural e obra da divina providência.
Choque Anafilático
“Nada é veneno e tudo é veneno;
a diferença está na dose.”
(Paracelsus)
Em maior ou menor grau, somos todos autodidatas. Aprendemos
muito por meio de estudos, bastante através de nossos relacionamentos
e uma infinidade pela nossa própria experiência.
A pessoa que se entusiasme a solucionar problemas elétricos
ou hidráulicos em sua casa, desmontando e refazendo utensílios
e eletrodomésticos, poderá adquirir uma competência
digna de engenheiro. Analogamente, alguém envolvido com muitas
questões de justiça poderá alcançar um conhecimento
que o aproxime de um bacharel em Direito.
Seguindo este raciocínio, pessoas acometidas
por enfermidades desenvolvem um “quê” de médicos.
Aprendem desde os jargões da profissão, até a fazer
diagnósticos, chegando mesmo à automedicação,
incluindo o conhecimento do princípio ativo e informações
técnicas dos produtos, suas indicações, contra-indicações,
reações adversas e posologia. São os ditos antibióticos,
assim denominados porque são contra a vida. Não apenas
a vida de bactérias e vírus, mas toda e qualquer vida.
Tive uma infância marcada por uma saúde
debilitada. Problemas do sistema respiratório. Uma bronquite
persistente que deu as mãos a uma febre reumática e me
tornaram um convidado freqüente de farmácias. No lugar de
picolés de limão, uva ou abacaxi, injeções
de penicilina. De tanto tomar antibióticos, meu organismo criou
resistência.
É sempre assim: todo recipiente tem uma capacidade
limitada ao seu volume máximo. Depois disso, ele transborda.
E a culpa não é daquela gota adicional, mas de todas as
outras depositadas anteriormente. É por isso que há relacionamentos
que se desfazem. Não foi por uma única palavra, gesto
ou ação. Foi por causa de todas as palavras, gestos e
ações que se antecederam. Mas isso é outra estória...
Há alguns dias fiz um tratamento dentário.
A microcirurgia causou um esperado processo inflamatório no local
afetado. Sempre tratei osteoartrite com Vioxx, medicamento retirado
da praça em setembro de 2004 depois da comprovação
do risco vascular proporcionado aos usuários pelo mesmo. Em seu
lugar, o dentista receitou-me dois similares.
Conforme relatei, meu organismo resistente legou um
ser que não pode ficar doente. Basta um comprimido de antiácido
contendo acetilsalicílico ou um analgésico à base
de dipirona sódica, por exemplo, para desencadear reações
alérgicas que podem demandar, de acordo com a dosagem, uma traqueostomia
– para quem não sabe, um procedimento altamente invasivo
que consiste em fazer uma abertura na traquéia para permitir
a entrada de ar, a passagem do oxigênio que alimenta a vida.
Na farmácia, após ler a bula dos dois
medicamentos substitutos prescritos, descobri que ambos são contra-indicados
a pessoas alérgicas ao ácido acetilsalicílico.
Assim, evitei o risco de um choque anafilático, rumando para
minha casa. Sentindo dor, porém vivo.
Então, coloquei-me a pensar na vastidão
deste país de dimensões continentais, no baixo índice
educacional da maioria da população, nas deficiências
de nosso sistema de saúde. E imaginei quantos são vitimados
diariamente por diagnósticos superficiais decorrentes da não
realização de exames para redução de custos
e de profilaxias inadequadas por inépcia, omissão ou mera
falta de atenção dos profissionais.
Os humildes não lêem receituários
porque não entendem a letra, não lêem bula porque
isso é coisa de médico e fazem apenas o que o “doutor”
recomenda porque estes são tidos como mensageiros de Deus na
terra. E acabam por morrer achando o ato natural e obra da divina providência.